**Texto originalmente publicado no Edgardigital, veículo de divulgação da UFBA, edição 77
Lençol manchado sobre base retangular que evoca uma pedra de necrotério; coroa de flores; fileiras de cruzes sobrepostas em covas rasas; nomes dispostos como num gaveteiro de cemitério.
A sequência composta por instalação, mural, arte com grafite, imagens e audiovisual compõe a exposição “O Mafro pela vida contra o genocídio da juventude negra”, aberta à visitação pública, no Museu Afro-Brasileiro da Universidade Federal da Bahia, dentro da Faculdade de Medicina, no Terreiro de Jesus. A mostra integra a retrospectiva “Trajetória de Inclusão e Resistência no Mafro/UFBA (2012-2018)”, que também apresenta a exposição “Exu: Outras Faces” e, segundo a coordenadora do museu, Graça Teixeira, foram remontadas para destacar a ação do museu em consonância com as temáticas do eixo 19 – Vidas Negras Importam – do Fórum Social Mundial, realizado no último mês de março, momento em que as exposições foram reabertas.
Ao apresentar releituras dessas mostras, que tiveram altos índice de procura pelo públicos, o Mafro “reafirma seu papel de museu social e espaço de memória e inclusão, pois trata das ações de denúncia, realizadas nos últimos anos, articulado com os movimentos negros e a comunidade em geral”, afirma a professora Graça.
“Há uma necessidade de promover reflexões a respeito das violências que atingem os corpos negros. E, além das exposições, o Mafro também promove um conjunto de atividades a fim de suscitar debates sobre o tema, junto à comunidade e com representantes da luta em favor do povo negro”, explica Graça. Entre esses eventos estão a roda de conversa “A violência em Corpos Negros”, que reuniu em 25/04, o sociólogo Ailton Ferreira e o vereador Silvio Humberto e, no próximo dia 09/05, a exibição do documentário “O caso do homem errado” seguido de conversa com a cineasta Camila Moraes.
Nessa trajetória, “o Mafro tem se projetado como um dos principais portais das ações afirmativas da Universidade Federal da Bahia”, diz a coordenadora. No período entre 2012 a 2018, o museu realizou 19 exposições focadas na memória, inclusão e resistência do povo negro e várias ações de combate e avanços, através das políticas públicas afirmativas. Entre as atividades de maior repercussão estão as exposições “O MAFRO pela vida contra o genocídio da juventude negra” e “Exu: Outras Faces” que tiveram grande visitação e por isso, foram reinauguradas e permanecem em cartaz até o dia 31 de julho.
Pela vida da juventude negra
Tendo como pano de fundo os episódios da chacina do Cabula, em Salvador, em que 12 jovens foram mortos após uma ação policial, a exposição foi inaugurada em 8 de maio de 2015 e permaneceu até outubro de do mesmo ano. Disposta na sala principal, reuniu obras de artistas oriundos da Escola de Belas Artes da UFBA, como Samuca Santos, Aislane Nobre, Alex Igbo, Léo Ornella, Alessandro Teixeira, além de estudantes bolsistas e participantes de coletivos negros da Universidade.
O conjunto que também rememorava a chacina da Candelária, no Rio de Janeiro, em 1993, e vitimou oito jovens, imprimiu nas paredes do museu os 18 nomes dos mortos, a fim de denunciar o genocídio para a sociedade, ressaltou a professora. A exibição também trazia murais fazendo conexões com letras de músicas como “Haiti” de Caetano Veloso; “Aonde vai você“, de Gabriel Pensador e “A carne”, de Seu Jorge e citação de Martin Luther King, semeando a esperança de “que meus filhos não sejam julgados pela cor de sua pele e sim pelo caráter”.
Na releitura, que está aberta à visitação, a maioria dos elementos foram mantidos, e outros, acrescentados, como a obra “Injustiça”, do artista plástico Raimundo Vida, que teve filho assassinado, e o poema da museóloga Joana Flores. Além disso, há mais referências a pessoas negras assassinadas – 36 no total – , contando com os três jovens de Fazenda Coutos, em Salvador, no último mês de fevereiro e à vereadora do município do Rio de Janeiro, Marielle Franco. “Atualizamos a exposição com uma foto e o nome de Marielle, na manhã seguinte à sua morte, em 14 de março, e à reabertura de nossa mostra”.
Outras faces
Campeã de visitação – pois, atendendo a pedidos, permaneceu três anos e meio em exibição – , a exposição “Exu: Outras Faces”, foi inaugurada em 21 de janeiro de 2013 e encerrada em julho de 2016. Localizada na segunda sala de exposição temporária do Mafro, o conjunto “apresenta uma desconstrução da imagem diabolizada da entidade Exu, chamando atenção para a intolerância religiosa que tem o racismo por trás”, ressaltou Graça.
Entre os vários objetos artísticos, ela enumera peças do acervo de Exu do museu e três instalações produzidas com cabaças e chaves. Conta também com obras dos artistas Alex Ibgo, Hans Peter, Aislane Nobre, Avani Nobre e Bergan. No outro espaço da sala, “estão os levantamentos das demais ações do museu que se concentram em três eixos: debates necessários, museu laboratório e ação educativa e cultural”.
Vocação do MAFRO
O Museu Afro-Brasileiro foi concebido na Universidade num projeto que teve início no ano de 1974, com o objetivo de atender à demanda dos intelectuais do Centro de Estudos Afro-Orientais (Ceao/UFBA) por um equipamento museológico e pedagógico. No dia 7 de janeiro de 1982, o museu foi instalado mediante um acordo entre os Ministérios das Relações Exteriores e da Educação e Cultura do Brasil, o Governo da Bahia, a Prefeitura Municipal de Salvador e a Universidade Federal da Bahia, sob a direção da professora Yeda Pessoa de Castro, que também estava à frente do Ceao.
A instituição foi pioneira na Bahia e no Nordeste, pois surgiu como espaço para pesquisa, defesa e divulgação de temas relacionados à interlocução com países africanos, a diáspora e comunidade negras, afirma a professora Graça. Além disso, o Mafro traz consigo a vocação de “lançar um olhar de reencontro sobre a África e demarcar questões da comunidade negra na Bahia e no Brasil”, destacou.
O museu dispõe de uma coleção de peças de origem ou inspiração africana, ligadas aos aspectos culturais, trabalho, tecnologia, arte e religiões africanas. No acervo, há objetos da cultura material africana, que foram doados ou comprados pelo antropólogo Pierre Verger em viagem à África, e também materiais da cultura brasileira e afro-religiosa, incluindo um conjunto de talhas em cedro de autoria de Carybé, 27 painéis representando os orixás do candomblé da Bahia, peças doadas por terreiros do Recôncavo e relíquias do Afoxé, Ylê e Cortejo Afro. O MAFRO está instalado no prédio da Faculdade de Medicina da Bahia (FAMED/UFBA), localizado no Terreiro de Jesus, no Centro Histórico de Salvador.
SERVIÇO:
O quê: Exposição Trajetória de Inclusão e Resistência no Mafro/UFBA (2012-2018)
Onde: Museu Afro-Brasileiro da Universidade Federal da Bahia, localizado na Faculdade de Medicina da Bahia, no Terreiro de Jesus, Centro Histórico de Salvador.
Quando: De segunda a sexta-feira, das 09 às 17h
Quanto: R$6,00 (inteira) R$3,00 (meia). Gratuidade para estudantes e funcionários de qualquer instituição pública.
Contatos: 3283-5540 | mafro@ufba.br