Desconfio que muita gente da minha geração, tenho 60 anos, aprendeu a classificar o conhecimento por meio de três gavetinhas: humanas, exatas, biológicas. Além de lacradas, nos ensinaram a não misturá-las. Cada qual cuidava do seu cada qual. Engenheiros escreviam mal; biólogos se concentravam em células. E o pessoal das humanas – a minha turma – se orgulhava de saber zero de matemática. Para a maioria de nós, por muito tempo, a ciência foi um território distante, sem mapas e cheio de catracas.
Então quando ganharam força e glamour os conceitos de interdisciplinaridade, multitarefas, vasos comunicantes, os hoje sessentões tiveram uma variante da síndrome do pânico. Alguns exclamavam: Meu Deus, não entendo nada disso! Quer dizer, o mundo se tornou muito interligado pelas tecnologias e nós das humanas nos sentimos deslocados. No máximo serviríamos como ratinhos de laboratório.
Mas passado o choque inicial, percebemos que nossa ignorância podia ser minimizada, aliás como todas as ignorâncias. Para tanto bastava abrir a gaveta e jogar a chave fora. Isto é, expulsar mitos e inverdades. Por exemplo, o mito de que não seríamos capazes de nos relacionar com as ciências de outras áreas.
Para mim, a iluminação veio ao refletir sobre o papel da massificação do uso da pílula anticoncepcional, nos anos 1960, na libertação das mulheres. É claro que séculos (milênios, melhor dito) de submissão feminina tiveram tudo a ver com o patriarcado, a propriedade, as igrejas etc. Mas o empurrão fenomenal para o meu sexo veio com o controle seguro e fácil da gravidez. Tomar um comprimido para não fazer bebês mudou a história das mulheres.
Fernanda Pompeu é webcronista louca por ciência.