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Uma proposta de “evolução para todas”
Divulgação científica

por | 25 nov 2019

fotos: Larissa Alves Leonardo

Noite ameaçando ser chuvosa, mas às sete e meia, hora marcada no convite enviado por Mariana Inglez, quase toda a moçada (deveria dizer a galera? O bonde?) que participaria daquele primeiro encontro já estava numa sala de conferências do Impact Hub, em Pinheiros. Ao fundo, uma mesa atraente, com sanduiches, garrafas de refrigerantes e água mineral, iria segurar a fome até as dez, hora prevista para o encerramento do workshop.

O que ia acontecer era a apresentação de um projeto de divulgação científica e inclusão, o “Evolução para todas”, sediado no Laboratório de Antropologia e Arqueologia Ambiental e Evolutiva, o LAAAE, da Universidade de São Paulo (USP), onde Mariana é doutoranda. E havia pressa, porque uma experiência piloto do projeto já está programada para dezembro. De forma bem sintética, seu objetivo geral é levar ciência, tecnologia, arqueologia e evolução humana a públicos não especializados.

Lisiane Müller e Mariana Inglez

Esse propósito, entretanto, é quase do tamanho do mundo e, focando mais, uma vez que as formuladoras do projeto têm compromisso visceral também com o papel da mulher na ciência e, sobretudo, com a presença de mulheres negras no meio científico, seu objetivo específico é familiarizar meninas de áreas periféricas da cidade com a ciência, especialmente, com a arqueologia e a evolução humanas. Digamos, interessá-las para esse campo, mobilizá-las. Há que conhecer essa ciência feita também por mulheres, especialmente também por mulheres negras, para que possam se identificar com elas, saber que, sim, podem se tornar novas pesquisadoras… É uma estratégia, entre tantas outras que precisam se somar para a inclusão e a promoção da diversidade no meio científico.

Em torno das oito da noite, uma dezena e meia de jovens – e mais eu mesma – formaram um semicírculo na sala, olhos postos em Mariana Inglez e no telão em que ela exibiria as imagens que guiariam sua apresentação do “Evolução para todas”. Perto dela estava Lisiane Müller, outra responsável pelo projeto; a terceira, Eliane Chim, não pudera comparecer porque estava em trabalho de campo — ambas são mestrandas no LAAAE. Mari, como os amigos e colegas a chamam, começou explicando que a atividade piloto do projeto se tornara possível com o apoio da Rede de Jovens Talentos da Fundação Arymax. Em setembro haviam inscrito o projeto num edital dessa instituição e ganharam o fomento para o piloto.

Um dos slides apresentados no encontro

Representantes da Arymax, Leila Santos e Natalie Trevisan falaram sobre os propósitos da Fundação, defenderam as políticas afirmativas para a inclusão de meninas da periferia na universidade e no mercado de trabalho, e abordaram a necessidade de construção de novas formas para expor as barreiras de gênero e do racismo na academia. Expuseram seus próprios percursos individuais nesse sentido.

A propósito, mulheres eram presença dominante na reunião, apenas três rapazes integravam o grupo, formado principalmente por pós-graduandos e jovens professores da USP. Mari Inglez retomou a apresentação com a desenvoltura de quem já falara dezenas de vezes a públicos grandes e pequenos em seus dez anos de trabalho com arqueologia. Valeu-se de dados bastante atualizados da Oxfam e da Dados e Gênero, entre outras fontes, para mostrar a persistência das barreiras de gênero e raça à carreira de pesquisadoras científicas no Brasil. Assim, se percentualmente as mulheres são hoje pouco mais da metade dos estudantes na pós-graduação, ou seja, na base da carreira, entre bolsistas de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que se pode tomar como equivalente ao topo, elas são 34,2% do total. Mas, ressalte-se, apenas 3% desses bolsistas são mulheres negras.

Feito o percurso nesse sentido, com contribuições também de Lisiane e muitas trocas de ideias com o grupo, Mari explicou a atividade piloto do “Evolução para todas”. Primeiro, dia 9 de dezembro, há um encontro de trabalho na USP; dia 12, um grupo de meninas de 15 a 20 anos, para cuja formação Mari pediu indicações de todos os presentes que tinham contato com iniciativas em bairros periféricos e escolas públicas, fará uma visita ao Catavento Cultural; dia 16, esse mesmo grupo visitará o LAAAE-USP e o MAE, o vizinho Museu de Antropologia e Etnografia da universidade; por fim, dia 19, provavelmente, é tempo de confraternização.

A conversa animada que se seguiu à apresentação, até o fechamento da sala no Hub, demonstrou vontades e indícios de que múltiplas iniciativas voltadas à divulgação científica para jovens, principalmente das periferias, possam constituir uma rede capaz de vencer a pulverização e potencializar esse trabalho. O plano tem desde já a adesão entusiasmada do Ciência na rua.

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