Barqueata abriu a Cúpula dos Povos reivindicando justiça climática, preservação da Amazônia e o fim da exploração de combustíveis fósseis

Mais de 200 embarcações na barqueata durante a COP30 (Foto de Hermes Caruzo/COP30)
Eram cerca de nove horas da manhã quando, sob o forte sol de Belém, cerca de 200 embarcações com quase 5 mil pessoas se juntaram nas águas da Baía do Guajará para a barqueata da Cúpula dos Povos. O ato simbólico e político marcou a abertura oficial da maior manifestação popular que acontece no âmbito da COP30, no Pará.
Lotada de gente desde as primeiras horas da manhã, a Universidade Federal do Pará — sede oficial da Cúpula dos Povos — reuniu ativistas, entidades da sociedade civil, militantes, sindicalistas, ribeirinhos, povos indígenas e quilombolas para abrir os trabalhos com um ato que tem a cara da Amazônia. A barqueata reivindicou justiça climática, participação política das pessoas mais afetadas, preservação da Amazônia e o fim da exploração de combustíveis fósseis.
Oficialmente instalada, portanto, a Cúpula dos Povos promete ser a voz da sociedade civil na COP30 até o domingo, 16, com atividades culturais, debates, rodas de conversa e audiências públicas. Em paralelo, ela evidencia a forte parceria construída pela Universidade Federal do Pará (UFPA) com todo esse conjunto de diferentes grupos e múltiplos movimentos que integram a Cúpula, desde os primeiros momentos de preparação da COP de Belém.
A UFPA é responsável pela organização e gestão de diversos espaços da Conferência das Partes, um deles na zona azul. Está sob seu comando também o navio Iaraçu — o locus de uma expedição científica, fruto de parceria entre o Brasil e a França, que deixou Manaus em 28 de outubro e, depois de algumas paradas em cidades e comunidades ribeirinhas no caminho, atracou em Belém na semana passada, para visitas abertas ao público durante a COP30. Também é da universidade a gestão da Aldeia COP e de vários outros espaços fora das áreas oficiais da UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima).
De fato, as atividades organizadas pela UFPA são muito diversas e muito capilarizadas, segundo a professora Maria Ataide Malcher, do Núcleo de Inovação e Tecnologias Aplicadas a Ensino e Extensão (Nitae). Os eventos abordam diferentes temas, sempre pensando em aproximar a ciência da COP e da universidade, disse ela ao Ciência na Rua.
Desde novembro de 2024, a UFPA iniciou um movimento chamado “Ciência e vozes da Amazônia na COP30”, um movimento criado “para que a ciência não estivesse fora da Conferência”. O projeto ganhou amplitude, chamou a atenção da mídia e foi responsável pela organização de diversos eventos antes mesmo do início oficial da Conferência das Partes.
Por entre impasses e ironia
Enquanto isso, para além dos portões da UFPA, as negociações seguiam na zona azul, dentro do Parque da Cidade. Simultaneamente, palestras, rodas de conversa e eventos sobre os mais diferentes âmbitos da questão climática lotavam a zona verde.
Impasses em algumas negociações oficiais, em especial sobre a chamada Meta Global de Adaptação, marcaram a quarta-feira. Segundo observadores presentes nas negociações, os países buscavam chegar a um consenso sobre cem indicadores globais de adaptação, mas o chamado Grupo Africano, composto por 54 países do continente, defendia a extensão do trabalho técnico acerca desse tema por mais dois anos, com seu retorno ao debate em 2027. De certa maneira isso pode fazer com que o sinal de alerta seja ligado, já que as discussões sobre adaptação climática são fundamentais num contexto em que os impactos da mudança climática já começam a ser percebidos.
Do lado lúdico, os britânicos venceram a eleição e ganharam o antiprêmio “fóssil do dia”. O troféu é entregue por entidades da sociedade civil, de forma irônica, ao país que mais atrapalhou as negociações em determinado dia da Conferência. Como o Reino Unido travou o avanço de uma proposta global sobre transição energética justa, o Climate Action Network — rede que reúne mais de 1900 organizações em 130 países — elegeu o Reino Unido como o fóssil do dia.
Adicionalmente a suas esperadas funções, a COP30 tem se mostrado também um local de encontros e conexões. Não é raro se estar andando pelos corredores dos pavilhões, pelas ruas da cidade, pelos espaços abertos ao público ou até mesmo pelos restaurantes, e encontrar ministros de Estado, parlamentares ou ativistas reconhecidos mundialmente.
Foi em um desses momentos que encontrei aqui em Belém a bióloga e ativista socioambiental Angélica Mendes, neta do ativista Chico Mendes, um dos principais nomes da agenda ambiental no Brasil e no mundo. Em uma rápida troca, Angélica me falou do que pensa sobre o papel das juventudes na COP, tendo em mente o legado de seu avô e também os novos tempos que têm sido enfrentados.
“Meu avô deixou essa Carta aos Jovens do Futuro, uma carta em que ele falava para as juventudes, em que convoca as juventudes a essa luta. E hoje a gente está vendo essa juventude articulada, super presente, participante. E a gente vê o que ele estava já prevendo lá atrás”, ela me disse.
É importante ressaltar que o legado de Chico Mendes tem sido muito celebrado e sua história tem sido rememorada com frequência na Conferência. No início da semana, uma réplica da casa onde o ativista viveu foi inaugurada no Museu Emílio Goeldi. E lá estavam presenças importantes, como a da ministra Marina Silva, que conviveu diretamente com Mendes quando ainda morava no Acre.
Assim, é interessante observar como a COP30 se dá não só nos espaços oficiais da ONU e da UNFCCC, mas também conectando pessoas, líderes, ativistas e ideias. Os espaços paralelos têm grande potencial para apontar soluções possíveis ao colapso climático, a partir de novas visões e novas perspectivas. Os encontros de corredor, a possibilidade de encontrar com grandes líderes mundiais durante o intervalo de almoço tornam a COP não só um importante espaço de negociações, mas também um fundamental espaço de trocas e de conexões.



