Luiza Caires, Jornal da USP
Até a tarde desta segunda (03), já eram 17 mil infectados e 360 mortes passados menos de dois meses desde que foram identificados os primeiros casos, na China, de um novo vírus da família coronavírus [atualização do Ciência na rua: na terça-feira, 4, o número de mortes passou de 400]. O grupo tem entre os seus representantes vírus que já nos incomodam há muitos anos, com simples resfriados, mas também variantes mais recentes e preocupantes, como as que apareceram no começo dos anos 2000, causando as epidemias de Sars (Síndrome Respiratória Aguda Grave) e Mers (Síndrome Respiratória do Oriente Médio).
Estes últimos atingiram a nossa saúde com mais força especialmente pelo fato de serem novos. “O nosso sistema de defesa ainda não foi preparado para combatê-los. Assim, são capazes de se espalhar mais e há a possibilidade de causarem uma doença um pouco mais agressiva, que é o que testemunhamos nestes três episódios”, explicou o infectologista da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) Esper Kallas.
Mas como exatamente surge um vírus “novo”? O virologista da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP Paulo Eduardo Brandão segue de perto a evolução dos coronavírus, e sabe que estes organismos têm uma elevada velocidade de mutação. O 2019-nCoV, como foi chamado, tem muito em comum com os causadores de Sars e Mers. Além da transmissão se dar por vias áreas (contato com secreções de pessoas infectadas em pequenas gotículas – aerossóis – que podem ser espalhadas pelo ar) e das complicações respiratórias que podem gerar, como pneumonia, os três vírus chegaram até o ser humano através do morcego – o que não acontece com aqueles dos resfriados conhecidos desde a década de 1960, que desde o surgimento infectam apenas humanos.
“O novo vírus é muito próximo ao da Sars, com 85% de identidade, e outras partes do genoma que são recombinações com algum outro coronavírus que ainda não se conhece. Mas sua origem, pelos dados genéticos que já temos, é o morcego”, diz o pesquisador.
Nas outras doenças, morcegos doaram o vírus para um intermediário – o dromedário, no caso da Mers, e um mamífero chamado civeta, no da Sars – e a partir disso o vírus chegou até o ser humano. Segundo Paulo Brandão, ainda não se sabe se há algum intermediário entre o morcego e o humano para o 2019-nCoV, apenas que o centro do surto foi um mercado que vendia animais vivos na cidade de Wuhan, na China. Isso não quer dizer que alguém precisa ter comido um morcego ou outro animal infectado. E certamente não foi o caso de uma pessoa mordida por um morcego, já que a transmissão se dá somente pela via respiratória. Já a manipulação de animais para o preparo ou mesmo a inspiração de aerossóis com fezes de morcego contaminadas seriam meios possíveis.
A transmissão entre pessoas, por sua vez, se dá apenas a partir de um contato muito próximo. “Se o vírus cair num copo, por exemplo, é mais difícil haver infecção. A transmissão indireta não é eficiente como a de uma pessoa falando bem perto de outra, por exemplo, mas acontece”, explica o virologista, ressaltando que, ainda assim, todas as medidas de higiene básicas devem ser reforçadas.
De acordo com ele, cada pessoa infectada gera em média mais dois ou três casos, uma taxa de transmissão relativamente baixa. Infecções virais podem originar os chamados “supertransmissores”, capazes de infectar até dezenas de pessoas, mas são uma exceção – pacientes que por alguma característica genética estão mais suscetíveis a desenvolver uma elevada carga viral (porque o vírus se multiplica com mais facilidade no seu organismo), ou que não apresentam sintomas e, por isso, não tomam precauções para evitar o contágio de outros. Em relação ao 2019-nCoV, há suspeita de um caso assim na China, mas nada conclusivo.
Saber que a transmissão é por via aérea preocupa, mas também dá o caminho para interromper o processo. “Não temos medidas específicas ainda: é usar máscaras nos locais mais afetados, lavar as mãos com frequência, evitar aglomerações e fazer o isolamento dos pacientes suspeitos durante o período de duas semanas”, diz o professor da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP Eliseu Waldman. É a quarentena, que já foi usada contra a Sars, mas que desta vez foi acompanhada de uma medida mais radical: um cordão sanitário, com o bloqueio da cidade de Wuhan. Sem relativizar todas as violações que acontecem em ditaduras, o fato de a China ser um regime autoritário acabou favorecendo o controle maior por parte do governo.