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Fóssil marinho reforça ideia de antigo oceano no Oriente Médio

imagem: reconstituição do elasmossaurídeo da Síria tentando capturar peixes em um cardume – Arte: Júlia d’Oliveira

Cientistas identificam, em região central da Síria, animal que teria vivido nas águas do Mar de Tétis durante o Cretáceo, motivando revitalização da paleontologia no país asiático

Jornal da USP

Pesquisadora síria radicada no Brasil identificou, em conjunto de fósseis encontrados nas montanhas de Palmira, na Síria, o mais completo esqueleto de um elasmossaurídeo do Oriente Médio. A criatura marinha é da família dos plesiossauros, seres que habitavam os oceanos e foram extintos há 66 milhões de anos, juntamente com os dinossauros. Os resultados do estudo reforçam a tese de que, há cerca de 85 milhões de anos, a região hoje de clima seco e desértico estava submersa pelo Mar de Tétis, que separava os continentes da África e da Ásia.

Filiada ao Laboratório de Paleontologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, a paleontóloga Wafa Adel Alhalabi reside no Brasil desde 2016 e foi a responsável pela investigação do conjunto de mais de 50 vértebras articuladas descobertas por pesquisadores da Universidade de Damasco na mina de Al Sawaneh el Charquieh, a cerca de 200 quilômetros da capital do país.

Com as análises realizadas, Wafa confirmou tratar-se da coluna vertebral de um elasmossaurídeo que viveu na região durante a era Mesozóica, entre 85 e 66 milhões de anos atrás. As primeiras partes do fóssil foram encontradas em 2001 e o restante do esqueleto, as vértebras e fragmentos de costela, que compreendem a parte posterior do pescoço, todo o tronco e a cauda do animal, em 2010, pelo mesmo grupo de pesquisa.

Para os cientistas, a descoberta da criatura pré-histórica, parente muito distante de cobras e lagartos, confirma o passado marinho da região e se configura inusitada, já que a presença desses fósseis na Placa Arábica não é muito comum, principalmente pela quantidade e qualidade preservada. A surpresa da comunidade científica fez com que o material fosse coletado e colocado em exibição no Estebelecimento Geral de Geologia e Recursos Minerais (GEGMRD) da Síria, em Damasco, local onde o fóssil está depositado pela ausência de um museu de história natural na região.

Além de Wafa e dos paleontólogos da USP Max Langer e Pedro Godoy, participaram da identificação dos fósseis geólogos da Síria e do Líbano e especialistas em répteis marinhos da França, Alemanha e Suécia. O artigo com todo o estudo pode ser conferido no site da Science Direct.

Exemplar mais completo preenche lacuna cronológica

O professor Max Langer, responsável pelo laboratório de paleontologia da FFCLRP, conta que as análises para classificar o animal foram feitas através de exames visuais, medições dos fragmentos e aplicação de índices de dimensões (como altura, largura e comprimento) para comparar as proporções das vértebras com outros espécimes. Segundo Langer, o material possuía características suficientes para “saber que se trata de um elasmossauro” com base apenas na análise dos traços anatômicos das vértebras.

Para a pesquisa, Wafa retornou ao seu país natal por aproximadamente três semanas, em 2022, período em que coletou todas as informações necessárias. De volta ao Brasil, Wafa e a equipe revisaram o material, possibilitando compreender como o fóssil se comparava a outros fragmentos de elasmossauros encontrados em locais como a Jordânia, Arábia Saudita, Iraque e na região desértica de Neguev.

Apesar de existirem registros anteriores de fragmentos dessa espécie na região, os pesquisadores afirmam que o material encontrado agora se trata do exemplar mais completo. A importância do achado acabou, segundo a pesquisadora, revelando a falta de infraestrutura especializada para armazenar materiais desse porte na Síria e motivando a implementação de uma nova numeração para catalogar fósseis sírios que sejam eventualmente preservados pelo Estabelecimento Geral de Geologia e Recursos Minerais. A coluna do elasmossauro foi denominada GEGMRD 0001.

Além do impacto na catalogação dos achados paleontológicos, Wafa destaca a relevância da descoberta para o melhor entendimento da distribuição dos elasmossauros pelo planeta. Enquanto isso, o professor Langer lembra que a existência de répteis marinhos, tubarões e outros tipos de peixes já era conhecida na região, “inclusive já se conheciam elasmossauros, mas com pouquíssimo material. Agora a gente tem uma informação melhor”.

Ainda de acordo com Langer, o material, com cerca de 85 milhões de anos, não possui muitos registros contemporâneos ao redor do globo e preenche uma lacuna cronológica, mostrando também a presença desses animais naquela região durante o Cretáceo, o que melhora a compreensão do ambiente e dos habitats que existiam na região naquela época.

Conjunto de vértebras do elasmossaurídeo da Síria, no sítio arqueológico – Foto: Reprodução do artigo/GEGMRD​

Plesiossauros e os elasmossaurídeos

Os elasmossaurídeos fazem parte do grupo dos plesiossauros, répteis marinhos presentes nos oceanos durante a era Mesozóica e parentes distantes dos lepidossauros, grupo que hoje inclui as serpentes e lagartos.

A abundância desses répteis atingiu seu ápice no período Jurássico e início do Cretáceo, de acordo com o professor Langer, mas sua presença começou a declinar no final do Cretáceo, chegando à extinção cerca de 66 milhões de anos atrás, na mesma época que os dinossauros.

Os elasmossaurídeos eram conhecidos pelos corpos compactos, caudas curtas e pescoços extraordinariamente longos, alguns até maiores que o restante do corpo do animal, mas com cabeças pequenas. Seguindo as características anatômicas conhecidas, o paleontólogo explica que o estilo de natação dos animais não partia da ondulação do corpo, mas sim “pelo movimento das nadadeiras”, semelhante às tartarugas-marinhas e as focas.

Valorização das riquezas naturais do Oriente Médio

Conjunto de vértebras do elasmossaurídeo da Síria, no sítio arqueológico – Foto: Reprodução do artigo/GEGMRD​

Wafa é graduada e mestre em biologia pela Universidade de Damasco. Refugiada dos conflitos da Síria, a pesquisadora viu no Brasil um dos “poucos países” que à época ofereciam visto para sírios, a oportunidade de continuar desenvolvendo pesquisas na área da paleontologia. Na USP de Ribeirão Preto, foi acolhida pelo professor Max Langer, que se tornou o orientador de seu doutorado, apresentado à FFCLRP em 2021.

Para Langer, a história da pesquisadora vai ao encontro da valorização da paleontologia no Oriente Médio. Acredita que, com o maior conhecimento dos fósseis, as comunidades locais podem ser incentivadas a proteger as riquezas naturais.

Informa o paleontólogo que a Síria não possui, por exemplo, um museu de história natural. A descoberta deve agregar valor às peças paleontológicas “porventura encontradas no futuro” e conscientizar as pessoas, como os trabalhadores de minas, sobre a importância de entregá-las às autoridades para possibilitar novos estudos.

Wafa também vê um futuro promissor na pesquisa dentro da paleontologia em seu país. “Essa e outras descobertas, nas quais estamos trabalhando, certamente atrairão a atenção dos sírios para a importância desse patrimônio”, comemora.

A pesquisa Recovering lost time in Syria: New Late Cretaceous (Coniacian-Santonian) elasmosaurid remains from the Palmyrides mountain chain, publicada na Science Direct em 2024, contou com colaboração de membros do Departamento de Biologia da FFCLRP e do Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências (IB) da USP, com pesquisadores internacionais da Alemanha, Canadá, Estados Unidos, Síria e Suécia. Contou também com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da Fundação Nacional de Ciência (NSF) dos Estados Unidos.

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