Herton Escobar, Jornal da USP
foto da home: Marcos Santos , USP Imagens
Arte: Thais H. Santos, Jornal da USP
A maioria dos jovens brasileiros gosta de ciência e acha que o governo deveria investir mais no setor — inclusive em momentos de aperto econômico, como o atual. Por outro lado, são poucos os que buscam ativamente informações sobre ciência e tecnologia; e apenas uma minoria sabe dizer o nome de alguma instituição de pesquisa nacional. A maioria se informa sobre o assunto pela internet, e confessa ter dificuldade para saber se uma notícia é verdadeira.
Esses são alguns dos resultados de um levantamento inédito sobre a percepção pública da ciência e tecnologia no Brasil, com foco no público jovem. Realizado pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), o estudo é baseado em 2,2 mil entrevistas domiciliares, realizadas com jovens de 15 a 24 anos de idade, em 21 Estados e no Distrito Federal, no início deste ano.
A pesquisa segue os moldes de um levantamento nacional sobre o tema, que vem sendo realizado periodicamente desde o início dos anos 2000, com resultados publicados em 2006, 2010 e 2015. Porém, com algumas especificidades e categorias adicionais. Além de focar no público jovem, os pesquisadores incluíram perguntas sobre o problema das fake news e questões relacionadas a posicionamentos políticos, morais e religiosos — numa tentativa de entender como esses posicionamentos afetam a opinião dos jovens sobre temas de ciência e tecnologia.
“É importante entender a percepção dos jovens, porque eles são nossos futuros cidadãos”, disse a coordenadora do INCT-CPCT e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Luisa Massarani. “É uma geração que já nasceu no contexto da internet.”
O Jornal da USP teve acesso com antecedência aos resultados do estudo, divulgados publicamente nesta segunda-feira, 24 de junho, no Museu da Vida da Fiocruz, no Rio de Janeiro. Veja alguns destaques da pesquisa abaixo.
Resultados
Quase 70% dos jovens entrevistados disseram ter interesse em ciência e tecnologia — mais do que em esportes (62%) e o mesmo que em religião (67%). O tema só ficou atrás de meio ambiente (com 80% de interessados) e medicina e saúde (74%), que também são temas fortemente ligados à ciência e tecnologia.
Cerca de 70% consideraram que a ciência traz “muitos benefícios” para a humanidade e 82% concordaram com a afirmação de que “a ciência e a tecnologia estão tornando nossas vidas mais confortáveis”.
Com relação ao apoio do poder público, 94% disseram que o governo federal deveria aumentar, ou ao menos manter, os investimentos em ciência e tecnologia, mesmo “sabendo que os recursos são limitados e que gastar mais com alguma coisa significa ter que gastar menos com outras”. Além disso, 68% concordaram que “ os governantes devem seguir as orientações dos cientistas”.
Apesar disso, somente 26% disseram buscar informações sobre o tema com frequência; e apenas 12% souberam citar o nome de alguma instituição “que se dedique a fazer pesquisa científica no Brasil”. As três instituições mais lembradas foram a Universidade de São Paulo (USP), o Instituto Butantan e a Fiocruz. Só 5% souberam dizer o nome de algum cientista brasileiro. Os mais citados foram o astronauta Marcos Pontes (atual ministro da Ciência e Tecnologia), o inventor/aviador Santos Dumont e o médico sanitarista Oswaldo Cruz.
Pouco mais da metade (57%) dos entrevistados disse acreditar que “a ciência e a tecnologia vão ajudar a eliminar a pobreza e a fome no mundo”; 54% consideraram que os cientistas “estão exagerando sobre os efeitos das mudanças climáticas”; e 40% concordaram com a afirmação de que, “se a ciência não existisse, meu dia a dia não mudaria muito” — apesar de a ciência estar por trás de todos os produtos que utilizamos no nosso dia a dia, das roupas e alimentos aos remédios e aparelhos eletrônicos.
Análises
Os resultados são ao mesmo tempo “desalentadores e empolgantes”, segundo Yurij Castelfranchi, pesquisador do INCT-CPCT, diretor de divulgação científica e professor de Sociologia da Ciência na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Se por um lado os jovens demonstram ter uma visão muito positiva da ciência e dos serviços que ela presta para a sociedade, há um desconhecimento muito grande sobre conceitos básicos de ciência e sobre como a ciência e a tecnologia são produzidas no Brasil. “Esperávamos que os jovens se saíssem melhor que os adultos nesse quesito, por estarem mais próximos das universidades; mas não”, afirma Castelfranchi. “Temos um trabalho urgente a fazer na melhoria da comunicação da ciência no Brasil. Não só há pouco conhecimento, como a desinformação é muito alta.”
O cruzamento dos diversos dados do estudo — incluindo informações sobre o perfil político, religioso e socioeconômico dos entrevistados — sugere que “ter a verdade ao alcance de um click” não é suficiente para moldar a opinião dos jovens sobre temas científicos, ressalta Castelfranchi.
“Boa parte da atitude das pessoas sobre ciência não tem a ver com o seu grau de conhecimento científico, mas com posicionamentos políticos e morais”, diz o pesquisador. As opiniões sobre mudanças climáticas, por exemplo, são influenciadas por vieses políticos, enquanto que as opiniões sobre evolução humana são fortemente moldadas por crenças religiosas. “O nível de conhecimento é importante, mas não é suficiente.”
É algo que precisa ser levado em conta na formulação de estratégias de comunicação da ciência sobre esses e outros temas polêmicos, como vacinas e alimentos geneticamente modificados, diz Castelfranchi. “A pessoa pode ter doutorado e ser contra transgênicos”, exemplifica ele — ainda que as evidências científicas respaldem amplamente a segurança desses alimentos.
Também fica claro no estudo que não há um “bloco único” de jovens anticiência no Brasil, mas uma pluralidade de opiniões e posicionamentos que são influenciados por fatores diversos na sociedade. “Não existe um grupo compacto que rejeita a ciência como um todo, mas pessoas que, em geral, reconhecem o valor da ciência e que rejeitam ou se distanciam de algumas áreas, aplicações ou evidências específicas”, afirma Castelfranchi.
Ecossistemas de informação
As mídias e plataformas digitais são as mais usadas pelos jovens para acessar informações de ciência e tecnologia, com grande destaque para o Google e YouTube — usados por 79% e 73% dos entrevistados, respectivamente, segundo a pesquisa.
Além das entrevistas-padrão, os pesquisadores realizaram conversas com grupos focais de jovens no Rio de Janeiro (RJ) e Belém (PA) para discutir principalmente a questão das fake news. As conversas revelaram uma mudança no “ecossistema” de consumo de informações, em que os jovens, mais do que buscar ativamente as informações que lhes interessam, passam a encontrá-las de forma passiva nas mídias digitais. Muitos, segundo Luisa, dizem “tropeçar” nas notícias sobre ciência e tecnologia, à medida que elas lhes são servidas pelas redes sociais e pelos mecanismos de busca da internet.
“O que está acontecendo é que os jovens estão perdendo o protagonismo no acesso e no tipo de informação de ciência e tecnologia com que têm contato”, avalia Luisa. “Porque, se você deixa de procurar a informação que te interessa e simplesmente espera que ela chegue até você, obviamente você perde o protagonismo nesse processo.”
A preocupação com a veracidade das informações parece ser alta. Cerca de um quarto dos entrevistados disse receber com frequência, ou “muita frequência”, notícias de ciência e tecnologia que acreditam que possam ser falsas. Quase metade considerou ser “difícil” saber se uma notícia é verdadeira e 21% disseram ser “muito difícil ou impossível” fazer essa checagem.
“Há uma expressão muito forte de angústia com relação a isso”, afirma Luisa. O método de checagem mais usado pelos jovens, segundo a pesquisa, é conversar com amigos e familiares.
O protagonismo do YouTube como mídia de preferência para obtenção de informações de ciência e tecnologia é algo que precisa ser avaliado com atenção, avalia Castelfranchi. “O YouTube pode ajudar muito como um motivador e como uma bússola, para apontar direções e conectar as pessoas com outras fontes de informação”, avalia o sociólogo. “Mas, sozinho, não é suficiente.”
O pesquisador alerta que os resultados quantitativos do estudo não devem ser avaliados de forma isolada, pois nenhum desses números conta uma história completa por si só. A verdadeira força desse tipo de pesquisa, segundo Castelfranchi, vem das análises qualitativas, que derivam do cruzamento de diversas informações.
Para o comunicador de ciência Atila Iamarino, do canal Nerdologia (com quase 2,5 milhões de inscritos no YouTube) o que a pesquisa revela é exatamente o modelo operacional dessas plataformas digitais — algo que já é conhecido e vem sendo explorado com grande eficiência pelos disseminadores de pseudociência e teorias da conspiração na internet.
“A proposta toda do YouTube é, justamente, otimizar o conteúdo e a maneira como esse conteúdo é apresentado para induzir o consumo passivo. É para você assistir um vídeo e ele te recomendar o próximo, depois outro, e mais outro, sem que você tenha de procurar ativamente aquilo que quer saber”, diz Iamarino, que é doutor em microbiologia pela Universidade de São Paulo (USP). “É em cima disso que esse mercado trabalha há pelo menos cinco anos.”
Os cientistas e as instituições de pesquisa brasileiras, segundo ele, não estão preparadas para trabalhar nem lidar com esse tipo de comunicação. Já os “anticientistas” sabem fazer isso muito bem — por exemplo para questionar a influência humana no aquecimento global ou a segurança das vacinas.
“Se você fizer uma busca por qualquer tema pelos quais os jovens se interessam hoje no Google, e principalmente no YouTube ou Facebook, só aparecem vídeos de conspiração e pseudociência”, diz Iamarino. “A anticiência está muito mais ativa nesses meios e conversando muito melhor com o público do que os canais de ciência propriamente dita. São vídeos mais engajantes, que mantêm as pessoas assistindo por mais tempo, e por isso mesmo são mais referenciados pelas plataformas para quem está fazendo consumo passivo de informação. Isso é terrível.”
Para a também microbióloga e divulgadora de ciência Natalia Pasternak, essa passividade informativa e o desconhecimento das instituições de pesquisa nacionais sugerem que o interesse dos jovens por ciência, na verdade, “é mínimo e superficial”.
“Esse dado também é muito preocupante, porque o consumo passivo de conteúdo deixa os jovens suscetíveis às informações impulsionadas por lobbies de grupos com interesses politicos e econômicos”, destaca Natalia, que é pesquisadora colaboradora do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, diretora do festival Pint of Science no Brasil e diretora-presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC).
Uma pesquisa encomendada ao Datafolha pelo IQC e divulgada em maio indica, segundo ela, que 90% dos jovens brasileiros concordam que o aquecimento global é real e causado pelo homem. Segundo a pesquisa do INCT-CPCT, porém, 54% deles acham que os cientistas estão exagerando o problema. “Ou seja, entendem que o problema existe mas não a sua gravidade, o que demonstra também um comportamento superficial e de desinteresse”, avalia Natalia. “Estamos falhando em engajar os jovens em ciência.”
O professor Nelio Bizzo, da Faculdade de Educação da USP, especialista em educação científica, aponta também para o fato de a grande mídia brasileira não valorizar devidamente os feitos da ciência nacional. “Temos grandes projetos científicos, produzindo resultados muito importantes, mas que passam despercebidos pela grande imprensa, só por serem de instituições públicas”, afirma Bizzo. “Altas autoridades se manifestam mostrando total desconhecimento da ciência brasileira; então não surpreende que o cidadão comum também a desconheça.”