jornalismo, ciência, juventude e humor
Webinar debate marcas da maldade na atual política nacional

Terceiro evento da série “Novos estudos para decifrar o Brasil contemporâneo” trará professores de Filosofia da UFBA e da USP

A série de webinars “Novos estudos para decifrar o Brasil contemporâneo”, organizada pelo Instituto Ciência na Rua, vai abordar o tema “Marcas da maldade na política” – sem risco de tratamento piegas e, ao contrário, privilegiando um olhar filosófico acessível aos não especialistas – nesta quinta-feira, 7, das 11 horas ao meio-dia e meia.

Os palestrantes são os professores de filosofia João Carlos Salles, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e Tessa Lacerda, da Universidade de São Paulo (USP). A apresentação é de Mariluce Moura, diretora do Instituto Ciência na Rua, que dividirá a condução jornalística do debate com Tomás Chiaverini, criador do podcast Rádio Escafandro. O webinar será transmitido ao vivo pelos canais no Youtube do Ciência na Rua e de Bob Fernandes.

De certa forma, as críticas contundentes que os dois palestrantes, em diferentes esferas, têm endereçado ao governo Bolsonaro e ao bolsonarismo articulam-se a marcantes reflexões anteriores em seus percursos acadêmicos. Assim, os artigos de Salles sobre a natureza e a crise da universidade pública brasileira e a respeito dos virulentos ataques contra ela desferidos pelo novo governo, multiplicados desde 2019 e que em parte compuseram o livro Universidade Pública e Democracia (2020), têm antecedente inequívoco num curto artigo de 2016, “As dimensões do mal”, originalmente publicado na revista Cult de 22 de julho daquele ano, quando ainda se esboçava o verdadeiro projeto fascista da extrema direita nacional que chegaria ao poder.

Shakespeare e Macbeth foram inspiradores para levar Salles, que admite que “falar do mal sabe a pieguice, mas o momento é propício”, a dizer nesse artigo que “o mal faz querer com pressa, com volúpia. Assim, se não se sente representado ou garantido, opera pelo descrédito e pela destruição”. E ainda que “o mal é impaciente. Tem sempre pressa e, afoito, prefere os meios da pressa, como o deboche e um tipo tosco da ironia, qual seja, a que escolhe o cinismo em vez da crítica. Da mesma forma, prefere a condenação ao julgamento, o boato à verdade, sendo capaz até de, retirando-lhe o contexto, tornar a verdade um mero boato. É assim difamatório, mesmo quando não calunioso, e calunioso, inclusive quando não difamatório.”

Por sua vez, os comentários de Lacerda em “Bolsonaro sorri na terra da maldade”, episódio 46 do podcasts Rádio Escafandro, de 14 de abril deste ano, vinculam-se aos vários artigos que ela vem elaborando desde 2013 sobre os impactos, no cenário político nacional, da inexistência de uma efetiva justiça de transição no processo brasileiro de redemocratização pós 1985 e da não transformação, até hoje, dos testemunhos e memórias da ditadura de 1964-1985 em história.

Entretanto, é possível encontrar a questão do mal, tratada exatamente sob o intertítulo “O mal”, ainda em sua dissertação de mestrado, de 2001, que resultou no livro A política da metafísica: teoria e prática em Leibniz (2005). De todo modo, Hannah Arendt é certamente inspiração maior que o otimista Leibniz, deliciosamente ironizado por Voltaire em Cândido, ou Otimismo, quando no texto da palestra que apresentou em julho, na reunião da SBPC deste ano, “Memória, história e testemunho: narrativas sobre a ditadura de 1964-85 e seu impacto hoje” diz: “Por que não podemos calar? Não se trata de queixa ou vitimização (que levaria à inação); não se trata de ressentimento (vocabulário dos militares brasileiros para desqualificar o discurso dos atingidos pela ditadura); não se trata de uma celebração vazia pelo “dever da memória”. A tentativa de dizer o indizível por meio de silêncios e de um discurso que, como a memória, é penetrado por lacunas, tem, sem dúvida, um valor terapêutico para aquele que fala; mas tem principalmente um valor político. Falar é assumir para si uma tarefa política e uma tarefa ética”.

Sobre os palestrantes, vale dizer que João Carlos Salles é reitor da UFBA há dois mandatos, desde 2014, foi presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), na gestão 2019-2020, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (Anpof) de 2002 a 2006 e da Sociedade Interamericana de Filosofia (SIF) de 2013 a 2019. Graduado e mestre pela UFBA, doutor em filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é autor de 14 livros, parte deles voltada à análise da obra de Wittgenstein.

Tessa Lacerda é graduada, mestra, doutora pela USP e tem um pós-doc pela mesma universidade. É membro da Comissão de Defesa de Direitos Humanos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP), membro da diretoria da Anpof, faz parte do Grupo de Estudos Espinosanos da USP e coordena o NÓS – Grupo de estudos sobre Feminismos. Analista da obra de Leibniz, agregou a esse campo nos últimos anos os estudos sobre a ditadura brasileira, os feminismos e o racismo.

Por fim, uma palavra sobre Tomás Chiaverini, cuja produção “Bolsonaro sorri na terra da maldade” – com participação, além de Tessa Lacerda, de Frei Beto, do psicanalista Joel Birman, e de Marcelo Loreno, atualmente diretor de uma clínica de recuperação, ex-presidiário e ex-liderança do Primeiro Comando da Capital (PCC) –, chamou nossa atenção para a possibilidade de se tratar crítica e criativamente do tema da maldade na política e, também, para a alta qualidade do podcast Rádio Escafandro, a que se dedica com exclusividade desde 2019. Ele é escritor e jornalista, formado em 2004, autor dos romances “Correio do Fim do Mundo” e “Avesso”, dos livros-reportagem “Cama de Cimento” e “Festa Infinita”. Escreveu para a Folha de S.Paulo, revista Piauí, The Intercept, Agência Pública, entre outros veículos, e foi editor-chefe do programa Roda Viva, da TV Cultura.

Compartilhe:

Acompanhe nas redes

ASSINE NOSSO BOLETIM

publicidade