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O Krenak avisou: tipo lesma na calçada

foto: da esquerda para a direita: Giovana Girardi, Ailton Krenak, Carlos Nobre e Daniela Chiaretti (autora: Amanda Simões)

Há mais ou menos duas semanas, tive a oportunidade de ver o Ailton Krenak ao vivo pela primeira vez. Em um evento na PUC, o pensador indígena, que é uma das minhas maiores referências, participou de uma palestra que estava discutindo o antropoceno e a crise climática. Ele não estava sozinho no painel, mas escolhi aqui focar em uma das falas dele que tá ressoando até agora na minha cabeça, principalmente depois da onda de calor que o estado de São Paulo atravessou na semana passada.

Em determinado momento do bate-papo, o Krenak mencionou que estava começando a fazer tanto calor e estávamos chegando em tal ponto de impacto das mudanças climáticas que, logo menos, as pessoas iam começar a “derreter tipo lesma na calçada” e soltou uma gargalhada incrível que fez o auditório rir. Pode parecer piada, e a fala é mesmo engraçada, virou um pouco de meme na minha família. Mas, se a gente analisar a fundo, é mais uma das tiradas geniais do Krenak, colocadas por ele com uma ironia de que talvez só ele seja capaz.

Costumo dizer que ele consegue jogar todas as verdades na minha cara de forma tão irônica e quase engraçada que às vezes eu demoro pra perceber. Esse foi mais um dos momentos em que isso aconteceu. Tava calor naquele dia, eu tinha ido tomar sorvete com uma amiga um pouco antes da palestra começar. Mas estava suportável. Nada de anormal. Mas, poucos dias depois, o estado de São Paulo voltou a enfrentar uma onda de calor que trouxe consigo temperaturas elevadíssimas, um calor absurdo, sensações bizarras de que eu tava mesmo derretendo feito a lesma na calçada.

Foi também a primeira vez que eu me senti ansiosa pensando na crise climática. Em uma das madrugadas mais quentes dos últimos tempos, tava fazendo tanto calor que não conseguia dormir. Instantaneamente comecei a pensar que eu não aguentaria viver mais não sei quantos anos enfrentando esse calor (que só tende a piorar). Só conseguia lembrar daquele meme que diz “esse não é o dia mais quente da sua vida, é o dia mais fresco dos próximos dias da sua vida”.

Acho que, de certa maneira, essa onda de calor me deixou mais aflita do que as outras. Elas estão se tornando cada vez mais frequentes e, ao mesmo tempo, vejo diversas pessoas sérias, cientistas, instituições, ONGs, ativistas e ambientalistas acusando essa situação e falando como ela está se tornando insustentável. Ao mesmo tempo, não tenho visto ações concretas serem tomadas pra, ao menos, mitigar os efeitos dessas ondas de calor pra população. Eu imagino que talvez vocês achem meus textos repetitivos. “De novo essa menina falando que a gente não pode esperar pra agir e que ações concretas têm que ser tomadas”. Mas sobre o que mais eu posso falar? A ansiedade que eu senti há duas semanas, que me impediu de dormir, não me deixa ignorar essa voz alta na minha cabeça que grita o tempo todo: “Por favor, escutem quem está avisando. A humanidade não vai sair dessas por um passe de mágica”.

E é exatamente por isso que eu acho que passou da hora de a gente ouvir o Krenak. Passou da hora de levar ele a sério. De ouvir tudo que ele fala, considerar, e usar isso pra construir políticas públicas. A gente precisa, urgentemente, mudar nosso modo de enxergar o mundo, a natureza, nossa conexão com o que denominamos de “matéria prima”. O próprio Krenak falou, também nesse evento, que se a gente não começar a mudar nossas universidades, nossos cursos, nossas aulas e nossa mentalidade pra encarar a crise climática como um problema que deve ser resolvido, a gente não vai conseguir lidar com nada. Não tem nada que vá nos salvar. A gente vai, de verdade, derreter feito lesma na calçada.

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