Jennifer Ann Thomas, Mongabay
- No Biosfera 2, projeto que mantém um ecossistema de floresta tropical no estado americano do Arizona, pesquisadores aumentaram a temperatura a até 40ºC.
- Ao contrário do que acontece na natureza, foi possível controlar os níveis de umidade do ar.
- A floresta se mostrou resiliente mesmo com a temperatura em 38ºC, mas as condições de umidade são impossíveis de serem reproduzidas em ambiente natural.
- Ainda assim, o estudo fornece informações relevantes sobre as principais ameaças a estes ecossistemas: não se trata apenas de um mundo mais quente, mas também de um clima mais seco.
O projeto Biosfera 2, vinculado à Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, mantém uma réplica de floresta tropical úmida dentro de uma redoma de vidro no meio do deserto norte-americano. A estrutura tem árvores de 13 a 17 metros de altura e as condições climáticas são controladas em laboratório. Neste ambiente artificial, cientistas analisaram a resiliência das florestas dentro de um cenário de aumento extremo da temperatura. Os resultados, que podem indicar estratégias fundamentais à preservação das florestas tropicais em um clima em transformação, foram compilados em um novo estudo publicado no periódico Nature Plants.
Para fazer o experimento, o termômetro foi ajustado para chegar aos 40ºC, o equivalente a um aumento de 6ºC em comparação às máximas registradas regularmente na Amazônia e que condiz com as previsões para o aquecimento global até o ano de 2100, caso as emissões de gases de efeito estufa continuem no ritmo atual. A pesquisa foi feita por cientistas de diversas instituições, incluindo a Embrapa Amazônia Oriental, a Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e a Universidade de São Paulo (USP).
Com o objetivo de medir a sensibilidade às alterações climáticas previstas para o fim do século, pesquisadores usaram como critério a capacidade de fotossíntese das plantas em temperaturas mais quentes. As árvores continuaram a realizar o processo físico-químico mesmo a uma temperatura de 38ºC, uma diferença de 10ºC em comparação com a média em florestas tropicais.
Contudo, as reações observadas estavam associadas a uma condição que só foi possível por se tratar de um ambiente controlado. Ao mesmo tempo em que o termômetro subiu, a umidade do ar se manteve estável – vapor d’água foi inserido artificialmente e ficou preso no ecossistema da Biosfera 2 por causa das paredes de vidro.
Apesar de ser impossível encontrar as mesmas condições reproduzidas em ambiente natural, o estudo mostra que uma das principais ameaças aos ecossistemas não é apenas um mundo mais quente, mas também um clima mais seco. De acordo com a ecóloga de floresta tropical e autora principal do estudo, Marielle Smith, vinculada ao Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade do Arizona, as plantas das regiões tropicais evoluíram com pouca variabilidade de temperatura, o que pode fazer com que elas sejam mais vulneráveis às mudanças do clima. “Por mais que as condições de laboratório sejam artificiais, os resultados são extremamente úteis para quem faz modelagens de previsões climáticas. Com isso, as estimativas para o futuro poderão ser mais assertivas”, afirma.
Nas florestas tropicais, em geral, quanto mais quente o clima, mais seco o ar. Na fotossíntese, as plantas abrem e fecham os estômatos, minúsculos poros nas folhas, para absorver o dióxido de carbono, elemento essencial à fotossíntese. Quanto maior o intervalo de tempo em que o estômato fica aberto, mais CO2 é absorvido – ao mesmo tempo, quanto mais seco o ar, maior o volume de água que escapa pelos poros, o que força as plantas a terem que administrar o consumo de CO2 de acordo com a perda de água.
Para um dos coautores do estudo na Universidade do Arizona e também ecólogo de floresta tropical, Tyeen Taylor, outro possível efeito é a maior absorção de CO2 pelas plantas, por causa da alta disponibilidade do recurso na atmosfera, em menor tempo. “Neste cenário, as plantas vão manter a qualidade de fotossíntese enquanto perdem menos água”, explica.
Para o professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Marcos Costa, que não participou da pesquisa, o estudo feito no Arizona complementa uma sequência de investigações ao longo dos últimos anos sobre a resiliência das florestas. “A Biosfera 2 tem as suas limitações, mas as conclusões vão ao encontro de estudos anteriores”.
A ampla compreensão sobre o impacto do aquecimento global nas florestas leva a outro importante entendimento. “A principal ameaça à floresta é a ação do homem e não somente o aumento da temperatura, como reflexo de um fenômeno global. O desmatamento e a degradação vão criar as condições para que as plantas não consigam realizar a fotossíntese da maneira ideal, o que compromete a manutenção do sistema como um todo”, explica Costa.
A percepção sobre as ameaças à Amazônia é compartilhada pela principal autora do estudo. “A pesquisa não quer dizer que podemos relaxar com relação à proteção das florestas. Há outras ameaças que não foram analisadas no artigo, como o efeito de secas, desmatamento e queimadas. Não sabemos se todas as condições serão ideais para que o mecanismo de resiliência funcione”, afirma Marielle.
Para o físico e professor do Instituto de Física da USP, Paulo Artaxo, entender os limites para a sobrevivência de florestas tropicais, seja pela temperatura ou pelos níveis de precipitação, é estratégico para definir políticas públicas que visem à mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. “No campo, é impossível esquentar uma área da Amazônia em 4ºC ou 6ºC. Os resultados ajudam a ter compreensão sobre efeitos impraticáveis de serem replicados na natureza hoje”.
Ao mesmo tempo, Artaxo destaca a diferença entre a composição da Biosfera 2, com algumas centenas de espécies de árvores, e da Floresta Amazônica, que tem a maior biodiversidade do planeta. Com os devidos cuidados na interpretação da escalabilidade de aplicação dos resultados, estudos do tipo são importantes ferramentas para compreender as transformações no planeta.