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Anticorpos de lhamas podem ser úteis no combate à covid-19
Covid-19

por | 30 abr 2020

Testes iniciais de um novo candidato a tratamento com anticorpos contra covid-19 indicam que ele impede a infecção por vírus com proteínas espiculares como o Sars-CoV-2

Lhamas correndo em um pasto com pinheiros ao fundo.

Inspirados nos anticorpos produzidos por lhamas, cientistas criaram um anticorpo sintético contra o Sars-CoV-2 (Foto: Tim Coppens)

A luta contra a pandemia do novo coronavírus pode ter ganhado um aliado inusitado: uma lhama fêmea de quatro anos chamada Winter. Pesquisadores da Universidade do Texas em Austin, nos Estados Unidos, e da Universidade de Gent, na Bélgica, combinaram duas cópias de um tipo especial de anticorpo produzido pela simpática camelídea para gerar um novo anticorpo, que se liga a uma proteína importante do Sars-CoV-2, o coronavírus que causa a covid-19. A chamada proteína da espícula – espículas são as pontinhas em volta do vírus – é o que permite ao vírus penetrar na célula hospedeira. Testes iniciais indicam que o anticorpo impede que os vírus com espícula infectem células in vitro. O artigo, que será publicado em 5 de maio na revista Cell, está disponível na fase pre-proof, em que já foi revisado por pares mas ainda não ganhou sua forma final.

“É um dos primeiros anticorpos que sabemos que neutraliza o Sars-CoV-2”, disse Jason McLellan, professor de biociência molecular na Universidade do Texas e um dos autores do artigo. A equipe agora se prepara para conduzir estudos pré-clinicos em animais como macacos e hamsters e espera em seguida fazer testes clínicos, em humanos. O objetivo é desenvolver um tratamento para ajudar pessoas pouco após terem sido infectadas. McLellan explicou que os anticorpos fornecem proteção imediatamente após o tratamento, o que não ocorre com vacinas, que precisam ser aplicadas um ou dois meses antes da infecção.

(Foto: Tim Coppens)

O sistema imune das lhamas e de outros camelídeos, como a alpaca, ao detectar uma infecção, produz dois tipos de anticorpos: um semelhante ao dos humanos e outro com aproximadamente um quarto do tamanho. Este menor, chamado anticorpo de domínio único, pode ser nebulizado e colocado em um inalador. “Isso os torna realmente interessantes, potencialmente, como droga contra um patógeno respiratório, porque você o envia diretamente ao local da infecção”, explicou Daniel Wrapp, estudante de pós-graduação do laboratório de McLellan e também co-autor do artigo.

A lhama Winter (Foto: Tim Coppens)

A lhama Winter vive numa fazenda no interior belga, com cerca de outras 130 lhamas e alpacas. Em 2016, quando tinha 9 meses, pesquisadores que estudavam outros coronavírus, o Sars-CoV-1 e o Mers-CoV, ela recebeu, por seis semanas, proteínas da espícula estabilizadas desses vírus (ou seja, proteínas que passaram por engenharia genética para manterem o mesmo formato que têm antes de se acoplarem ao receptor da célula hospedeira), num processo similar à imunização de humanos por meio de vacina. Em seguida, os cientistas coletaram uma amostra de sangue dela e isolaram anticorpos que se ligavam a cada versão da proteína de espícula. Um dos anticorpos se mostrou particularmente promissor na tarefa de impedir a infecção por Sars-CoV-1 em uma cultura de células. “Foi muito empolgante para mim porque eu vinha estudando isso há anos, mas não havia uma grande necessidade de tratamento contra coronavírus. Era só pesquisa básica. Agora talvez possa ter implicações translacionais também”, disse Wrapp.

A equipe de pesquisadores desenvolveu o novo anticorpo promissor contra o Sars-CoV-2 unindo duas cópias do anticorpo de lhama que funcionou bem contra o Sars-CoV-1. Eles conseguiram completar a pesquisa e ter o artigo aceito em uma revista de alto nível em algumas semanas graças aos anos de trabalho que já tinham acumulado. McLellan também liderou a equipe que primeiro mapeou a proteína de espícula do Sars_CoV-2, um passo importante em busca de uma vacina. Essa proteína, conhecida como proteína S, é objeto de pesquisa brasileira liderada por André Damásio, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e Regina Markus, da Universidade de São Paulo (USP).

Os primeiros anticorpos que a equipe de McLellan identificou nos testes iniciais com o Sars-CoV-1 e o Mers-CoV incluíam um chamado VHH-72, que se liga fortemente à proteína da espícula do Sars-Cov-1. Ao fazer isso, o anticorpo impediu que um vírus pseudotipado (ou seja, um vírus inofensivo ao ser humano, mas modificado geneticamente para ter cópias das proteínas de espícula do Sars-CoV-1 em sua superfície) infectasse células em uma cultura.

Quando o Sars-CoV-2 apareceu e desencadeou a pandemia de covid-19, a equipe se perguntou se o VHH-72 também seria efetivo contra ele. Os pesquisadores descobriram que o anticorpo se ligava à proteína do novo vírus, mas de forma mais fraca. Tentaram, então, unir duas cópias do anticorpo e dessa forma conseguiram neutralizar um vírus pseudotipado com proteínas de espícula do Sars-CoV-2.

Outra das autoras do artigo, Dorien De Vlieger, pós-doutoranda da Universidade de Gent, estava desenvolvendo antivirais contra o Influenza A, quatro anos atrás, quando foi convidada para ajudar a isolar anticorpos de lhama. “Pensava que seria um pequeno projeto paralelo”, disse. “Agora o impacto científico se tornou maior do que eu jamais poderia imaginar. É incrível como os vírus podem ser imprevisíveis”.

O anticorpo sintético VHH-72Fc (azul) liga-se às proteínas de espícula do Sars-CoV-2 (rosa, verde e laranja), impedindo o vírus de infectar células em uma cultura (Imagem: Universidade do Texas em Austin)

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