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Força feminista no primeiro Jabuti Acadêmico

por | 15 ago 2024

Duas renomadas e veteranas intelectuais estiveram entre os destaques da premiação

Foi uma noite memorável, a do anúncio dos vencedores do primeiro Prêmio Jabuti Acadêmico, promovido pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), na terça-feira, 6 de agosto, no Teatro Sérgio Cardoso. Dedicado às áreas científicas, técnicas e profissionais, o novo prêmio pôs em cena, além dos autores e representantes de editoras, a qualidade e a já hoje impressionante dimensão da produção acadêmica nacional expressada em livros, originária de todas as regiões do país.

Vale eleger, para começar, alguns destaques: a filósofa Marilena Chauí, 82 anos, professora emérita da Universidade de São Paulo (USP), é a autora da única obra duplamente premiada com o Jabuti Acadêmico, A Patrística – introdução ao nascimento da filosofia cristã, terceiro volume de sua série Introdução à história da filosofia. O livro foi agraciado tanto na categoria de Filosofia, dentro do eixo Ciência e Cultura, quanto em Divulgação Científica, no eixo Prêmios Especiais.

Marilena Chauí, na cerimônia em que recebeu título de Doutora Honoris Causa da Universidade de Brasília, em 2018 (foto: UnB — CC BY 2.0)

Consta, no catálogo desta primeira edição do Jabuti Acadêmico — para a qual foram inscritas quase 2 mil obras (1.953, precisamente) por editoras de todos os portes, incluindo as edições independentes de autor —, um brevíssimo resumo de cada uma das 145 finalistas, nas 29 categorias do prêmio. E sobre o trabalho de Marilena Chauí ali está dito que, “neste terceiro volume de sua Introdução à história da filosofia, dedicado à Patrística, uma das mais renomadas intelectuais brasileiras retoma um projeto de ampla envergadura, iniciado há quase três décadas: refazer o percurso do pensamento ocidental, dos pré-socráticos aos autores modernos”.

Um segundo destaque: outra respeitadíssima veterana da academia, Silvia Pimentel, 84 anos, professora emérita da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), foi eleita pela CBL a Personalidade Acadêmica 2024. O texto que justifica a escolha, no mesmo catálogo já citado, observa que, “reconhecida nacional e internacionalmente, a advogada e ativista é homenageada por sua significativa contribuição aos Direitos Humanos, lutando pela igualdade de gênero e no combate à discriminação”.

Inclui, em seguida, entre as decisivas contribuições de Pimentel à defesa da igualdade de gênero, o “Novo Estatuto Civil da Mulher”, elaborado junto com a feminista Florisa Verucci (1934-2000), que se tornaria peça fundamental para o Novo Código Civil de 2002, e a “Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes”, de 1976, ferramenta igualmente central para a redução do caráter patriarcal e machista do arcabouço legal do país na Constituição de 1988

No belo discurso político que fez no Teatro Sergio Cardoso após receber a honraria, Silvia Pimentel a descreveu também como um avanço simbólico da resiliência e força do movimento feminista, para além do reconhecimento a seu “compromisso pessoal com o saber e com a ação política voltada a uma sociedade igualitária, com justiça social e justiça de gênero”. Se no vídeo previamente gravado e exibido antes de sua subida ao palco observara que “a lei já está tratando as mulheres com igualdade, mas as mentalidades não conseguem livrar-se de preconceitos milenares absolutamente perversos”, ali, ao vivo, depois de observar que “em nosso mundo androcêntrico são os homens que recebem a maioria das homenagens”, ela compartilharia a honraria “com todas as colegas acadêmicas e amigas feministas”. Disse entendê-la como “um estímulo a que mais mulheres enxerguem em si mesmas o potencial de construção intelectual e de protagonismo no cenário acadêmico e social”.

A criação desse novo Jabuti, com sua explícita valorização da ciência, da arte e da filosofia, põe-se, na visão de Silvia Pimentel, “na contracorrente de um movimento, articulado internacional e nacionalmente, de desprezo, e mesmo de achincalhe, ao saber racional”. A homenageada disse ainda aos que a aplaudiam com entusiasmo que “nosso país patriarcal, machista, racista, classista, capacitista e discriminatório” clama por transformações e recomendou às novas gerações que, para tanto, “estudem e leiam muito mais e além de suas áreas específicas”. Desejou um futuro em que a fluidez pós-moderna possa mesclar-se com amores sólidos e solidários.

Silvia Pimentel exibe seu prêmio, ao lado da presidente da CBL, Sevani Matos (foto: divulgação)

De certa forma, os holofotes postos pelo primeiro Jabuti Acadêmico sobre essas duas grandes intelectuais brasileiras, ambas intransigentes defensoras da democracia e militantes históricas contra o autoritarismo e a indecente desigualdade social do país, terminam por refletir a luz no próprio prêmio e, claro, gerar altas expectativas em torno dele. A conferir nos próximos anos.

Ideia bem maturada

O Jabuti acadêmico, uma espécie de spin-off do Jabuti, o mais tradicional prêmio literário brasileiro (criado em 1959), vinha sendo pensado já há alguns anos pela CBL. O curador Marcelo Knobel, físico, ex-reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), fez menção a esse percurso em seu discurso na noite da premiação e acrescentou que, “após o período desafiador da pandemia”, a diretoria da Câmara decidiu concretizar a ideia. “Para tal, uma comissão interna foi formada, e foi um privilégio trabalhar com eles desde as etapas iniciais do planejamento. A aposta foi bem-sucedida: a primeira edição atraiu quase 2.000 obras publicadas em 2023, evidenciando uma produção intelectual vasta e diversificada, antes sub-representada no Prêmio Jabuti”, disse.

A presidente da CBL, Sevani Matos descreveu o prêmio como mais um capítulo do compromisso contínuo da instituição em apoiar e valorizar todas as formas de literatura e conhecimento do Brasil e reafirmou seu papel central na promoção da ciência, da cultura e do saber “numa sociedade cada vez mais orientada pelo conhecimento”. Entre os muitos agradecimentos que fez, incluiu os editores Daniel Pinsky (Contexto), Eduardo Blücher (Blücher), e Jezio Gutierre (Fundunesp), que levaram à diretoria a ideia da criação do Jabuti acadêmico e dispuseram-se a integrar sua comissão.

A arquitetura para levar à frente essa nova iniciativa da CBL foi desafiadora. Formou-se uma comissão técnica na CBL e uma comissão curadora do prêmio com participação de personalidades destacadas de várias universidades públicas brasileiras. Os trabalhos nesse âmbito levaram à opção por “dois eixos de premiação: um para categorias especiais, como ilustração e divulgação científica, e outro, denominado Ciência & Cultura, com 27 categorias, para assegurar a representatividade das diversas áreas do conhecimento”, como observou Knobel em sua fala. Havia, além disso, as homenagens ao livro acadêmico e à personalidade do ano.

Medicina ambulatorial: condutas de atenção primária baseadas em evidências, que em 2022 chegou à quinta edição (a primeira é de 1990), foi o vencedor como livro acadêmico clássico. A obra, que tem participação de médicos de família e comunidade e de peritos de especialidades correlatas, segundo o catálogo do prêmio, é organizada por Bruce Duncan, Maria Inês Schmidt, Elsa Gugliani, Michael Duncan e Camila Gugliani. E foi Bruce, o mais velho da família, quem agradeceu pela distinção no Teatro Sergio Cardoso.

Os desafios da comissão curadora envolveram também selecionar 87 jurados, de distintas áreas acadêmicas, para compor as 29 bancas. A esse respeito, Marcelo Knobel observou que, “além da diversidade, garantimos equidade de gênero, diversidade e representatividade regional. A lista de jurados é um testemunho do alcance e da seriedade deste prêmio”.

Vale destacar, por fim, considerando particularmente a natureza do Ciência na Rua, os livros finalistas da categoria especial divulgação científica. Ao lado da obra vencedora, da filósofa Marilena Chauí, destacaram-se, dentre os 136 trabalhos inscritos, A razão dos centavos: crise urbana, vida democrática e as revoltas de 2013, de Roberto Andrés, Admirável mundo novo: uma história da ocupação humana nas Américas, de Bernanrdo Esteves, Discursos de ódio contra negros nas redes sociais, de Luciana Barreto, e Niéde Guidon: uma arqueóloga no sertão, de Adriana Abujamra. São livros excepcionais, importantes, que valem muito a leitura.

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