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COP29: “Estou ciente da decepção que os EUA às vezes causam”, diz enviado americano

Giovana Girardi — Agência Pública

Conferência do Clima começa em Baku sob sombra da vitória de Donald Trump, que ameaça implodir qualquer acordo

A 29ª Conferência do Clima da ONU (COP) começou nesta segunda-feira (11) em Baku, no Azerbaijão, sob a sombra da vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos. Enquanto todo mundo tem pela frente duas semanas de difíceis negociações para resolver o problema de financiamento de ações climáticas, paira no ar o fato de que o maior emissor histórico do planeta – e um dos que mais deveriam colocar dinheiro na mesa – deve abandonar esse barco a partir do ano que vem.

Ao menos essa é a promessa que Trump fez diversas vezes ao longo da campanha, e, como disse John Podesta, conselheiro do presidente Joe Biden para Política Climática Internacional, “nós devemos acreditar nele”.

Organizações não governamentais debateram a questão nesta segunda pela perspectiva de que as demais nações devem tentar suprir essa lacuna a todo custo e não deixar que um país – por mais que sejam os Estados Unidos – estrague tudo. Mas vieram de Podesta as declarações mais contundentes a esse respeito.

O conselheiro da Casa Branca substituiu John Kerry como enviado especial dos Estados Unidos nas conferências de clima, liderando a equipe de negociadores pela primeira vez justo neste ano, quando estão todos prestes a deixar o cargo. Eles estão em uma posição que, em inglês, é apelidada como a de patos mancos, sem muita efetividade, visto que tudo o que eles fizerem ou propuserem aqui em Baku poderá ser desfeito imediatamente por Trump.

Talvez até por isso, em entrevista coletiva – a mais disputada do dia –, Podesta não poupou palavras e quase pediu desculpas ao mundo pelas ações de seu país. “Estou muito ciente da decepção que os Estados Unidos às vezes causam às partes do regime climático, que já vivenciaram lideranças fortes, engajadas e eficazes dos EUA, seguidas de um desengajamento repentino após uma eleição presidencial nos EUA”, afirmou.

John Podesta, conselheiro do presidente Joe Biden para Política Climática Internacional, durante COP 29 em Baku (imagem: Reprodução / UNFCC)

Podesta se referiu não somente aos eventuais retrocessos que virão agora aos atos da administração Biden, mas também a outros dois momentos importantes. Ao primeiro mandato de Trump, que, tão logo assumiu o cargo, em 2017, deu início ao processo para tirar os Estados Unidos do Acordo de Paris – e depois desmantelou vários dos atos ambientais e climáticos de seu antecessor, o democrata Barack Obama.

E ao governo de George W. Bush, que nunca ratificou o protocolo de Kyoto (o primeiro acordo que visava à redução de emissões de gases de efeito estufa). Ele foi adotado em 1997, com a anuência dos EUA, então comandados por Bill Clinton.

Mas o acordo só passaria a valer em 2005 e, quando Bush assumiu, em 2001, ele retrocedeu. A justificativa, como hoje, era que cumprir as metas comprometeria o desenvolvimento econômico dos EUA. Anos antes, em 1992, quando toda essa ideia de que os países precisavam se unir para combater o aquecimento global surgiu, na Rio-92, outro Bush, o pai, já tinha dificultado as coisas e quase impediu um acordo: “O modo de vida dos americanos não está aberto a negociações”, dizia.

Podesta continuou: “E sei que essa decepção é mais difícil de suportar à medida que os perigos que enfrentamos se tornam cada vez mais catastróficos. Mas essa é a realidade. Em janeiro, vamos dar posse a um presidente cuja relação com a mudança climática é capturada pelas palavras ‘farsa’ e ‘combustíveis fósseis’”.

Trump é um notório negacionista do clima e inúmeras vezes disse que o aquecimento global é uma farsa e que vai dar mais incentivos, em seu mandato, para que o país aumente sua exploração de petróleo e gás. Um dos seus lemas de campanha foi “drill, baby, drill”, em referência à perfuração de novos campos.

Trump, logo ao assumir em 2017, iniciou a saída dos EUA do Acordo de Paris e desfez políticas climáticas de Obama (foto? UN Climate Change / Kamran Guliyev)

O chefe da delegação americana buscou, no entanto, afirmar que o comprometimento do país com o combate à crise climática vai além do trabalho de quem ocupa a Casa Branca. E tentou tranquilizar os jornalistas – e provavelmente os delegados dos outros países que estão na COP: apesar de o ritmo provavelmente diminuir a partir do ano que vem, os esforços não vão parar.

“Enquanto o governo federal dos Estados Unidos sob Donald Trump pode colocar a ação climática em segundo plano, o trabalho para conter a mudança climática vai continuar nos Estados Unidos com compromisso, paixão e convicção”, disse.

E seguiu: “Como o presidente Biden disse na semana passada, retrocessos são inevitáveis, mas desistir é imperdoável. Este não é o fim da nossa luta por um planeta mais limpo e seguro. Os fatos ainda são fatos. A ciência ainda é ciência. A luta é maior que uma eleição, um ciclo político em um único país. Essa luta é ainda maior porque todos nós estamos vivendo um ano definido pela crise climática em todos os países do mundo”.

Ele citou os furacões Helene e Milton que atingiram recentemente os Estados Unidos, a pior seca em décadas no sul da África, que “põe 20 milhões de crianças sob risco de desnutrição e morte por fome”, como ele disse. Citou também a seca histórica e as queimadas que atingiram a Amazônia e o Pantanal; as chuvas torrenciais na Espanha e o supertufão Yagi, que atingiu o Sudeste Asiático.

“Nada disso é uma farsa. É real. É uma questão de vida ou morte. Felizmente, muitos em nosso país e ao redor do mundo estão trabalhando para preparar o mundo para essa nova realidade e para mitigar os efeitos mais catastróficos da mudança climática”, complementou.

“O trabalho para conter a mudança climática vai continuar nos Estados Unidos com compromisso, paixão e convicção”, disse Podesta (imagem? Reprodução / UNFCC)

Ele lembrou que, após a primeira eleição de Trump, foi criada uma coalizão de governos subnacionais para continuarem agindo pelo clima independentemente do governo nacional, a We Are Still In (nós ainda estamos dentro). Hoje, disse Podesta, o movimento conta com mais de 5 mil membros, entre estados, empresas, governos locais, nações tribais, universidades, entre outros, e ele conta que serão eles que continuarão os trabalhos.

“Porque o apoio à energia limpa se tornou bipartidário nos Estados Unidos. Cinquenta e sete por cento dos novos empregos em energia limpa criados desde a aprovação da Lei de Redução da Inflação [IRA, na sigla em inglês, a mais importante lei de ação climática dos EUA] estão localizados em distritos representados por republicanos”, disse. “Muitos republicanos, especialmente governadores, sabem que toda essa atividade é uma coisa boa para seus distritos, estados e para suas economias.”

“É justamente porque a IRA tem força que estou confiante de que os Estados Unidos continuarão a reduzir emissões, beneficiando nosso próprio país e o mundo. A economia da transição para energia limpa simplesmente tomou conta.”

Não há muito mais, porém, que Podesta e o governo americano possam fazer agora. Ele disse que, internamente, o governo está tentando acelerar a entrega de fundos que já estavam previstos pelo IRA, além de subsídios para energia limpa. São menos de dois meses de trabalho.

Na COP, há expectativas de que talvez sua delegação não trave as negociações – como muitas vezes os Estados Unidos fizeram, mesmo em anos dominados por democratas comprometidos com a causa, como Obama e o próprio Biden. Como dizem por aí, muito ajuda quem não atrapalha.

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