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O desafio de inovar em tempos de estagnação econômica e retrocesso político
Inovação

por | 22 maio 2019

Mariluce Moura (com Agência Fapesp)

Foto da home: Um modelo Embraer A-29 “Super Tucano” voa sobre o Afeganistão em abril de 2016 (Robert Sullivan)

Original em inglês: tradução para o português sai em outubro

O Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), no Parque do Ibirapuera, está mais afeito, claro, a múltiplas e ricas expressões das artes visuais. Mas abriu-se excepcionalmente na noite da quinta-feira, 16 de maio, a um debate bem alojado nos campo da economia, das políticas públicas e da apropriação social do conhecimento científico: a capacidade do Brasil de inovar.

O mote para o debate foi o lançamento do livro Innovation in Brazil: advancing development in the 21st century, organizado por Elisabeth B. Reynolds, Ben Ross Schneider e Ezequiel Zylberberg, a partir de artigos de 20 autores, entre norte-americanos e brasileiros bem conhecidos por sua participação tanto no debate quanto na efetiva implantação de programas e políticas de inovação no país, ao longo pelo menos das três últimas décadas. Vale registrar que o livro, lançado nos Estados Unidos em abril, e com tradução para o português prevista para outubro próximo, é resultado de uma produtiva parceria já de cinco anos entre o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).

Iniciada em junho de 2014, essa parceria tem resultado em uma série de estudos que, dizem os organizadores do volume nos agradecimentos (página XIV), ao mesmo tempo examinam elementos variados do atual ecossistema de inovação do Brasil — nele situando a recém-criada rede de Institutos de Inovação do Senai — e fazem recomendações para uma agenda de inovação voltada ao futuro.

Na noite da quinta-feira, depois de breves apresentações de Bem Schneider, professor de ciência política do MIT, coordenador de seu Centro de Desempenho Industrial Industrial (IPC), e de Rafael Lucchesi, diretor-geral do Senai e responsável por sua rede de mais de duas dezenas de centros de inovação, alguns autores da obra que estava sendo lançada sentaram-se à mesa no MAM para abordar pontos dessa temática marcada por desafios.

Ali estavam Elisabeth Reynolds, diretora-executiva do IPC-MIT, Bernardo Gradin, presidente da empresa GranBio, Fernanda Negri, coordenadora de pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Para intermediar a conversa, no centro estava Pedro Wongtschowski, presidente do conselho de administração da Ultrapar e conselheiro da Fapesp.

Ficou claro ali que todos veem algum sucesso na trajetória das políticas e programas voltados ao fortalecimento da capacidade de inovação do setor produtivo do país, nos últimos 20 anos. Registre-se, por exemplo, a consolidação de uma indústria de aviões líder global na produção de jatos comerciais, a Embraer, agora sob risco de desmontagem, por conta da fusão com a norte-americana Boeing. Ou a exploração de petróleo na camada do pré-sal pela Petrobras, também hoje em tempo de incertezas, e o desenvolvimento de automóveis com motores híbridos, movidos a gasolina ou a etanol. Todos observaram, no entanto, que a agenda da inovação no Brasil não avançou no ritmo necessário, mesmo quando se considera iniciativas recentes de egressos das melhores universidades no país na criação de startups baseadas em conhecimento, algumas das quais já se tornaram unicórnios – empresas que valem mais de US$ 1 bilhão.

Assim, para impulsionar a inovação, de modo a permitir aumentar a produtividade e o crescimento econômico do país e colocá-lo na rota de desenvolvimento no século 21, seria preciso dar sequência a um conjunto de ações estratégicas – e ali se repetiu várias vezes o quanto, do ponto de vista político, o momento é francamente desfavorável a isso. Afinal, aprofundar o envolvimento do país com a economia global, alinhar políticas industriais e de inovação, facilitar a colaboração entre empresas e universidades, apoiar a inovação institucional e promover setores estratégicos, nunca pareceram ambições tão distantes do horizonte turvo que no Brasil se vislumbra.

“O Brasil continua a ter uma das economias mais fechadas do mundo e avançar em inovação exige maior integração à economia mundial para alavancar tecnologias e entrar em novos mercados”, disse Reynolds, por exemplo. Brito Cruz lembrou que o Brasil lidera os investimentos em P&D (pesquisa e desenvolvimento) na América Latina e é um dos principais investidores entre os países de renda média, juntamente com a Malásia e a Rússia. No entanto, esses investimentos equivalem a 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, representam cerca da metade dos níveis praticados nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Esse investimento no Brasil nas últimas décadas, de qualquer sorte, teve pouco impacto na produtividade, o número de registros de patentes por empresas no país continua baixo e a maioria das inovações feitas pelo setor privado é focada em produtos e processos voltados ao mercado interno, resultado da baixa integração do país, assim como de muitas outras nações de renda média, com a economia mundial.

Apesar de o Brasil ter sido relativamente bem-sucedido em atrair centros de pesquisa de multinacionais nos últimos anos, as políticas voltadas a promover transbordamentos significativos desses investimentos estrangeiros diretos em inovação têm tido menos sucesso. Isso limita o fluxo de conhecimento e de insumos-chave do exterior para promover a inovação em empresas brasileiras. Segundo Reynolds, “é preciso fazer com que a troca de bens, serviços, ideias, capital e pessoas entre o Brasil e o mercado externo seja mais fluida”.

O debate propôs que uma das lições que o Brasil pode tirar das experiências de outros países que procuraram aumentar a capacidade de inovação nas últimas décadas é o fortalecimento das universidades como parceiras das indústrias e do governo em pesquisas que podem resultar em desenvolvimento econômico.

Alguns dos desafios enfrentados para traduzir o conhecimento científico e técnico gerado por essas instituições de pesquisa em novos produtos, processos e serviços pelo mercado, contudo, são o pequeno número de engenheiros formados no país, o alto custo de insumos para P&D devido a políticas protecionistas e o limitado número de parceiros no setor privado dispostos a investir em tecnologias em estágio inicial.

Fernanda de Negri destacou que há muitas áreas no Brasil nas quais poderiam ser aplicados os conhecimentos gerados pelas universidades e instituições de pesquisa, como saúde, mobilidade urbana e energia. “E elas poderiam ser priorizadas nos investimentos em pesquisa por meio de fundos específicos”, considerou. “Não temos estabilidade de fundos de financiamento para ciência e tecnologia. Isso torna muito difícil para as universidades planejarem seus investimentos em pesquisa”, disse. E insistiu: “A criação de fundos de pesquisa orientados para áreas específicas pode ser uma boa estratégia para priorizar ou utilizar melhor os fundos para ciência e tecnologia no país”.

Outras áreas ou setores estratégicos em que o Brasil poderia aumentar os incentivos para inovação são as energias renováveis, como a eólica, a solar, a térmica e os biocombustíveis.“Em biocombustíveis, etanol de segunda geração e ‘química verde’, o Brasil está mais próximo da fronteira tecnológica”, avaliou Bernardo Gradin.


O Ciência na rua voltará a tratar mais especificamente de alguns artigos do livro Innovation in Brazil: Advancing development in the 21st century,  que pode ser adquirido em www.routledge.com/Innovation-in-Brazil-Advancing-Development-in-the-21st-Century-1st-Edition/Reynolds-Schneider-Zylberberg/p/book/9780367146894.

 

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