O Ciência na rua vai destacar entre hoje, primeiro de março, e a sexta-feira, 12, os nomes e um brevíssimo currículo de dez jovens cientistas brasileiras de distintas áreas que, com suas pesquisas, já estão dando contribuições significativas ao avanço do conhecimento em seu campo de trabalho.
Quem abre a lista é a baiana Jaqueline Goes de Jesus, 31 anos, a mais velha dos dois filhos de uma auxiliar de enfermagem e de um engenheiro civil, residentes em Salvador. Seu nome se tornou bastante conhecido desde março passado porque integrou a equipe que sequenciou os primeiros genomas do novo coronavírus (Sars-CoV-2) no Brasil em parceria com o Instituto Adolfo Lutz, apenas 48 horas após a confirmação do primeiro caso local de covid-19. Em abril, Jaqueline Goes de Jesus foi uma das convidadas do webinar sobre Covid organizado pelo Ciência na rua em parceria com a Rede CoVida.
Graduada em biomedicina pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, mestre pelo Instituto de Pesquisas Gonçalo Moniz – Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz-BA) e doutora em patologia humana e experimental pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) em associação com a Fiocruz, Jaqueline estava em 2018 em Birmigham, num estágio sanduíche de seu doutoramento. Foi ali, já de longo “encantada pelas atividades de pesquisa”, que desenvolveu e aprimorou protocolos de sequenciamento de genomas completos pela tecnologia de nanoporos dos vírus Zika, além de protocolos para sequenciamento direto do RNA que, dois anos depois, teriam consequência direta em seu trabalho com o Sars-CoV-2.
“Conseguimos esse resultado [rápido] porque já estávamos trabalhando com uma plataforma específica para sequenciar este vírus”, disse ela em entrevista em agosto passado à revista Vogue. O grupo, sob a liderança da experiente Ester Sabino, professora titular do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (USP), contava com mais 15 pesquisadores do Adolfo Lutz e da Universidade de Oxford.
A jovem pesquisadora passou pelo Laboratório de Biologia Molecular da Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto e pelo Laboratório de Biologia Celular e Molecular do Câncer da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP (USP). E, desde 2019, como bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), é pós-doutoranda no Instituto de Medicina Tropical de São Paulo (IMT-USP), no âmbito do Centro Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (Cadde).
Os percursos de formação de Jaqueline tiveram início pelo Colégio Jean Piaget, no bairro de Brotas, em Salvador, onde fez todo o fundamental, e prosseguiram no antigo Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia (Cefet), hoje Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFBA), uma referência em ensino médio e técnico. A descoberta do fascínio pela pesquisa aconteceu cedo na graduação, resultado de uma boa influência de alguns professores.
“Me decidi pela carreira de cientista por conta de ouvir as experiências de boa parte de meus professores nos primeiros semestres da Faculdade, Os que faziam mestrado ou doutorado na Fiocruz falavam muito dessa vivência na área da pesquisa, falavam sobre como era fazer pesquisa, e aquilo me interessou”, contou ela ao Ciência na Rua. “Eu ainda não a conhecia e até a confundia a Fiocruz com a Aracruz, que não tem nada a ver [empresa de papel e celulose]. Quando fiquei sabendo o que era realmente, o que era feito lá, com esse interesse instigado por meus professores, tive vontade de prestar seleção para algumas vagas de estágio oferecidas na modalidade de iniciação científica”, prosseguiu.
Numa das seleções, ela foi aprovada e a aventura começou. “Quando eu realmente comecei a fazer pesquisa, me apaixonei, achei maravilhoso, continuei e assim sigo até hoje”, disse. Terminou a graduação já com um projeto de mestrado e, na seleção, foi aprovada em primeiro lugar. A mesma coisa se deu na busca do doutorado, quando se submeteu para a seleção em dois programas e foi aprovada em ambos – num, em primeiro lugar, no outro, em segundo. Optou pelo último, o de patologia, que tinha uma grade curricular mais adequada a seu projeto de pesquisa. “Ter feito patologia teve outros resultados fundamentais após a defesa da tese, como ter ganhado o prêmio Capes de tese em minha área, entre outros”, comentou.
À revista Vogue Jaqueline disse também que, embora tenha encontrado “resistência em alguns momentos da carreira por ser mulher e também a única negra naquele ambiente”, na época não percebeu, “pois não tinha entendimento sobre a questão racial e a luta feminista”. Hoje, quando sabe o que significa ser mulher, negra e nordestina na academia, “seria diferente”.