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Sapo-cururu se alimenta de escorpiões amarelos

foto: Carlos Jared

Estudo do Instituto Butantan publicado na revista Toxicon comprovou que a espécie Rhinella icterica, conhecida como sapo-cururu ou sapo-boi, é um predador natural do escorpião amarelo (Tityus serrulatus). O fato já era conhecido anedoticamente, mas a pesquisa o demonstra de forma científica. Carlos Jared, pesquisador do Instituto Butantan e primeiro autor do artigo, conta que em uma fazenda no Rio Grande do Norte onde costuma coletar animais, ele e funcionários do local já haviam visto sapos comendo escorpiões.

O estudo utilizou dez espécimes de sapo-cururu e 20 de escorpião amarelo. Os pesquisadores colocavam o sapo numa caixa plástica com terra no fundo e, logo depois, um escorpião, a 20 cm de distância, por no máximo cinco minutos. Após detectar a presença do aracnídeo, o anfíbio passava a se orientar pela presa e se aproximava. Se o escorpião se movia, o sapo rapidamente o atacava com a língua. Entre a detecção e o ataque, se passavam cerca de cinco segundos. Caso o escorpião não se movesse, o sapo adotava uma estratégia furtiva de se aproximar aos poucos antes de atacar. O experimento, então, era repetido. Dos dez sapos, sete comeram os dois escorpiões oferecidos, dois comeram um só, e um sapo, após uma tentativa frustrada, acabou não comendo nenhum escorpião.

Depois do experimento com os escorpiões, foram oferecidas baratas aos sapos, que as comeram prontamente, indicando que a ingestão dos escorpiões não lhes afetara de qualquer maneira. Além desse experimento, os sapos receberam injeções de veneno de escorpião. Um grupo de cinco recebeu a dose estipulada para matar um camundongo, o outro grupo recebeu uma dose cinco vezes maior. Nenhum dos sapos morreu ou apresentou qualquer comportamento atípico.

O escorpionismo – o envenamento provocado por ataque de escorpião – é um problema de saúde pública, especialmente no Sudeste e Sul do Brasil, explica Jared. No estado de São Paulo, em 1988, quando foi implementado o sistema de notificação pública, foram registrados 738 casos; em 2018, foram 30.707. A taxa de letalidade em geral fica abaixo de 1%, atingindo principalmente crianças e idosos.

Com a degradação da Mata Atlântica onde viviam originalmente os escorpiões, o número de predadores diminuiu. “Onde existe uma saúde ambiental boa, o escorpião é controlado, como qualquer outro bicho é controlado, tem predadores naturais”, diz Jared. “Apesar da música que diz que o sapo vive na lagoa, ele é um animal terrestre, só vai para concentração de água, rios, lagoas, poças, na época da reprodução”, explica o pesquisador, destacando que são as rãs que vivem perto da água. “Quando ele vai retornar para a [região de] terra, já tem estrada, um monte de construção, ele não consegue mais chegar e é predado ou morto – estão em decadência onde existe concentração urbana”. Os sapos-cururus, além de ocorrerem na mesma região que o escorpião amarelo, tem em comum com ele os hábitos noturnos, sendo portanto, provavelmente, predadores mais eficientes e habituais do que, por exemplo, a galinha, que tem hábitos diurnos.

Com a diminuição de predadores por conta do desequilíbrio ecológico, a população de escorpiões aumenta, e os animais começam a aparecer em regiões urbanizadas e especialmente semi-urbanizadas, além de se espalharem geograficamente. Atualmente, já se registra presença do escorpião amarelo no norte da Bahia, em Goiás, na Argentina, no Uruguai e no Paraguai. Um agravante é que a espécie pode se reproduzir por partenogênese, ou seja, a partir de óvulos não fecundados, o que facilita o aumento da população.

Até agora, o problema do escorpionismo tem sido encarado do ponto de vista médico. O trabalho de Jared e seus colegas busca abordar as causas ecológicas e biológicas do fenômeno. Embora o pesquisador não acredite que seja um fato estatisticamente relevante para a diminuição da população de sapos, não é incomum que pessoas joguem sal ou água sanitária nos animais, muitas vezes vistos como feios ou nojentos. Talvez com a conscientização, os sapos possam ser vistos como úteis por quem hoje os maltrata. De todo modo, a pesquisa exemplifica, uma vez mais, a importância da manutenção do equilíbrio ecológico.

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