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Talvez haja uma larga saída à frente
Universidade pública

por | 3 maio 2019

As universidades públicas estão na linha de tiro do governo Bolsonaro. Sair dela é questão vital, não apenas para essas instituições, mas para o país, e a pergunta crucial no debate que está sendo travado por quem as defende talvez possa, nesse momento, ser resumida à combinação da preposição “como” com a locução adverbial de lugar “para onde”.

Vale rememorar uma certa ambiência de poucos meses atrás. A imagem marcante de um candidato a presidente da República, durante a campanha eleitoral, a fazer com as mãos um gesto simbolizando um revólver, pronto a disparar, causava profunda repugnância às pessoas que, em qualquer estrato social, abominam armas de fogo e, mais ainda, a ideia de que a população deve ser armada para se defender. Provocava um asco indisfarçável em quem reconhece que o Estado se constituiu fundamentalmente como detentor do monopólio do uso legítimo da violência, mas entende que lhe cabe papel fundamental na constituição de um espaço público marcado pela convivência pacífica, por respeito e possibilidade de diálogo entre diferentes. Repetido na cerimônia de posse, o mesmo gesto, que apenas um ano antes mal se conhecia no país, ampliou apreensões já gigantescas.

Vale também lembrar que, tão logo foi sacramentado o resultado da eleição, os melhores analistas políticos do campo democrático reiteraram o alerta de que os movimentos sociais e as universidades públicas estariam entre os primeiros alvos do futuro governo Bolsonaro. Em paralelo, é claro, às classes trabalhadoras de um modo geral, que seriam alvejadas pela reforma da previdência, depois de já bastante combalidas pela reforma trabalhista do final do governo Temer e por um desemprego cujas taxas não cessam de crescer, por mais que os dirigentes do turno façam cara feia para os números apresentados pelo insuspeito Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

card em defesa das universidades, recebido por Whatsapp

O alerta logo se revelaria certeiro e abril foi mais que pródigo em demonstrá-lo, fechando, no penúltimo dia do mês, com a bombástica entrevista do ministro da Educação à jornalista Renata Agostini, que na terça-feira, 30, valeu manchete no alto da primeira página do Estadão sob o título “Universidade que promover ‘balbúrdia’ terá verba cortada”, seguido por linha fina que explicava, “Segundo ministro, UnB, UFF e UFBA já perderam recursos porque também não tiveram bom desempenho”.

Ante a onda de reações que não esperava, sustentadas por dados abundantes de fontes inquestionáveis demonstrando que, ao contrário, as três instituições comprovavam excelente desempenho nos últimos anos, e frente à percepção de que para todo mundo a motivação ideológica da decisão ficara cruamente clara e insofismável, o ministro recuou. Mas o fez atirando: não apenas as três teriam 30% de seus orçamentos aprovados na Lei Orçamentária Anual (LOA) cortados, mas todas as 67 universidades federais do país.

Cinco dias antes, o presidente da República e o ministro da Educação haviam defendido contenção de recursos para os cursos de filosofia e de sociologia em todo o país, sob o argumento de que é preciso investir em área que “gere renda para a pessoa, bem-estar para a família, que melhore a sociedade em volta dela”. Em 8 de abril, o presidente dissera numa entrevista à rádio Jovem Pan que as universidades públicas não fazem pesquisa científica no país, apenas as privadas, quando, de fato, são elas – as públicas – que respondem por 95% da produção científica brasileira, que situa o país entre os 15 maiores produtores de conhecimento no mundo. Como contei neste artigo.

Em cada um desses casos, os desmentidos às afirmações destinadas a velar a verdade factual, além de contundentes, foram abundantes. Para ficar no caso mais recente, análise de Sabine Righetti e Estevão Gamba na Folha de S. Paulo diz que a afirmação do ministro sobre queda de desempenho das universidades simplesmente “está equivocada. As federais de Brasília, da Bahia e Fluminense estão entre as 20 melhores universidades brasileiras no RUF – Ranking Universitário Folha desde a sua primeira edição (de 2012). No RUF 2018, a UnB figura em 9º lugar nacionalmente, a UFBA em 14º e a UFF em 16º “, no quadro geral das 196 universidades públicas e privadas brasileiras.

Diz ainda que “especificamente sobre desempenho acadêmico, ao contrário do que afirma o ministro, as três universidades estão entre as dez brasileiras que mais aumentaram sua produção científica na última década (2008-2017), de acordo com a base internacional Web of Science, que é usada nos cálculos do RUF. A UnB lidera o trio com um crescimento de 109% no período analisado. Isso significa que a universidade mais do que dobrou sua publicação de novos estudos científicos na última década. O mesmo acontece com a UFBA, que aumentou sua produção científica em 102% na mesma fase. Na UFF, o crescimento da produção de ciência foi de 84,3%”.

card da UFBA divulgado nos últimos dias

A nota oficial da UFBA, que se seguiu às muitas entrevistas do reitor João Carlos Salles à mídia local e nacional em reação às acusações do ministro, publicada já no dia 30, afirmava que “na última avaliação divulgada pelo MEC, constatou-se um salto de 40% para 96% do percentual de cursos avaliados com nota 4 ou 5, entre 2014 e 2016”. A universidade tem 105 cursos de graduação, com 38 mil alunos matriculados. Quanto à produção científica, “a UFBA é a 12ª brasileira com mais pesquisas publicadas nos mais conceituados periódicos”, de acordo com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (Capes), órgão do próprio Ministério da Educação e “ocupa o 10º lugar entre as brasileiras no respeitado ranking britânico Times Higher Education (THE)”.

E tudo isso se deu numa situação em que “as universidades federais vêm enfrentando cortes e contingenciamentos nos anos mais recentes, sempre sob a justificativa do ‘ajuste fiscal’.”, segundo os professores Maíra Kubík Mano, Mariana Possas, Rafael Lopes Azize e Sue Iamamoto, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA, em texto publicado nesta quinta-feira, 2 de maio. “Em 2015, enfrentamos uma dura greve dos docentes contra essas medidas de austeridade, quando os investimentos foram cortados em 47%. Em 2017, as verbas repassadas se reduziram em R$ 247 milhões com relação a 2016.  Em 2018, a queda foi ainda maior. Agora, o que vemos é pior: para além da redução de investimentos, assistimos a um recorte ideológico da tesoura”, dizem.

Os quatro professores baianos dão uma indicação certeira do que as universidades federais devem fazer para sair da linha de tiro onde se encontram, depois de afirmar que “é importante lembrar que as universidades públicas cumprem um papel, no Brasil, que é intransferível, e foi construído ao longo de várias décadas” Qual o caminho? “A sociedade como um todo precisa tomar para si, urgentemente, a tarefa de defender essas instituições. Elas são o espaço em que a sociedade reflete sobre si mesma, em livres experimentos do pensamento e da imaginação. É assim em todos os países que buscam soluções inclusivas e criativas para os seus problemas”. Dizem mais: “Isso não significa andar pelado pela universidade! Significa que levamos aos nossos alunos e pesquisadores a possibilidade de refletir sobre a sociedade e o mundo, a partir de ferramentas específicas, adequadas às diferentes disciplinas”.

O recurso à sociedade, registre-se, foi exatamente o caminho apresentado pelos reitores das três universidades estaduais paulistas, Vahan Agopyan, da Universidade de São Paulo (USP), Marcelo Knobel, da Estadual de Campinas (Unicamp) e Sandro Valentino, da Estadual Paulista (Unesp), quando eram intensas as discussões e gestões no âmbito do governo de São Paulo para a cobrança de mensalidades nas instituições.
Já no título do artigo publicado em setembro “Paulistas têm de defender as universidades estaduais”, eles deixavam claro que o apoio decisivo da população era o caminho para escapar às ameaças.

Concluíam afirmando que “em tempos de eleições majoritárias e proporcionais, de discursos contrários ao ensino superior público gratuito e de ameaças de corte dos recursos governamentais para ciência e tecnologia, a população paulista deve ter sempre em mente a força transformadora das três universidades que ajuda a custear por meio do ICMS. Apoiar a USP, a Unicamp e a Unesp é apoiar o desenvolvimento de São Paulo e do Brasil”.

Em outros termos: o problema que agora se apresenta para os 67 reitores das universidades federais e suas comunidades é um problema da sociedade brasileira. Utilizar todas as legítimas ferramentas de comunicação para falar com a população deste país e dialogar a respeito do que tem a ver a manutenção e expansão das universidades públicas com sua vida, suas possibilidades de educação e saúde, suas chances de trabalho, emprego e renda, seu crescimento cultural, seu horizonte de projetos e sonhos, sua inclusão social, é o que precisa ser feito entre suas outras tarefas. Como? Esse é um bom desafio e por ele vale por mãos à obra.

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