Faz cem anos hoje: o dia 29 de maio de 1919 foi, sem receio de exagerar, memorável para a física e para a história da ciência. Naquela data, as ideias propostas pelo físico alemão Albert Einstein em sua Teoria da Relatividade Geral, de 1915, finalmente obtiveram comprovação numa experiência comandada na prosaica Sobral, no Ceará, por uma equipe de pesquisadores ingleses sob a coordenação de Charles Davidson e Andrew Crommelin, com apoio de cientistas brasileiros do Observatório Nacional.
A observação de um eclipse solar era o objeto da experiência. E os cálculos que se seguiram a ela foram realmente decisivos para a história da ciência e uma nova compreensão de como funciona o universo. Era, de fato, o que esperavam os cientistas em intensa movimentação na Praça do Patrocínio, onde se dispusera uma invejável coleção de instrumentos astronômicos trazidos pelos ingleses.
A destacar entre tantas coisas, em Sobral, a reinauguração do Museu do Eclipse, depois de passar por uma reforma, o lançamento de selos postais comemorativos (aqui e simultaneamente na Ilha do Príncipe), um grande encontro internacional movido a palestras, rodas de conversa, lançamento de livros e apresentações culturais. Ainda na cidade cearense, o espetáculo “Global Opera in Science”, uma mini-ópera criada por estudantes brasileiros, portugueses e principenses, com exibição simultânea em Portugal e Ilha doPríncipe, rolou às 14 horas. Pode ser acompanhada pelo portal da peça e também na página do Facebook da SBPC.
O Rio de Janeiro abre a exposição “O Eclipse – Einstein, Sobral e O GPS” no Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST). A propósito, a página do MAST merece uma visita. E em Brasília, o Congresso Nacional abriga desde 14 de maio, até o próximo dia 15 de junho, a exposição “Centenário do Eclipse de Sobral”. A mostra fica no corredor de acesso ao Plenário.
Vale muito ver alguns vídeos disponíveis sobre o significado da experiência hoje centenária. Há o da SBPC, (https://www.youtube.com/watch?v=4bVLe6Vdl9k), um outro é o da revista Pesquisa Fapesp (https://revistapesquisa.fapesp.br/2019/05/27/o-eclipse-que-revolucionou-a-fisica/), leve e bem didático, e ainda, um vídeo que integra a cobertura especial do site G1, que se pode acessar por aqui.
Festas e história
Os historiadores da ciência prometem preservar os detalhes do evento que vale festas. O eclipse aconteceria às 9h da manhã em meio a muita animação. E não foi escolhido pelos cientistas ao acaso, contou ao Ciência na rua (http:/https://ciencianarua.net/ha-99-anos-o-ceu-de-sobral-mudou-o-entendimento-do-universo/), no ano passado, quando se iniciavam as comemorações do centenário, o físico e historiador da ciência Olival Freire Júnior, pró-reitor de Pesquisa, Criação e Inovação da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
“Foi em 1915 que Albert Einstein reformulou as ideias de Newton sobre a gravidade. Seu famoso artigo a respeito do tema saiu em dezembro de 1915. Para provar sua teoria seria preciso fazer uma observação preciosa, durante um eclipse para não cegar os cientistas”. Os pesquisadores britânicos já tinham, nesse momento, a ideia de promover a observação assim que possível, mas o eclipse seguinte aconteceria em 1916, no meio da Primeira Guerra Mundial. “Como seria impossível organizar tudo em meio a um conflito como aquele, o projeto foi suspenso e só retomado quando a guerra acabou”, contou Freire.
Terminada a guerra, as previsões indicavam que os melhores locais para observar o sol coberto pela Lua seriam Ilha do Príncipe, no Golfo da Guiné, na África, e Sobral, no Ceará. E assim os cientistas ingleses fizeram as malas e despacharam os equipamentos para os dois locais. A equipe que seguiu para a África foi liderada por sir Arthur Eddington, físico inglês e grande entusiasta das ideias de Einstein. A equipe que veio a Sobral, por sua vez, tinha Davidson e Crommelin na liderança. “O próprio Einstein não veio, era um físico teórico e não gostava muito dessas aventuras. Anos depois, quando esteve no Brasil, fez um elogio ao sol claro do Ceará, que teria sido fundamental para a comprovação de sua Teoria”, lembra o professor da UFBA.
Mas, afinal, o que a equipe de Davidson e Crommelin, apoiados por cientistas do Observatório Nacional do Rio de Janeiro, estavam buscando? A resposta é: a comprovação experimental de um pressuposto científico previsto na Teoria da Relatividade Geral, publicada em 1915, quatro anos antes, por Einstein. Segundo o físico alemão, matéria e energia distorcem a malha do espaço-tempo, podendo também desviar a trajetória da luz que viaja por ele. “Também havia uma questão relativa à órbita do planeta Mercúrio que não podia ser explicada pela ciência newtoniana, mas que era resolvida pela Teoria Geral da Relatividade de Einstein. A observação em Sobral também resolveria essa situação se comprovasse as ideias do físico alemão”, disse Olival Freire Júnior.
Na hora prevista, o céu estava limpo em Sobral e as placas registraram 12 estrelas durante os cinco minutos de eclipse. Essas imagens serviram de referência para medir o desvio e a trajetória dos feixes de luz. “Einstein descreveu justamente esse efeito, que chamamos de deflexão da luz, na sua relatividade geral. Um feixe de luz vindo de uma estrela teria a trajetória encurvada AO passar por regiões com UM campo gravitacional forte”, ensina o físico e professor da UFBA.
Quando, às 8h55 do dia 29 de maio de 1919, a Lua começou a encobrir o Sol, as chapas fotográficas das câmeras acopladas aos telescópios começaram a ser acionadas para registrar com exatidão a posição das estrelas mais próximas à borda do astro-rei. Às 9h01, os equipamentos pararam e comprovaram que o espaço não era absoluto e o tempo não corria de modo uniforme, mas eram grandezas relativas que dependiam do observador. Imediatamente após a divulgação dos resultados – que não esperou a publicação em periódicos científicos – Albert Einstein virava o cientista mais famoso e mais importante do século XX. Passada a ofuscação causada pelo sucesso da missão, era tempo de ver que havia muito mais questões em jogo do que a validação da teoria de Albert Einstein.