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Sem ensino e sem trabalho, esfuma-se o futuro de parte dos jovens brasileiros

Ilustração de Nara Lacerda

Enquanto traça um cenário quase idílico das novas carreiras promissoras, pesquisa constata a falta de horizontes para quase um terço da população de 14 a 29 anos

O Instituto Cíclica em parceria com o Instituto Veredas, sediados respectivamente em Porto Alegre e em São Paulo/Brasília, com apoio de algumas das grandes fundações empresariais do país, divulgaram há cerca de 10 dias os resultados do estudo O futuro do mundo do trabalho para as juventudes brasileiras (disponibilizado em pdf por várias instituições).

O lançamento valeu debate no Canal Futura entre especialistas em educação e trabalho, representantes do governo federal, de organizações não governamentais, empresas e até, digamos assim, representantes dos objetos diretos da pesquisa – os jovens mesmo (nos publicaremos em breve a transcrição do que eles disseram).

Entre os principais dados debatidos, se inclui este: 27% dos mais de 50 milhões de jovens brasileiros de 14 a 29 anos – eles são cerca de 24% da população do país – não estudam nem trabalham. São aqueles que, no debate, alguém disse prefeir chamar de sem-sem, em lugar do nem-nem que os responsabiliza pela situação .E aqui uma observação se faz necessária: justo seria que a extremidade mais nova desse intervalo, os adolescentes de 14 a 18 anos, realmente não trabalhassem, apenas estudassem. E mesmo no tempo mais frequente da graduação, dos 18 aos 23 anos de idade, num cenário ideal o trabalho teria certos condicionantes, seria regulado para se articular bem com as exigências da formação universitária.

Entretanto, permanece no país um certo empenho em mandar adolescentes de famílias de trabalhadores para uma dura labuta diária, a partir dos 14 anos, que contamina há décadas o debate sobre a educação formal na faixa etária de 14 a 18 anos, ou seja, o ensino médio, muitas vezes com suas roupagens de ensino técnico ou profissionalizante.

A ideia original por trás da defesa veemente que próceres de certas elites econômicas fazem do ensino profissionalizante, e já ligado a postos de trabalho, é a de que os pobres não tinham que ir à universidade e muito menos fazer escolhas segundo suas vocações ou sonhos – deveriam tão somente compor a força de trabalho minimamente preparada para sustentar o desenvolvimento econômico. Nesse sentido montaram-se, por exemplo, os liceus de artes e ofícios em meados do século XIX, os liceus industriais na década de 1930 e, na década de 1940, a rede federal de estabelecimentos de ensino industrial, composta por escolas técnicas, industriais, artesanais e de aprendizagem (Decreto-Lei nº 4.127/42).

Ora, se já não é possível expressar claramente esse pensamento tão ilustrativo da velha luta de classes quando a adoção das cotas sociais e raciais na universidade pública, por exemplo, obrigou essas elites a engolir a existência de um novo paradigma de futuro para os jovens de famílias trabalhadoras, essa mesma ideia, sob disfarces, subjaz no debate atual do ensino médio. Ou, como se diz eufemisticamente hoje, no debate da educação para a inclusão produtiva dos jovens.

 

Mas é tempo de voltar a outros dados apresentados pelo estudo. Importante saber por exemplo que 39% do mesmo grupo populacional enfocado somente trabalham, 15% somente estudam, 14% estudam e têm empregos e 5% estudam, mas são desempregados.

Vale também prestar atenção à informação de que cerca de 60% dos jovens brasileiros de 14 a 29 anos são pessoas pretas ou pardas, também cerca de 60% vivem com até dois salários mínimos e nada menos que 85% da totalidade dessa população vivem nas áreas urbanas.

Construídas essas bases estatísticas, que já retiraram o Brasil de um cenário de bônus demográfico (quando a população de 14 a 29 anos está em seu percentual mais elevado face ao conjunto, o que foi atingido em 2009), mas ainda o mantém em situação algo confortável para traçar estratégias de crescimento econômico baseado no trabalho dos jovens, o estudo examina as transformações do mercado de trabalho. E as articula a setores e carreiras que entende como promissoras para a inclusão produtiva dos jovens.

A metodologia de pesquisa que levou ao panorama apresentado envolveu, segundo os responsáveis, análise de mais de 500 publicações que abordam o tema juventude e trabalho e incluiu a aplicação de um questionário para 34 empresas. O dossiê assim composto pertence agora à Fundação Roberto Marinho em associação com o Itaú Educação e Trabalho, e mais as fundações Arymax, Telefônica Vivo e Goyn SP.

Economia verde e prateada

No diagnóstico das mudanças no mercado de trabalho o estudo apresenta alguns traços que são praticamente consensuais entre os estudiosos do assunto. Destacam-se a crescente digitalização da economia, “que leva a um movimento de substituição de postos de trabalho, principalmente de baixa complexidade, pelo uso de máquinas”; a flexibilização das relações de trabalho, amparada pelas mudanças na legislação trabalhista após o impeachment da presidente Dilma Rousseff (2016), que levou a uma redução significativa de vagas em regime CLT e a uma crescente busca por vagas informais; e as mudanças demográficas, com o envelhecimento da população, entre outras.

Contra esse pano de fundo, O futuro do mundo do trabalho para as juventudes brasileiras apresenta quais seriam os setores e as carreiras promissoras para a inclusão produtiva das novas gerações. Assim, elenca cinco economias emergentes em que essas carreiras se situam, a saber:

  • Economia verde
  • Economia criativa
  • Economia do cuidado
  • Economia prateada
  • Economia digital

 

 

Inclusiva, a primeira, segundo o estudo, “contribui para o bem-estar das sociedades e constrói equidade social, reduzindo os riscos e a escassez ambiental”. Ela comporta os chamados “empregos verdes” e maiores oportunidades para as juventudes estão nas “carreiras de produção, transformação e gestão de recursos naturais e de agropecuária sustentável”. Já ao abordar a economia criativa, relacionada a atividades artísticas e culturais, o estudo mira para os jovens, na verdade, as carreiras de produção audiovisual, de mídias sociais (especialmente relacionadas ao marketing e à publicidade), “que atuam na interseção com e economia digital”, e de inovação.

 

Quanto à economia do cuidado, não é exatamente de medicina que ele fala, mas de “atenção e atendimento à saúde, carreiras de bem-estar e carreiras de suporte doméstico familiar”. E aposta, aliás, que “as carreiras de bem-estar têm os

principais potenciais de inclusão de jovens, especialmente para mulheres”. Já na denominação eufemística de economia prateada, se está de olho na expansão do mercado de produtos e serviços para os consumidores acima de 50 anos, com oportunidades para os jovens principalmente em “negócios nos setores de saúde, moda, beleza, finanças, turismo e cultura”.

Finalmente, na economia digital, que integra recursos digitais incorporados a diferentes cadeias de produção e inclui áreas tão distintas como educação, saúde e marketing, entre outras, e compreende as carreiras de engenharia eletrônica, de processamento de dados e inteligência artificial, de programação e cibersegurança, o estudo conclui que as de engenharia eletrônica “têm maior potencial de inclusão de jovens, pois demandam menor qualificação e tempo de experiência”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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