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Dentro e fora, protestos e até um tribunal

No primeiro dia de negociações, ativistas chegam à diplomática zona azul da COP30 em defesa de suas pautas e busca por protagonismo na questão climática 

Marcha Global Clima e Saúde ocupa as ruas de Belém: dia de protesto e confusão na COP30 (Foto: João Paulo Guimarães / Divulgação)

Enquanto líderes mundiais, diplomatas, ministros e secretários se encontram nas salas da zona azul para negociar e debater as medidas que serão adotadas por governos a partir da COP30 para combater o aquecimento global e os impactos da mudança climática, instituições da sociedade civil, organizações não governamentais (ONGs) e ativistas climáticos procuram participar ativamente desse processo em Belém, com intervenções de múltipla natureza, debates intensos, manifestações culturais, eventos paralelos e pressão sobre as negociações.

Assim, a terça-feira, 11 de novembro, deve ficar marcada justamente por essa intersecção sensível na Conferência, quando a sociedade civil, com protestos variados, incluindo uma sessão do Tribunal Internacional pelos Direitos da Natureza, buscou deixar claro que não abre mão de seu protagonismo na questão climática. O primeiro dia das negociações levou suas vozes, mesmo que nem sempre com tranquila acolhida, à zona azul. E foi isso que o protesto de ativistas repelido à noite mostrou. Já a zona verde e os eventos paralelos que se multiplicam fora da programação oficial são zona livre.

Até o começo da noite haviam sido registradas, ao menos, duas grandes manifestações na zona azul. Em um primeiro momento, mulheres de diversos países ocuparam os corredores da parte oficial da COP com faixas e cartazes para lembrar que não é possível pensar em construir políticas climáticas sem considerar a questão de gênero. Dados da própria Organização das Nações Unidas (ONU), mostram que as mulheres são as mais afetadas pelos eventos climáticos extremos e pelas consequências diretas das mudanças climáticas.

A manifestação desse coletivo de mulheres é uma lembrança importante de que as chamadas “minorias” ocupam um papel central nas discussões climáticas e que suas vozes devem ser consideradas e levadas a sério, para que seja possível construir políticas públicas de qualidade.

Depois das mulheres, outros grupos reivindicaram seus direitos também nos corredores da blue zoneO protesto de uma organização que reúne integrantes de 45 países exigia uma maior participação dos povos da floresta nas decisões e na construção de políticas públicas climáticas. Os manifestantes, com faixas, cartazes e performance de uma dançarina de carimbó — expressão cultural típica do Pará — pediam protagonismo na tomada de decisões. Adiante, segundo reportagem do site Sumaúma, outro grupo de ativistas em defesa da Palestina protestou contra o genocídio alimentado por combustíveis fósseis, pedindo a expulsão de Israel da cúpula do clima.

Foi só à noite, entretanto, que a zona azul escalou os seguranças da Conferência para barrar um grupo de ativistas de comunidades indígenas e de movimentos jovens de esquerda que decidiram entrar na área restrita para levar seus protestos, depois de participarem da Marcha Saúde e Clima.

Já do outro lado da cidade, na zona verde da COP30 — aquela que é aberta ao público — uma figura ilustre se fez presente na terça-feira, 11. O cacique Raoni, uma das principais lideranças indígenas do país, lotou o estande do Ministério Público Federal (MPF), onde fez uma palestra.

O cacique falou contra a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, uma proposta polêmica que vem gerando embate entre ambientalistas e setores do governo do presidente Lula. Com sua voz poderosa, Raoní pediu, “me escutem com atenção: vamos nos unir! Vamos ter força. Nós não podemos permitir que essa perfuração aconteça. Nós temos que ser fortes e continuar lutando para que não seja feita essa perfuração”.

Raoni fez ecoar pelos corredores da COP as vozes de tantos e tantas indígenas que não tiveram acesso a sua palestra e que estão lutando por direitos em outras partes da cidade de Belém.

Um tribunal pela natureza

A cerca de 12 km do Parque da Cidade (onde estão as estruturas oficiais da COP30), diversos ativistas, juízes, advogados, povos indígenas, representantes de países do Sul Global e ex-parlamentares se reuniram para a VI Edição do Tribunal Internacional pelos Direitos da Natureza, uma iniciativa da sociedade civil que busca discutir violações sendo cometidas contra a Natureza e contra seus defensores. A iniciativa entende que a crise climática é uma crise de direitos humanos, como disse Mary Lawlor, a relatora especial das Nações Unidas sobre a situação dos defensores de direitos humanos, em uma mensagem de vídeo gravada para o tribunal.

Em Belém, o tribunal foi co-presidido pela brasileira Ana Affinito e pelo nigeriano Nnimmo Bassey. Além deles, compunham a mesa também figuras importantes da política internacional como a princesa Maria Esmeralda, da Bélgica, a atriz e ativista indígena Casey Camp-Horinek, dos Estados Unidos da América e o ex-senador italiano Francesco Martone.

O Tribunal ouviu depoimentos e denúncias de diferentes grupos, de indígenas do Brasil e do Equador, e até de comunidades indianas e chilenas. No evento, o protagonismo realmente ficou na mão dos povos que mais são afetados pelo extrativismo moderno, como a extração de petróleo e as grandes mineradoras. Em um depoimento comovente, a líder indígena equatoriana Josefina Tunki contou das ameaças de morte que passou a receber depois que começou a liderar sua comunidade e sua organização, realizando denúncias principalmente contra a empresa de mineração Solaris.

Outra fala que chamou a atenção foi a da princesa Esmeralda, da Bélgica. Além de se solidarizar com as comunidades ali presentes pelas dificuldades enfrentadas, Esmeralda disse que “Agora depende de nós”, ao falar sobre ação climática e a necessidade de construção de políticas mais efetivas e eficazes para o combate às mudanças climáticas.

Responsável por conduzir quase todo o trabalho do Tribunal, Francesco Martone teve falas duras e contundentes ao longo de todo o evento. A respeito de suas expectativas para os acordos e as negociações na zona azul, Marrone disse ao Ciência na Rua que tem acompanhado as COPs nos últimos 20 anos e pensa que “a maior força e o mais importante que acontece nessas COPs acontece do lado de fora”. Acrescentou que, pelo que se tem visto nos últimos tempos, os governos não estão dispostos a fazer a coisa certa que, segundo ele é “parar de bombear combustível para fora”.

Assim, o 11 de novembro fica marcado como um dia de muita resistência na COP30, muita participação da sociedade civil e muitas tentativas de influir sobre temas de grande urgência para se chegar a soluções rápidas e efetivas para lidar com um problema grave como a crise climática.

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