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Ecos da COP30

por | 3 dez 2025

Ainda digerindo a experiência na Conferência das Partes, Luiza Moura traz reflexões próprias e de Alessandra Sampaio, viúva de Dom Phillips

Ilustração: Kairo Rudáh, sobre fotos de Alex Ferro e Ueslei Marcelino /COP30

A COP30 acabou já faz quase duas semanas, e sigo tentando processar tudo que vivi em Belém. A capital paraense me recebeu de braços abertos, me presenteou com paisagens lindas, comidas deliciosas e pessoas acolhedoras e me deu muitas histórias para contar.

Viver a COP30 foi, ao mesmo tempo, uma experiência incrível e uma sensação constante de desespero. Foi fantástico ver tantos ativistas juntos, lutando por causas comuns, exigindo financiamento climático, transição energética justa, participação popular e políticas para adaptação climática. Simultaneamente, cruzar com os lobistas do petróleo nos corredores, pasar por estandes de empresas que sabidamente colaboram para o aquecimento do planeta e ver as delegações dos países ricos se recusando a pagar o que é necessário, me causou uma impressão de corrida contra o tempo.

A Conferência das Partes de Belém foi histórica em alguns sentidos. Foi a primeira COP que trouxe citações a povos afrodescendentes em seu texto final, foi também a conferência com maior participação popular da história. Foram inúmeros eventos paralelos que trouxeram as discussões climáticas para o dia a dia das pessoas em Belém. Organizações climáticas ocuparam cada canto da cidade, colocando as questões climáticas realmente em destaque durante aqueles dez dias.

Um dos que mais me marcou foi o bosque do Museu Emílio Goeldi, que exibia uma grande homenagem ao seringueiro Chico Mendes, ativista socioambiental importantíssimo na hisrtória do Brasil, assassinado em 1988. O museu criou uma réplica da casa dos seringueiros, além de organizar uma experiência imersiva sobre a vida e as vivências de Mendes.

Foi também no Goeldi que vi uma exposição que me tocou profundamente. Várias fotos espalhadas ao ar livre relembravam ativistas socioambientais e defensores da terra que foram mortos ou atacados por suas lutas. Entre eles, Dorothy Stang, Valdemar Guajajara, Dom Philips e Bruno Pereira.

Já escrevi aqui no Ciência na Rua sobre o quanto o livro de Dom Phillips, que li esse ano, foi importante na minha trajetória de ativista, me fazendo refletir sobre a Amazônia, os cenários de uma realidade que não conheço de perto e a importância de construir políticas públicas efetivas para a população da região.

Foi também graças à COP30 que consegui conversar com uma das minhas maiores referências do ativismo ambiental. Alessandra Sampaio, companheira de Dom e diretora do instituto que carrega seu nome, gentilmente aceitou responder minhas perguntas sobre a COP, o legado de Phillips e o papel dos ativistas na Conferência.

Nas palavras de Alessandra, “Dom já havia compreendido que somente o pensamento e ação comunitários poderiam salvar a Amazônia e outros biomas. Inclusive ele escreveu isso na introdução do livro que foi lançado esse ano. Primeiramente o título seria, Como Salvar a Amazônia, pergunte a quem sabe. Ele percebeu a importância de compartilhar com os leitores as iniciativas positivas realizadas por indígenas, ribeirinhos, quilombolas, pequenos agricultores, cientistas, professores, pessoas, coletivos e organizações que atuam em prol da floresta. E que, por vezes, enfrentam ameaças, seja no território ou nas cidades. Dom também conversou com garimpeiros, grandes fazendeiros, políticos diversos, buscando entender suas posições. Ele realmente acreditava ser possível inspirar cidadãos na causa da proteção e regeneração ambiental, que não se restringe a fauna e flora, mas abrange culturas, modos de vida e história milenares, uma pluralidade imensa que merece ser conhecida pelos brasileiros e pelo mundo. Só podemos cuidar do que conhecemos. Dom deixou uma trilha segura pra seguirmos através do seu legado, de escuta genuína, de afeto e gentileza, de respeito à diversidade de saberes e de compromisso com os povos e aliados da floresta”.

Lembro perfeitamente do dia em que as notícias sobre o desaparecimento de Dom e Bruno começaram a circular. Eu tinha entrado no ativismo socioambiental havia cerca de um ano e meio e acompanhei as notícias com apreensão e muito medo. Ver que o legado de Dom e Bruno segue vivo por meio do Instituto Dom Phillips e por meio da ação coletiva de tantos ativistas e defensores da floresta foi, sem dúvida, um dos maiores alívios da COP30 para mim.

Alessandra também dividiu algumas de suas percepções acerca da Conferência, pensando nos cenários nacional e internacional. Para ela, “É decepcionante ver o resultado das negociações na COP, assim como as votações no Congresso Nacional e no Senado com relação ao meio ambiente e demarcação de terras indígenas — territórios mais preservados do país. Governos priorizam a balança comercial, grandes empresas priorizam lucros ascendentes. Sempre o papo da economia estável, mas com eventos extremos, aumento da temperatura global, perda de biodiversidade, impacto na agricultura, impactos humanitários, vamos viver num mundo desafiador, e esse futuro parece próximo. Por isso acredito que nós, cidadãos, devemos estar bem informados para votarmos em políticos que tenham agenda ambiental, devemos também exigir políticas públicas que avancem no campo da adaptação e mitigação”.

Em um contexto em que o Congresso Nacional acabou de derrubar os vetos do presidente Lula ao PL da Devastação Ambiental, as falas de Alessandra se mostram atuais, necessárias e fundamentais. Conversar com ela me fez ter ainda mais certeza que só a atuação em rede, pensada em coletivo e sem a lógica do lucro, será capaz de resolver os nossos atuais problemas.

Como disse, ainda estou tentando processar tudo que aconteceu na COP30. Os legados que ela deixa para o Brasil, para o mundo e para mim ainda não estão completamente claros. Mas a certeza que tenho é que os ativistas e os defensores são a chave do sucesso para a construção de um mundo que sonhamos. São os encontros, as conexões e as pessoas que encontramos nas batalhas que dão tanto sentido a essas lutas e a essas conferências.


Luiza Moura é bacharela relações internacionais pela PUC-SP e ativista socioambiental

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