O extrato da erva amazônica jambu (Acmella oleracea) possui diversas aplicações: da culinária, como ingrediente do molho de tucupi, à cosmética, como uma espécie de botox natural. Mas o uso industrial do produto natural é limitado por conta do custoso processo de extração da substância pura responsável por tais propriedades, o espilantol. Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) conseguiram sintetizar em laboratório esse constituinte do jambu de importância comercial, abrindo caminho para sua obtenção em maior escala e novas aplicações.
O trabalho foi um dos apresentados na sede da empresa Natura, em Cajamar (SP), no último dia 25 de agosto, durante o Showcase Natura Campus, que reuniu representantes da empresa e pesquisadores do Programa FAPESP de Pesquisa em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade do Estado de São Paulo (BIOTA). O objetivo foi compartilhar potenciais descobertas de pesquisas científicas para o desenvolvimento de produtos inovadores.
“O encontro foi o primeiro de uma série de rodadas de negócios do BIOTA com empresas, tendo como base as pesquisas realizadas no programa em mais de 15 anos e o conhecimento de excelência que se tem sobre a biodiversidade brasileira”, disse Vanderlan da Silva Bolzani, do Instituto de Química (IQ) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara e membro da coordenação do BIOTA.
“A universidade e a indústria são dois mundos distintos, mas que podem e devem conversar. A riqueza natural gigantesca do Brasil ainda não é correspondida pelo número de patentes e por projetos de inovação que resultem em produtos de alto valor agregado tendo nossa biodiversidade como fonte de inspiração”, avaliou Bolzani.
O processo inovador de síntese do espilantol foi patenteado pelos pesquisadores da Unicamp e teve origem na pesquisaDesenvolvimento de metodologias e processos de síntese empregando uma nova plataforma tecnológica: a síntese de produtos naturais e derivados com potencial atividade farmacológica assistida por micro e mesorreatores contínuos, realizada com apoio da FAPESP.
“Por ser utilizado em diversas aplicações e de grande dificuldade de isolamento, esse composto tem um valor comercial elevado. Desse modo, a síntese orgânica fornece uma boa alternativa para produzir o espilantol de forma mais barata e também para a exploração das atividades biológicas de seus análogos”, contou Júlio Cezar Pastre, do Instituto de Química da Unicamp, coordenador da pesquisa.
As diversas possibilidades de aplicação do espilantol estão relacionadas a suas propriedades analgésicas, antioxidantes, anti-inflamatórias, antifúngicas, antimaláricas, bacteriostáticas e larvicidas contra mosquitos, como o Aedes aegypti. Em cosmética, o interesse está na sua capacidade de descontrair microtensões da pele do rosto, evitando e suavizando rugas.
Inspiração na natureza
A biossíntese é a produção de compostos químicos naturalmente por seres vivos. A síntese orgânica consiste na construção de moléculas orgânicas, como a do espilantol, por meio de processos de reações químicas planejados em laboratório. Dessa forma, explica Bolzani, é possível copiar inúmeros produtos naturais.
“A síntese orgânica é uma área de grande impacto científico e inovação tecnológica e a biodiversidade do Brasil é o laboratório químico mais sofisticado que um cientista pode ter em mãos. Para não devastá-la, reproduzir essa riqueza em laboratório é o ideal. A natureza é inspiração para a arte de construir moléculas: há modelos estruturais de enorme complexidade e tão inusitados sendo biossintetizados que nenhuma mente brilhante imaginaria sintetizar.”
Em outro trabalho apresentado durante o Showcase Natura Campus, pesquisadores do Núcleo de Bioensaios, Biossíntese e Ecofisiologia de produtos naturais (NuBBE) do IQ-Unesp estudaram a Senna spectabilis, conhecida como cássia do Nordeste ou acácia.
A planta biossintetiza um tipo de substância que, após uma modificação química em laboratório, demonstrou ser um potencial inibidor da enzima acetilcolinesterase, relacionada à doença de Alzheimer. Os testes preliminares demonstraram sua eficiência com toxidez mais baixa que a galantamina, fármaco utilizado no tratamento da doença.
Como se trata de uma árvore de grande porte e a molécula é biossintetizada principalmente nas pétalas de suas flores, em períodos anuais de floração e em concentração muito baixas, não foi possível obter a quantidade necessária de matéria-prima para os análogos sintéticos e para que a indústria realizasse ensaios pré-clínicos.
Foi então que o grupo se voltou para a rizosfera da planta, procurando elucidar os mecanismos de interação entre a árvore e os microrganismos que vivem na região onde o solo e as raízes entram em contato.
“Na química ecológica, assim como numa selva, existe uma comunicação aérea, por aromas e moléculas de alta volatilidade no ar, e, também, uma comunicação subterrânea entre vários organismos. Não se trata apenas das raízes, mas também dos microrganismos e de como eles se relacionam com as plantas. A ideia é tentar entender que tipos de moléculas essa microbiota produz e se algumas delas se assemelham às produzidas pelas plantas em suas partes aéreas”, contou Ian Castro-Gamboa, responsável pela pesquisa A rizosfera de Senna spectabilis: estudo das interações planta/microrganismos utilizando ferramentas metabolômicas, realizada com apoio da FAPESP.
Os pesquisadores compuseram uma coleção de microrganismos dessa rizosfera, armazenando 167 tipos de fungos filamentosos e 25 espécies de bactérias. Ao estudar os espécimes, descobriram que moléculas muito similares às biossintetizadas nas flores eram produzidas na rizosfera, bastando apenas algumas poucas modificações em laboratório para que elas pudessem ter a mesma eficácia na inibição da enzima acetilcolinesterase.
“Com a vantagem de que, agora, estamos lidando com microrganismos, que podem ser manipulados mais facilmente e associados à biotecnologia, possibilitando produzir moléculas com valor agregado”, completou Castro-Gamboa.
De acordo com o pesquisador, os microrganismos também biossintetizam moléculas com propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias que poderiam ser utilizadas em diversos produtos. A inovação pode representar uma alternativa ao hidroxitolueno butilado (BHT), composto orgânico antioxidante por muito tempo usado como aditivo alimentar e conservante, inclusive na indústria de cosméticos, mas que foi proibido por oferecer riscos à saúde e ao meio ambiente.
Rita de Cássia Pessotti, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da Universidade de São Paulo (USP), também apresentou pesquisas relacionadas à obtenção de produtos naturais de origem microbiana.
Entre as pesquisas apresentadas por Pessotti esteve o Projeto Temático Novos agentes terapêuticos obtidos de bactérias simbiontes de invertebrados brasileiros, realizado com o apoio da FAPESP e coordenado por Mônica Tallarico Pupo, da FCFRP-USP. O projeto integra o International Cooperative Biodiversity Group (ICBG), formado por uma equipe interdisciplinar de médicos, farmacologistas, biólogos evolutivos e químicos com o objetivo de descobrir agentes terapêuticos produzidos por bactérias que não prejudicam seu hospedeiro.
Foram apresentados, ainda, trabalhos realizados no âmbito do BIOTA por pesquisadores do Instituto de Biociências do Campus Experimental do Litoral Paulista da Unesp, representados por Marcos Hikari Toyama. O pesquisador conduz estudos sobre a enzima fosfolipase A2, secretada em venenos de animais. A linha de pesquisa tem o objetivo de avaliar o potencial anti-inflamatório da enzima.
De acordo com Luciana Hashiba, gerente de Gestão de Inovação e Parcerias da Natura, o encontro pode levar a novas parcerias de pesquisa com o apoio da empresa.
“O BIOTA já é parceiro da Natura de longa data e o que buscamos com esse encontro é estreitar ainda mais os laços e promover maior interação com o ambiente diverso da pesquisa apoiada pela FAPESP, sempre com o objetivo de realizar inovação alinhada ao conhecimento científico”, disse.
Além das parcerias de pesquisa com o BIOTA, FAPESP e Natura são parceiras no Centro de Pesquisa Aplicada em Bem-Estar e Comportamento Humano, formado por uma rede de pesquisadores das áreas de Psicologia e Neurociências da USP, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Sediado no Instituto de Psicologia da USP (IPUSP), o Centro é o primeiro na área de Humanidades criado a partir de modelo de financiamento compartilhado entre uma empresa privada e a Fundação (leia mais em agencia.fapesp.br/23447).
O BIOTA lançou, em junho de 2016, uma chamada de propostas para apoio a pesquisas na área de síntese orgânica de produtos naturais, derivados e análogos. A publicação do resultado da seleção está prevista para o dia 12 de dezembro.