Pouco antes de morrer, em 1955, o físico Albert Einstein, pai da Teoria da Relatividade, entre outras proezas, era reconhecido na rua e apontado por jovens e velhos. A notoriedade do velho cientista respondia a uma fórmula inédita até então: ciência de alto impacto somada a empatia de seu principal personagem.
Como um desses fenômenos raros, a fórmula se repetiu outra vez anos mais adiante, mas ainda circunscrita ao enigmático e sedutor mundo da física. A partir dos anos 1960, pouco depois da morte de Einstein, portanto, um jovenzinho começou a chamar a atenção da comunidade científica. Primeiro, em razão de sua descomunal inteligência e poder de proposição de novidades. Segundo, porque ele se locomovia com alguma dificuldade e logo estaria encerrado a uma cadeira de rodas.
Era Stephen Hawking, inglês de Oxford, nascido em 1942 e falecido na terça-feira, 13 de março de 2018. O astrofísico se formou na universidade de sua cidade, mas logo foi para Cambridge concluir os estudos. Ocupou nada além do que a cadeira de sir Isaac Newton, pai das Leis de Gravitação e lecionou ali até 2009.
Sua contribuição para o avanço da ciência, ainda está para ser medida, porque ele abriu novas frentes que geram frutos ainda hoje e que seguirão prolíficos por bastante tempo. Ele era especialista em Teoria da Relatividade Geral, no que essas ideias tangem a astrofísica, o universo e os buracos negros em especial. O professor do Departamento de Astrofísica da Universidade de São Paulo, Roberto Costa conta que Hawking foi particularmente brilhante ao entender e explicar a interação entre buracos negros e em provar “que eles não são tão negros assim”, brinca. Matematicamente falando, o nome buraco negro definiria um corpo em que rigorosamente nada sairia de lá, nem luz. “No entanto, o professor Hawking conseguiu demonstrar que não é bem assim e que uma certa gravitação – depois batizada com o nome dele – poderia sair do buraco sem violar a Relatividade Geral. Um achado”, comemora o professor.
Um pouco mais de genialidade: o físico britânico combinou o macro – Lei da Relatividade Geral – com o micro, a mecânica quântica, área da física que estuda átomos e partículas ainda menores. “Em princípio, as duas teorias não casam bem, mal conversam. Com cálculos e demonstrações, o professor Hawking conseguiu fazer as duas conversarem e fez avançar o entendimento sobre as radiações que vêm dos buracos negros”. Nessa passagem que Costa explica, o físico ainda deu um spoiler que preocupa os cientistas. “Dentro de algum tempo, por funcionarem deixando vazar alguma radiação, os buracos negros podem evaporar”, provoca o professor da USP.
Ainda cientificamente, Roberto Costa destaca que Stephen Hawking foi muito bom em abrir avenidas inteiras de pesquisa. “As contribuições que ele propôs serviram e servirão por um bom tempo como iscas. Jovens pesquisadores se encantam com as ideias e mergulham nessa área que propõe uma dança elegante entre o macro e o micro”, afirma.
Imóvel numa cadeira de rodas e falando por meio de um sintetizador de voz operado por apenas um botão, chama a atenção a capacidade do físico britânico de se comunicar de forma simples e encantadora com grande público. Essa proeza amplificou o alcance de suas teorias e ideias e alavancou Hawking ao patamar de celebridade. “Eu li agora pela manhã na imprensa internacional que ele era o físico mais conhecido do mundo. Só Einstein viveu algo igual. Hawking era, acima de tudo, querido. As pessoas comuns gostavam dele, porque explicava a ciência mais dura com muita habilidade, a ponto de parecer fácil”, lembra o professor de astrofísica. “É como se as pessoas mais comuns entendessem que não poderiam fazer aqueles cálculos complicadíssimos, mas que poderiam compreender a beleza do que o físico explicava. Isso é sedutor e empoderador”, defende Costa. De fato, perceber o que o espaço em larga escala significa, viajar em possibilidades de tempo e espaço, mergulhar no poder dos buracos negros, encontrar fendas no tempo-espaço através dos buracos de minhoca, que interligariam dimensões para além de nossa compreensão é mesmo uma verdadeira viagem. E Hawking provocava tudo isso ali, na quietude de sua cadeira (com exceção de quando voou numa simulação de gravidade zero, ou viajou no tempo para jogar dados com Newton num episódio dos Simpsons), com um olhar irônico e um permanente semi-sorriso nos lábios.
Há, por fim, um último aspecto que Roberto Costa faz questão de salientar, as idas e vindas do pensamento do professor de Cambridge. Ele mudou de ideia algumas vezes sobre a radiação que sai dos buracos negros. Refez os cálculos. Mudou tudo. Perguntamos ao astrofísico da USP se esse aspecto aumentava a empatia de Hawking com a comunidade científica ou com o público leigo. “Pode ser sim, mas isso tem mais a ver com a postura de cientista que ele sempre teve. Mudar de ideia, rever, repensar e propor o novo é exatamente o que diferencia a ciência da religião. Na ciência não tem dogma”, explica.
Quem quiser conhecer mais a vida e a obra desse pequeno notável, pode ler:
Do próprio Stephen Hawking:
Uma Breve História do Tempo: do Big Bang aos Buracos Negros (edição brasileira de A brief history of time). Rio de Janeiro: Rocco, 1988.
Buracos Negros, Universos-Bebês e outros Ensaios. Porto: ASA, 1994.
O Universo numa Casca de Noz. São Paulo: Mandarim, 2001.
O Futuro do Espaço-Tempo (em co-autoria com Alan Lightman, Kip Thorne, Igor Novikov e Timothy Ferris). São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
Gênios da Ciência: Sobre os Ombros de Gigantes. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
Uma Nova História do Tempo (em co-autoria com Leonard Mlodinow: edição brasileira de A briefer history of time). Rio de Janeiro: Ediouro, 2005.
De Hawking e sua filha, Lucy, em versão para crianças:
George e o Segredo do Universo (em co-autoria com Lucy Hawking). Rio de Janeiro: Ediouro, 2007
E de Jane Hawking, sua primeira esposa e mãe dos três filhos:
A teoria de tudo, Única Editora, São Paulo: 2014
Ou pode assistir:
A teoria de tudo (dir: James Marsh, 2015)