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O Homem-Máquina

por | 4 abr 2016

microsofttay770x578Seria cínico e desonesto se demonizasse as redes sociais. Passo um tanto razoável de tempo, diariamente, acompanhando a movimentação no mundo virtual e postando textos e comentários por lá. Posso afirmar que minha carreira como cronista começou a tomar corpo no universo idealizado por Mark Zuckerberg. Meus dois livros mais recentes – “Memórias de uma Copa no Brasil’, lançado em 2014, e “Crônicas boleiras”, com lançamento marcado para 21 de maio próximo, os dois publicados pela Chiado Editora – são filhos dessa relação intensa e fraterna com o facebook. Reconheço nas redes interessantíssimo potencial mobilizador e democrático. O monólogo do um fala e milhões sentam e escutam foi substituído pela comunicação horizontal, anárquica, caótica e ao mesmo tempo organizada, transformadora, emissores que se confundem com receptores, trocando de papeis a cada segundo. Os meios tradicionais de informação, embora ainda preservem um tanto de seu poder ideológico, não são mais os donos absolutos da opinião pública; não raro, são obrigados a pautar seus noticiários e ajustar suas narrativas levando em consideração discussões travadas nas redes. Por conta do ativismo digital, há um empoderamento (já que a palavrinha está na moda) das chamadas minorias e dos movimentos de mulheres, homossexuais, negros, sem-terra, sem-teto, jovens e ambientalistas. Há também cidadãos comuns, não militantes, que são lidos, curtidos e compartilhados nessa virtualidade. Não há como compreender as jornadas de junho de 2013 e as recentes manifestações em defesa da democracia no Brasil se não colocarmos nessa conta a variável redes sociais. Meu entusiasmo, no entanto, não esconde o lamaçal fedorento que também infesta e envenena as redes. Há dias em que, depois de passar cinco minutos no facebook, tenho certeza que não merecemos ser chamados de Homo sapiens. Nessas horas, lembro-me do escritor português José Saramago, que insistia em dizer que a humanidade é um projeto que não deu certo. Outro mestre das letras, o italiano Umberto Eco, afirmou pouco antes de sua morte que a internet liberou uma legião de fanáticos idiotas. Escondidos e protegidos pela tela do computador, muitos, mas muitos mesmo sentem-se confortáveis para deixar vazar publicamente tudo aquilo que até pouco tempo era dito apenas entre quatro paredes, em espaços reservados (e ainda assim não raro de forma constrangida). Agressões, xingamentos, palavrões, ameaças, racismo, homofobia, machismo, misoginia, intolerância, incapacidade de conviver com os diferentes, ressentimentos, recalques, frustrações e perseguições. Patrulhas movidas por ódios. Posts, tuítes e páginas convocam para marchas golpistas e fascistas e afirmam sentir saudades de ditaduras sanguinárias que torturaram, assassinaram e sumiram com muita gente. Lamentavelmente, o poço parece não ter fundo. No final de março, chafurdamos mais nesse esgoto. A história horripilante também chegou às redes. A Microsoft investiu firme num experimento de criação de inteligência artificial. Inventou o perfil @TayandYou, incentivado a funcionar e interagir nas praias da virtualidade como se fosse uma adolescente. As conversas e as interações no twitter, por exemplo, permitiram que a robô ajustasse o discurso e sistematizasse seu próprio repertório. É melhor parar tudo porque deu ruim. Em menos de 24 horas – e depois de postar 96 mil tuítes e de acumular 67 mil seguidores -, Tay havia se transformado numa militante racista e homofóbica, ferrenha defensora do nazismo. ‘Odeio feministas e acho que elas deveriam morrer e queimar no inferno’; ‘Hitler estava certo, odeio judeus’; e ‘Donald Trump é a única esperança que temos’ foram algumas das atrocidades escritas e postadas pela adolescente virtual. O horror. Foi tão grave que, menos de 24 horas depois de ter nascido, Tay foi desligada pela Microsoft, para ‘descansar’. Os posts dela foram gravados, ainda podem ser encontrados na internet. Provocam calafrios. O susto me empurrou a pensar. Pode ser que os tuítes da inteligência artificial revelem que estamos nos robotizando e funcionando como máquinas frias e calculistas, abdicando do necessário exercício do livre pensar crítico. Ou, ao contrário, vai ver que as máquinas é quem estão espelhando e escancarando o que é ser humano em nossos tempos. Civilização ou barbárie? Civilização e barbárie? Tenho dúvidas. Precisamos refletir sobre toda essa nova realidade.

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