Com informações da Agência Fapesp
Um estudo conduzido na Universidade de São Paulo obteve resultados promissores na descontaminação de água por meio da fotocatálise, ou seja, da aceleração, com o uso de catalisadores, de uma reação química que envolva luz ou energia eletromagnética (ou fotorreação). Como catalisadores, os cientistas usaram nanocompósitos que eles mesmos desenvolveram a partir de argila (caulinita), semente de mamão papaia ou casca de banana (como fontes de carbono) e sais de metais (cloreto de cobre ou cloreto de zinco).
“A fotocatálise é a forma mais eficiente de descontaminação da água. Nós desenvolvemos um método que utiliza nanocompósitos fotocatalíticos baseados em precursores de baixo custo, abundantes nos países da África subsaariana e também no Brasil, e radiação solar, o que proporciona uma solução sustentável para regiões nas quais o abastecimento de energia elétrica estável constitui um problema a mais. Ao interagir com a radiação solar, o material libera espécies reativas de oxigênio, como o oxigênio singleto, que destrói microrganismos e degrada resíduos de antibióticos e efluentes agrícolas”, contou a pesquisadora Andréa De Camargo à Agência Fapesp.
Ela e Hellmut Eckert, ambos do Laboratório de Espectroscopia de Materiais Funcionais (Lemaf), do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP), coordenaram o trabalho em parceria com Emmanuel Unuabonah, do African Centre of Excellence for Water and Environmental Research (Acewater), da Nigéria.
As doenças associadas a água contaminada são uma das maiores causas de doenças e morte em escala global. E o acesso à água potável vem diminuindo devido ao crescente descarte de poluentes domésticos, agrícolas, industriais e hospitalares. Microrganismos nocivos, nitratos, fosfatos, fluoretos, hidrocarbonetos policíclicos aromáticos e metais pesados – como cádmio, mercúrio e chumbo – estão entre os principais contaminantes. Segundo estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 2 bilhões de pessoas bebem água contaminada por fezes. Pior ainda é a contaminação da água por cepas de bactérias resistentes a múltiplas drogas e metais, selecionadas pelo descarte indiscriminado de antibióticos no meio ambiente. Por isso, a pesquisa por formas seguras e baratas de descontaminação da água tornou-se uma necessidade urgente, principalmente nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.
“Nanocompósitos formados por caulinita, sementes de papaia, cobre e zinco mostraram-se eficientes para a purificação de água contaminada por Escherichia coli resistente a múltiplas drogas e metais”, afirma De Camargo.
A produção dos nanocompósitos combinou várias técnicas laboratoriais: solução, agitação contínua, secagem, calcinação, esterilização, lavagem e segunda secagem. “O material resultante foi empacotado em colunas de vidro previamente esterilizadas. A água contaminada entra por uma extremidade da coluna, atravessa o material em presença da luz solar e sai descontaminada na outra extremidade”, resume a pesquisadora.
O estudo identificou três mecanismos de desinfecção, dependendo do compósito estudado: a interação eletrostática, identificada para o compósito dopado com zinco, em que cargas superficiais positivas interagem fortemente com grupos carboxílicos das paredes celulares das bactérias, levando-as a aderir às superfícies do compósito; a toxicidade metálica, identificada, em menor ou maior escala, para os três compósitos testados; e a fotocatálise, com a geração de oxigênio singleto a partir do oxigênio molecular em presença da luz solar e a oxidação de lipídeos e proteínas em torno das membranas celulares das bactérias, levando à sua destruição.
“Apesar de os três mecanismos terem sido identificados, ainda não está claro se ocorrem simultânea ou sequencialmente. Em todo caso, a prova do conceito está dada: materiais híbridos nanocompósitos baseados em precursores de baixo custo foram eficientemente utilizados para a desinfecção de água contaminada com bactérias multirresistentes”, sublinha De Camargo.
A pesquisadora chama a atenção para o fato de que os resíduos de cobre e zinco presentes na água tratada não são prejudiciais para o consumo humano. “Considerando o consumo diário médio por adultos saudáveis, que é de três litros e meio, os resíduos de cobre e zinco presentes na água tratada, respectivamente de 0,8 miligrama e de 0,51 miligrama por litro, estão abaixo do máximo recomendado pela Organização Mundial de Saúde [OMS]”, diz.
O estudo já motivou a publicação de quatro artigos em revistas especializadas: “Visible-Light-Mediated Photodynamic Water Disinfection @ Bimetallic-Doped Hybrid Clay Nanocomposites”; “Solar-active clay-TiO2 nanocomposites prepared via biomass assisted synthesis: Efficient removal of ampicillin, sulfamethoxazole and artemether from water”; “Tuning ZnO/GO p-n heterostructure with carbon interlayer supported on clay for visible-light catalysis: Removal of steroid estrogens from water”; “Carbon-mediated visible-light clay-Fe2O3–graphene oxide catalytic nanocomposites for the removal of steroid estrogens from water”.