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Editorial da Nature reflete forte preocupação internacional com a eleição no Brasil

Uma das mais importantes revistas científicas do mundo ressalta que os brasileiros têm uma oportunidade valiosa para começar a reconstruir o que Bolsonaro destruiu.

Em editorial publicado na terça-feira, 25 de outubro, a Nature alertou que, “se Bolsonaro pegar mais quatro anos, o dano pode ser irreparável” para o país, com efeitos significativos para o mundo..

O Ciência na Rua, considerando o peso especial da revista no ambiente científico internacional, e que com o artigo empresta  seu prestígio a uma espécie de apelo geral aos brasileiros que se espalham nas instituições de pesquisa  para que vejam a importância crucial do que aqui se decide no domingo, 30, optou por publicá-lo na íntegra, em tradução livre, em vez de adaptar o texto a uma nota .

Segue então a íntegra, desde o título:

“Há apenas uma escolha na eleição do Brasil – para o país e para o mundo

Um segundo mandato para Jair Bolsonaro representaria uma ameaça à ciência, à democracia e ao meio ambiente.

Quando o Brasil elegeu Jair Bolsonaro como seu presidente há quatro anos, este periódico estava entre os que temiam o pior. “A eleição de Jair Bolsonaro é ruim para a pesquisa e o meio ambiente”, escrevemos (Nature 563, 5–6; 2018).

 

Um populista e ex-capitão do Exército, Bolsonaro assumiu a presidência negando a ciência, ameaçando os direitos dos povos indígenas, promovendo armas como solução para as questões de segurança e impondo uma abordagem de desenvolvimento a qualquer custo para a economia. Bolsonaro tem sido fiel a sua palavra. Seu mandato vem sendo desastroso para a ciência, o meio ambiente, o povo do Brasil – e do mundo.

Neste fim de semana, os brasileiros irão às urnas para o segundo turno de uma das mais importantes eleições do país desde o fim da ditadura militar em 1985. Bolsonaro é candidato à reeleição pelo Partido Liberal. Seu adversário é Luiz Inácio Lula da Silva, o líder do Partido dos Trabalhadores que foi presidente por dois mandatos entre 2003 e 2010. No primeiro turno da eleição, realizado em 2 de outubro, Lula venceu e jogou Bolsonaro para o segundo lugar, mas por uma margem inesperadamente estreita. Ele não conseguiu obter a maioria geral dos votos, forçando ambos a um segundo turno eleitoral.

O histórico de Bolsonaro é espantoso. Sob sua liderança, o meio ambiente vem sendo devastado graças aos retrocessos que impôs às proteções legais e ao menosprezo aos direitos dos povos indígenas. Somente na Amazônia, o desmatamento quase dobrou desde 2018, e mais um aumento é esperado para as próximas semanas, quando o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil divulgará seus dados mais recentes.

Assim como seu ex-parceiro populista Donald Trump, Bolsonaro ignorou os alertas dos cientistas sobre a covid-19 e negou os riscos da doença. Também solapou os programas de imunização, questionando a segurança e a eficácia das vacinas. Mais de 685.000 pessoas morreram de covid-19 no Brasil. A crise econômica que se seguiu à pandemia atingiu duramente os brasileiros.

Outras similaridades emergem entre Trump e Bolsonaro – ambos procuraran minar o estado de direito e reduzir os poderes das agências reguladoras.

O financiamento a ciência e inovação estava diminuindo quando Bolsonaro assumiu e continuou a cair sob sua liderança, a ponto de muitas universidades federais estarem lutando para manter as luzes acesas e seus prédios abertos. A ciência e a academia serviram como alvos fáceis numa ofensiva anti-elite que espelhavam as guerras culturais dos Estados Unidos.

Isso contrasta com a situação de cerca de uma década antes de Bolsonaro chegar ao poder, quando o Partido dos Trabalhadores fez grandes investimentos em ciência e inovação, fortes proteções ambientais estavam em vigor e oportunidades educacionais se expandiam. Além disso, graças em parte a um sistema de significativa transferência de recursos financeiros para os pobres, chamado Bolsa Família, as pessoas de baixa renda tiveram ganhos de riqueza e oportunidades.

O Brasil exibiu sua reputação de líder ambiental expandindo a aplicação da lei ambiental e infletindo a curva do desmatamento na Amazônia em cerca de 80% entre 2004 e 2012. Por um tempo, o Brasil quebrou o elo entre  desmatamento e produção de commodities, como carne bovina e soja, e pareceu que o país poderia ser pioneiro em sua própria marca de desenvolvimento sustentável. Muito desse progresso já foi desfeito.

Ao contrário de Bolsonaro, Lula não procurou lutar contra pesquisadores. Ele prometeu alcançar o desmatamento ‘líquido zero’ e proteger as terras indígenas se eleito. Mas Lula não está sem bagagem. Ele passou 19 meses na prisão como resultado de uma investigação de corrupção que envolveu funcionários do governo, incluindo líderes do Partido dos Trabalhadores. Mas em 2019, a suprema corte brasileira determinou que Lula e outros haviam sido presos indevidamente, antes que fossem esgotadas suas possibilidades de recursos legais. As condenações de Lula foram anuladas em 2021, abrindo caminho para que ele concorresse novamente à presidência.

Nenhum líder político chega perto de ser perfeito. Mas os últimos quatro anos do Brasil são um lembrete do que acontece quando aqueles que elegemos desmantelam ativamente as instituições destinadas a reduzir a pobreza, proteger a saúde pública, impulsionar a ciência e o conhecimento, proteger o meio ambiente e defender a justiça e a integridade das evidências. Os eleitores do Brasil têm uma oportunidade valiosa para começar a reconstruir o que Bolsonaro derrubou. Se Bolsonaro pegar mais quatro anos, o dano pode ser irreparável.”

 

 

 

 

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