Conferência em Belém reconheceu por consenso a importância dos povos indígenas para preservar o planeta, mas não ofereceu um mapa do caminho contra o aquecimento global

Plenária de encerramento da COP30, em 22 de novembro (foto: Ueslei Marcelino / COP30)
Encerrada oficialmente em Belém, na sexta-feira, 21 de novembro, a 30ª Conferência das Partes, ou COP30, teve suas negociações estendidas até o dia seguinte para que todos os 195 países participantes pudessem chegar a um consenso sobre temas decisivos para o futuro do planeta, do financiamento climático às questões de gênero, e aprovar, então, o chamado “Pacote de Belém”.
Estão ausentes do documento dois assuntos cruciais no enfrentamento da crise climática em que estamos imersos: um plano prático para eliminar gradativamente o uso dos combustíveis fósseis — evitando assim a continuidade do aquecimento do planeta a níveis inviáveis à permanência da vida tal qual a conhecemos — e novas medidas concretas de combate ao desmatamento, o que explica o sentimento de frustração enfatizado por ambientalistas e cientistas que, por duas semanas, se dedicaram inteiramente à conferência na Amazônia.
O pacote aprovado por unanimidade no fim da tarde do sábado, 22, compõe-se de 29 documentos e, com alguns avanços perceptíveis em temas sensíveis, deixou para trás a insatisfação provocada pelo rascunho do texto apresentado na véspera pela presidência da COP30. Naquele momento, cientistas respeitados, como o climatologista brasileiro Carlos Nobre, chegaram a dizer que esse rascunho era uma traição.
Do lado dos avanços obtidos em Belém, cabe incluir a referência, num documento oficial, à importância de comunidades indígenas e afrodescendentes para a conservação ambiental e a menção à proteção dos direitos desses grupos — pela primeira vez, desde que há 33 anos, na Rio-92, foram iniciadas pela ONU as grandes conferências do clima.
A menção aos povos afrodescendentes está presente em quatro textos, os que tratam de gênero, de adaptação, de transição justa e, ainda, o relativo ao mutirão (o conjunto de decisões mais importante da COP30). Quanto aos povos indígenas, a necessidade de proteção a seus territórios e conhecimentos tradicionais está afirmada nos textos sobre justiça climática, transição energética e no documento do mutirão.
Vale lembrar que justamente a importância desse reconhecimento foi ressaltada por lideranças indígenas ao Ciência na Rua, durante visita à Aldeia COP, onde mais de 3 mil indígenas estavam abrigados em Belém.
A falta do mapa do caminho
Faz sentido a frustração provocada pela ausência do chamado “mapa do caminho” para o fim dos combustíveis fósseis no documento final da COP30. A proposta do Brasil para a construção desse plano prático, com metas, objetivos e definição dos responsáveis por cada uma das ações, ganhou força na segunda semana da conferência.
A ideia repercutiu bem entre os países membros da UNFCCC (Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática), chegando a receber apoio de mais de 80 países, entre eles, França, Alemanha e Colômbia. Mas os grandes produtores de petróleo, a exemplo da Arábia Saudita, opuseram-se, impedindo o consenso em torno da proposta e sua consequente inclusão no texto oficial da conferência.
A segunda e relevante proposta brasileira não incluída no documento final foi a da construção de um plano para o combate ao desmatamento. O texto apenas menciona, sem metas específicas ou parâmetros mensuráveis, a importância de “conservar, proteger e restaurar a natureza e os ecossistemas”, inclusive “por meio de esforços intensificados para deter e reverter o desmatamento e a degradação florestal até 2030”.
Por outro lado, no que se refere aos bons resultados da conferência de Belém, vale destacar também o tratamento dispensado ao tema do gênero no contexto da preservação ambiental. Um dia inteiro foi dedicado às suas inúmeras questões, e a COP aprovou o “Plano de Ação de Gênero”, com vistas a ampliar seu financiamento, mesmo ante o esforço de países como Irã, Argentina e Vaticano, entre outros, para limitar o conceito de gênero ao significado biológico de homem e mulher.
Além disso, outros temas que causaram controvérsias durante os dias de COP30 foram mencionados no documento final, sem metas específicas e mensuráveis, mas com reflexões importantes. Assim, em relação à pauta da adaptação climática, que opôs países ricos a países do Sul Global durante quase toda a conferência, o pacote aprovado pelas partes no sábado à tarde conseguiu definir 59 indicadores para medir o progresso da chamada Meta Global de Adaptação. Os países concordaram ainda com o compromisso de triplicar o financiamento da adaptação até 2035 e em enfatizar a necessidade de os países desenvolvidos aumentarem o financiamento para nações em desenvolvimento.
A plenária final da COP30, presidida pelo embaixador André Corrêa do Lago, reuniu ministros, ativistas, representantes da sociedade civil em uma cena de discursos eloquentes. A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva — aplaudida de pé pela audiência — afirmou que “a transição justa ganhou corpo e voz”. Lembrou o lançamento do Fundo Florestas Tropicais para Sempre, “mecanismo inovador que valoriza aqueles que conservam e mantêm as florestas tropicais” e observou que “122 partes apresentaram suas Contribuições Nacionalmente Determinadas. São ganhos fundamentais para o multilateralismo climático”.
O embaixador André Corrêa do Lago afirmou que o espírito construído na COP30 “não termina com o martelo batido. Ele permanece em cada reunião governamental, em cada conselho de administração e sindicato, em cada sala de aula, laboratório, comunidade florestal, grande cidade e cidade costeira”. Corrêa do Lago garantiu que irá construir por conta própria dois mapas do caminho, para o fim do uso de combustíveis fósseis e dos desmatamentos, e irá entregá-los aos países como sugestão, sem força de obrigatoriedade. Fica lançado seu debate para a COP31, na Turquia.
A COP30 chegou ao fim com Belém mostrando ao mundo um pouco do melhor da cultura brasileira. Ao ritmo do carimbó, em dias regados por açaí, maniçoba, sorvetes da Cairu e suco de cupuaçu, o planeta se reuniu na capital paraense para discutir alguns de seus temas mais urgentes. Entre grandes frustrações, incêndios — o real e os metafóricos — e alguns avanços importantes, a COP que prometeu fazer história realmente entrou no mapa das conferências significativas realizadas nos últimos tempos. Resta entender o que, de fato, será cumprido e o que ficará somente no papel.



