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Isolamento social no Brasil reduziu transmissão do coronavírus pela metade, diz estudo na Science
Covid-19

por | 27 jul 2020

Júlio Bernardes, Jornal da USP

Mesmo adotado depois que vírus se espalhou, isolamento foi capaz de diminuir taxa de transmissão de 3 para 1,6 contaminados por pessoa infectada. Liderada por brasileiros, pesquisa mostra como é possível reconstruir a evolução da epidemia no Brasil a partir do genoma do vírus

São Paulo SP 29 04 2020- As ações de conscientização não param! Na manhã de hoje (29), equipes de saúde estavam em Paraisópolis, zona sul, para conscientizar a população sobre a importância do isolamento social (Foto: PMSP)

As medidas de isolamento social implantadas no Brasil a partir de março conseguiram reduzir pela metade a taxa de transmissão do coronavírus, revela estudo internacional liderado por pesquisadores brasileiros. A partir de análises genéticas, epidemiológicas e de dados de mobilidade humana, os pesquisadores concluíram que houve mais de 100 entradas do vírus, originárias principalmente da Europa. No entanto, apenas três dessas entradas deram início à cadeia de transmissão do vírus no Brasil, entre o final de fevereiro e o começo de março. O isolamento social, apesar de adotado depois que o vírus se espalhou, diminuiu a taxa de transmissão de 3 para 1,6 contaminados por pessoa infectada. O estudo foi coordenado pelo Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE).

 

As conclusões do trabalho são relatadas em artigo publicado em 23 de julho na revista Science. De acordo com a professora Ester Sabino, do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo (IMT) da Universidade de São Paulo (USP), uma das pesquisadoras que participou da elaboração do artigo, o estudo é uma continuidade do primeiro sequenciamento genético do coronavírus no Brasil, realizado em fevereiro deste ano pelo IMT, em parceria com o Instituto Adolfo Lutz e a Universidade de Oxford, no Reino Unido. “É um trabalho de vigilância contínua, para verificar como o vírus está evoluindo e a sua dispersão, a partir de amostras coletadas desde março até o final de abril”, explica. O pesquisador Darlan Cândido, da Universidade de Oxford, primeiro autor do artigo, aponta que a partir do genoma do vírus é possível reconstruir a história da epidemia no Brasil. “A análise permite fazer isso tanto no tempo quanto no espaço, ou seja, quando o vírus chegou e onde se espalhou.”

 

Os pesquisadores sequenciaram 427 genomas do vírus SARS-CoV-2 a partir de amostras coletadas em 85 municípios de 21 Estados brasileiros. “Em seguida, os dados genômicos foram combinados com dados epidemiológicos e de mobilidade humana para investigar a transmissão do vírus em diferentes escalas”, aponta o pesquisador William Marciel de Souza, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) um dos autores do artigo. “Também foi verificado o impacto das medidas de Intervenção Não Farmacêutica (INFs), ou seja, das medidas de distanciamento social, como fechamento de escolas, comércio e redução da mobilidade no controle da epidemia no país.”

 

A pesquisa identificou mais de 100 introduções distintas do SARS-CoV-2 no Brasil, originárias de pessoas que vieram da Europa. “A maior parte das introduções foi identificada nas capitais com maior incidência de voos internacionais, como Belo Horizonte, Fortaleza, Rio de Janeiro e São Paulo”, ressalta Marciel de Souza. “Apenas uma pequena parcela dessas introduções resultou nas linhagens que se dispersaram por transmissão comunitária no território brasileiro.”

 

Os cientistas identificaram 18 subtipos (linhagens) diferentes entre os vírus introduzidos no Brasil, e que 76% dos vírus dispersados pertenciam a apenas três linhagens, chamadas de “clados”, que chegaram ao País no início de março. “Uma linhagem predomina no Estado de São Paulo, outra se espalhou pelo país inteiro, mas, principalmente, na região Sudeste, e a terceira é encontrada no Ceará”, relata Ingra Morales Claro, pesquisadora do IMT e da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) que também integra o grupo de pesquisadores. “Apenas três grupos, em mais de 100 entradas, conseguiram estabelecer uma cadeia de transmissão do coronavírus. O vírus do primeiro sequenciamento, por exemplo, não foi responsável pela epidemia, ou seja, a transmissão não aconteceu a partir do primeiro caso descrito”, explica Ester.

 

Espalhamento

 

Segundo a professora Ester, os dados da pesquisa revelam que o espalhamento do vírus aconteceu antes das intervenções que começaram a reduzir a mobilidade dentro do território brasileiro, inclusive com o fechamento do comércio e das escolas, implantadas principalmente a partir de meados de março. “Isso quer dizer, a ausência de restrições de movimentação e de aglomerações pode ter facilitado o início da transmissão”, observa. “Duas das linhagens entraram no Brasil pelo Sudeste e num primeiro momento se espalharam dentro dessa região, mas depois de 21 de março elas começaram a atingir Estados de outras regiões, com um aumento na migração do vírus”, aponta Cândido.


Com base em dados epidemiológicos calculados a partir de informações de mobilidade humana (dados de celular anonimizados) e do número de casos registrados no Rio de Janeiro e em São Paulo, o estudo revela que as INFs, embora tenham sido insuficientes, ajudaram a reduzir a taxa de transmissão do vírus, que foi estimada inicialmente em 3, superior até a média no auge da epidemia da Europa, para 1,6. “Isso quer dizer que no começo da cadeia de transmissão, cada pessoa infectada transmitiu o vírus para outras três pessoas, e com as intervenções, um infectado passou a contaminar menos de duas pessoas, em média”, afirma Ester.

A professora aponta que o cenário ideal seria que a taxa de transmissão fosse reduzida para menos de 1. “Com o índice atual, a epidemia permanece crônica, podendo se manter por muito tempo”, diz. Segundo Marciel de Souza, os resultados da pesquisa evidenciam que o aumento do contato humano também amplia a transmissão do vírus. “Essas medidas sociais e de saúde pública desempenharam um papel essencial na redução do número de infecções, e salvam vidas.”

 

A maior parte das amostras analisadas na pesquisa é do Estado de São Paulo, o local com maior número de casos de covid-19 no Brasil até o momento, seguido de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Ceará. “Porém, como a epidemia ainda está em curso, mais estudos serão importantes para compreender a dinâmica do vírus nas diferentes regiões do País”, conclui Marciel de Souza.

O artigo Evolution and epidemic spread of SARS CoV-2 in Brazil foi publicado pela revista Science em 23 de julho. A pesquisa foi coordenada pelo CADDE (www.caddecentre.org), e envolveu pesquisadores britânicos e brasileiros de diversas instituições, como a USP, Unicamp, Fundação Getúlio Vargas (FGV), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), as universidades federais do Rio de Janeiro (UFRJ), Minas Gerais (UFMG), Uberlândia (UFU), Roraima (UFRR) e da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp). O estudo teve apoio das fundações de amparo à pesquisa dos Estados de São Paulo (Fapesp), Rio de Janeiro (Faperj) e Minas Gerais (Fapemig), Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovações (MCTI), Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq), Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Financiadora de Estudos e Pesquisas (Finep), Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), L MRC e Wellcome Trust.

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