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Pergunte a um(a) cientista, porque lugar de ciência é na rua
Ciência na avenida

por | 27 jun 2018

Da esquerda para a direita: Raul Victor, Gustavo Satoru, Larissa Fernanda, Cauê Ferreira, Caio Dallaqua, Marco Antônio, Maya Novaes, Paula Passarin

Já virou um hábito em São Paulo: aos domingos, a avenida Paulista é fechada ao tráfego e fica totalmente liberada para pedestres, ciclistas, skatistas, crianças, jovens, idosos, artistas, ativistas de todas as cores, enfim, é entregue à população. Os dois quilômetros da via, um dos símbolos mais poderosos da cidade, em lugar da pressa que esbanja durante a semana,  vira uma extraordinária área de lazer.

De lazer e de descobertas, pelo menos no domingo passado, 24 de junho, graças ao Via Saber, um grupo de divulgação científica formado por estudantes de cursinho, graduação e pós-graduação de vários cursos da Universidade de São Paulo (USP). Essa turma, com apoio do Instituto de Física (IF/USP), organizou um encontro especial de cientistas com e o público que passeava na avenida. Foi a primeira edição do “Ciência na Paulista – Pergunte a um(a) cientista!”.

O encontro que deu origem ao Via Saber

O Via Saber foi criado em março deste ano, depois que um grupo de simpatizantes e divulgadores científicos se reuniu para debater a divulgação científica como ferramenta política. “De uma forma inesperada, o que era para ser uma simples conversa de pautas problemáticas se transformou em um interessante e ousado projeto: o de aproximar a comunidade científica da sociedade”, conta Gustavo Satoru Kajitani, doutorando em biologia, integrante do Via Saber e um dos organizadores do evento.

“Vários de nós éramos já preocupados com divulgação científica, e um amigo que tinha atividades mais frequentes nesse sentido, um dia, me chamou para participar de uma reunião onde discutiríamos o que fazer dessa preocupação”, relata Caio Dallaqua, 24 anos, estudante de graduação no Instituto de Física da USP. O amigo, registre-se, era Watson, apelido de Leonardo Cavalheira, que depois teria, entre outras experiências, a de organizar uma atividade chamada “Conhecer”, no Instituto Butantan. Essa primeira reunião aconteceu no Instituto de Biologia, em março, e conseguiu juntar cerca de 20 pessoas. Já estava no horizonte a ideia de colocar cientistas junto do público na Avenida Paulista, segundo Caio. Outras reuniões viriam, no Instituto de Física e em outros vários locais no campus.

Fila para perguntar aos cientistas

“Naquele primeiro dia estava todo mundo chorando as pitangas, propusemos então buscar crescer como grupo dentro da própria universidade, sem o que seria muito mais difícil crescer lá fora”, ele acrescenta. Lá para as tantas levantou-se a discussão sobre se o grupo seria explicitamente político ou não. “Entendemos que divulgação científica é uma forma de ativismo político. Entretanto, compreendemos que era melhor firmar nosso compromisso sobre a questão da ciência propriamente, para ir aos poucos, junto com a sociedade, definindo o que deve ser feito para uma divulgação mais forte e efetiva”.

O primeiro nome que o grupo pensou para si foi Ponte Ciência (sugerido por Luciano Queiroz, divulgador da ciência que formou os Dragões de Garagem, hoje é candidato a deputado, não está mais com a turma da Via Saber, mas foi um integrante importante), mas já estava sendo usado por um outro grupo de educação de Minas Gerais e, aos poucos, chegou-se a Via Saber.

É inspirador observar o trajeto dos jovens do Via Saber. Caio, por exemplo, não é um daqueles garotos que teve grandes estímulos na infância ou adolescência para dar grande atenção à importância da ciência na vida contemporânea.

“Sou da periferia de São Paulo, do João XXIII (o bairro e o colégio), sempre estudei em escola pública e não era bom aluno não. Estava terminando o ensino médio e o assunto de todos era o que fazer quando a escola acabasse. Eu não fazia ideia. Desde os 12 anos, trabalhava  em coisas braçais, mas não gostava, aí pensei que precisava dar um jeito em minha vida. Resolvi começar a estudar, e assim tem sido desde então. Minha vida só melhorou”, ele conta. Os pais de Caio têm nível de ensino médio, nunca deixaram faltar o básico para a família, “mas diria que sempre tivemos uma vida humilde”, ele observa. O que só acrescenta valor à garra com que Caio foi à descoberta da ciência e à convicção de que é preciso dizer à sociedade do que se trata.

 

Já para a rua

É possível dizer então que o grande objetivo do grupo é, assim, aproximar a ciência da população. “Nosso grupo Via Saber visa criar caminhos entre a comunidade acadêmica-científica com o restante da população. Mostrar que nós cientistas não só nos importamos com o povo, como também fazemos parte dele”, explica o biólogo Gustavo Satoru Kajitani, doutorando em biologia pela USP, membro do Via Saber e um dos organizadores do evento.

As especialidades de cada cientista participante

A ideia é tão simples que assusta. Os organizadores montaram uma mesa e convidaram cinco cientistas de destaque em suas áreas. Do outro lado da mesa, ofereceram cadeiras para as pessoas sentarem e fazerem perguntas – as que elas quisessem, sem pauta prévia – aos pesquisadores.

Foi assim que  a psicóloga Maria Júlia Kovács, a física Renata Funchal, o astrônomo Douglas Galante, o bioantropólogo Walter Neves e a bióloga Natália Pasternak (veja entrevistas dos dois últimos para o Ciência na rua), todos professores e pesquisadores da USP se alinharam de um lado da mesa e ficaram das 15h às 17h do domingo, 24/06, respondendo aos questionamentos do público que lotou a calçada e fez fila para participar.

“Nós tentamos diversificar o máximo que pudemos, e achar especialistas de diferentes áreas do conhecimento, que imaginamos que a população já tivesse interesse e que já estivessem na mídia, como vida fora da Terra, transgênicos, vacinas, Big bang, evolução e depressão”, conta Satoru.

“Eu havia sido convidado a participar do ‘Ciência na Paulista’ algumas semanas antes, depois de ter colaborado com o Via Saber com uma entrevista em seu canal de internet. A ideia era ir além do Youtube, sair do conforto do ambiente da universidade e ir para as ruas”, conta Douglas Galante, um dos cientistas sabatinados pela população. “Logo alguns curiosos foram se aproximando, sentando e fazendo as mais variadas perguntas. Filas foram se formando, as pessoas começaram a se sentir à vontade para perguntar dúvidas que sempre tiveram, muitas delas causadas por falta de uma divulgação adequada de ciência, ou por deficiências no ensino”, completa o astrobiólogo (veja o depoimento dele na íntegra).

A bióloga Natália Pasternak, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora dos planetários da cidade de São Paulo, que também esteve na mesa de cientistas da Paulista, achou a iniciativa fantástica e efetiva. E de interação direta com público, Natália entende bem, afinal ela é a coordenadora nacional do Pint of Science (aquele evento que leva cientistas para bater papo sobre ciência na mesa do bar). “Os organizadores ficavam na rua convidando quem estava passeando a tirar suas dúvidas sobre ciência. E as pessoas realmente vinham, formavam até fila”, comemora a pesquisadora.

O bioantropólogo Walter Neves e sua coleção de crânios de primatas

Havia cartazes informando sobre quais assuntos cada cientista poderia tratar. No caso de Natália Pasternak, os temas eram bactérias, vacinas e transgênicos. “O que mais atraiu as pessoas foi vacina. O Brasil está enfrentando uma maratona de desinformação sobre vacinas e as pessoas estão aflitas, então queriam saber se faz mal, se dá autismo e se a imunização funciona mesmo”. A bióloga ficou feliz com as indagações, mas preocupada com o teor das dúvidas.

Sobre bactérias, apareceram menos questões, e sobre transgênicos, chamou a atenção de Natália como as pessoas percebem uma campanha midiática contrária aos transgênicos. “Elas notam que a imprensa fala mal e desconfiam dessa postura. Quando explicamos a história da agricultura e do melhoramento genético, quem tinha dúvidas começa a entender melhor cada ator nesse palco e os processos científicos por trás dos transgênicos”, diz Natália Pasternak.

Do infinitamente pequeno mundo das bactérias para o infinitamente grande mundo do espaço sideral. A física Renata Funchal, professora do Instituto de Física da USP, também respondeu a perguntas intrigantes. “Algumas pessoas mostraram curiosidade em saber sobre os avanços da
física atual: O que é a partícula de Higgs? É possível viajar no tempo? Já é possível realizar teletransporte? Existe antimatéria? Qual a diferença entre matéria escura e energia escura? O que foi o Big-Bang? Buracos negros existem? O que são ondas gravitacionais? Já se comprovou a Teoria de Cordas? E outros fizeram perguntas sobre a física que nãoo compreendem: Por que
um carro protege os seus ocupantes quando recebe um raio de eletricidade, mas um telefone celular tem sinal dentro desse mesmo carro?”, lembra entusiasmada.

Renata achou fascinante a experiência de falar de física diretamente com o público: “A meu ver serviu não só como um meio de transmitir diretamente à sociedade o conhecimento hoje criado nas Universidades e o conhecimento acumulado pelos físicos ao longo de várias gerações, mas também como uma forma de fomentar a curiosidade e de despertar vocações”. (Veja aqui o depoimento de Renata Funchal na íntegra).

Maria Julia Kovács, professora do Instituto de Psicologia USP, também participou do encontro e se junta ao coro dos colegas cientistas: “Mais do que dar respostas, foi muito interessante debater o assunto que predominou nas perguntas a mim dirigidas sobre depressão, um tema tão atual. Pude, em muitos casos, tentar diferenciar o que é tristeza um sentimento humano frequente em situações de separação, frustração e o que é depressão em que predomina uma total falta de animo para realizar qualquer tarefa da vida”, conta. Na sua mesa, outro tema que surgiu foi o suicídio, narrado em depoimento por alguns jovens. “Conversar com jovens e idosos em pequenos diálogos trouxe muitas questões para mim. Contribuir com nossos conhecimentos para a população é uma das tarefas principais, que como docentes devemos realizar. Quero parabenizar os organizadores e dizer que gostaria de contribuir em próximos eventos”, afirma Maria Julia.

Está evidente que os cientistas adoraram a iniciativa e os membros do Via Saber concordam. “Os pesquisadores se encantaram com todas as pessoas que realizaram perguntas, e inclusive se convidaram para participar das próximas edições”, comemora Gustavo Satoru Kijitani. De fato, para os cientistas, poder dialogar frente a frente com quem possui as mesmas dúvidas e curiosidades a respeito do mundo, da vida, do ser humano que um dia eles mesmos tiveram tiveram, remete aos propósitos da divulgação científica: “difundir como a ciência é impactante em nossas vidas e como o conhecimento é maravilhoso”, resume Satoru.

Os organizadores entendem que o público que compareceu foi acima do esperado, teve fila e gente pedindo que o horário se expandisse um pouco mais. Diante disso, outras edições e versões do Pergunte a um(a) cientista já estão sendo gestadas. E eles prometeram que vão avisar o Ciência na rua e convidar nossos leitores e internautas assim que estiver tudo certo.

**A imagem de abertura é de Daniel Salaroli, sócio da Peripécia Filmes e colaborador do Ciência na rua.

 

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