Com informações do Nossa Ciência
Fixação de CO₂ verificada foi equivalente à de algumas florestas úmidas, como a Amazônia
A concentração de dióxido de carbono (CO₂) na atmosfera terrestre varia muito ao longo do ano. Por muito tempo creditou-se essa variação acima de tudo às florestas altamente produtivas, em especial às tropicais úmidas, mas um estudo publicado em junho último pela Nature Scientific Reports confirmou a suspeita alimentada já há algum tempo, por diferentes grupos de pesquisa, de que não é desprezível a contribuição também dos ambientes semiáridos, como a caatinga, no sequestro de CO₂ da atmosfera que, entre outras funções, nos permite respirar – portanto, viver.
O artigo Seasonal variation in net ecosystem CO2 exchange of a Brazilian seasonally dry tropical Forest, assinado por 17 autores vinculados a seis instituições de pesquisa sediadas no Nordeste brasileiro, depois de medir as variações da concentração do dióxido de carbono em 2014 e 2015 no bioma Caatinga, comprovou seu papel no sumidouro de carbono atmosférico. O paper destaca a importância da caatinga também na conservação do solo e da água e em sua capacidade de oferecer recursos, como alimentos, forragem para os animais e lenha, fundamentais ao sustento de milhões de pessoas que vivem na região de ocorrência desse bioma brasileiro.
Segundo os professores Antonio Antonino e Rômulo Menezes, do Departamento de Energia Nuclear da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ambos coordenadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Observatório Nacional da Dinâmica da Água e de Carbono no Bioma Caatinga (INCT-ONDACBC), a constatação relativa ao confisco do CO₂ “desmistifica algumas incertezas sobre a caatinga, uma vez que no período estudado a perda do dióxido de carbono para atmosfera, ou respiração, foi razoavelmente baixa”. A eficiência do uso do carbono é alta e “o equilíbrio, ou seja, a fixação de CO₂, foi comparável à de algumas florestas tropicais úmidas, como Amazônia”. Além disso, as temperaturas do ar e do solo foram “os principais fatores responsáveis pela variabilidade diurna dos fluxos de carbono”, segundo a pesquisa.
Os resultados mostram, ainda, que “a dinâmica do balanço de carbono do bioma caatinga é intrínseca e está relacionada com a sazonalidade das chuvas, com o sequestro de carbono máximo nos meses úmidos e mínimo durante os meses de seca, devido à escassez de água no solo”. Mas, mesmo durante a estação de seca, entre 2014 e 2015, a caatinga foi considerada um sequestrador de carbono. Segundo o estudo, a duração do período úmido e a precipitação total acumulada modulam o comportamento das taxas de fixação de carbono no bioma. E sua ação no sequestro de CO2 está relacionada às condições meteorológicas, variabilidade sazonal e anual, ou seja, a fatores climáticos.
As mudanças na temperatura máxima do ar, segundo os dois pesquisadores, podem afetar não apenas o real balanço de carbono no bioma, mas também a modelagem desses balanços. E considerando-se que o estudo foi realizado num período de seca extrema, “é esperado que, em anos com chuvas mais intensas e bem distribuídas, a caatinga seja ainda mais eficiente no uso e assimilação de carbono e acumulação de biomassa”.
O estudo foi realizado em um fragmento da caatinga na Estação Ecológica do Seridó, onde está instalada uma das torres de fluxo atmosférico do INCT-ONDACBC, entre os municípios de Serra Negra do Norte e Caicó, no estado do Rio Grande do Norte. A estação é uma unidade de conservação do bioma caatinga administrada pelo Instituto Chico Mendes para Conservação da Biodiversidade (ICMBio), com área de 1.163 hectares de floresta seca xerófita, com arbustos esparsamente distribuídos e pequenas árvores (menos de 7 metros de altura) e manchas de ervas que prosperam apenas durante a estação chuvosa e são reduzidas a serrapilheira durante a estação seca.
Aquecimento
Os pesquisadores observam que o papel crucial da chuva na variabilidade dos sumidouros terrestres de carbono foi evidenciado por anomalias nos dados observados de 2011. A causa mais plausível para essa anomalia teria sido a expansão da vegetação semiárida no hemisfério sul, particularmente na Austrália. “Em escala global, a variabilidade ao longo do ano também está associada ao aquecimento, que leva à intensificação da respiração do ecossistema; e essa aparente sensibilidade da respiração sugere que o carbono armazenado nas florestas tropicais secas pode ser vulnerável a um cenário futuro mais quente”, destacam. Nesse sentido, há razões de preocupação com a caatinga, principal tipo de cobertura da terra no ecossistema do semiárido brasileiro.
Justamente nessa área as projeções indicam um aumento de até 1° C na temperatura média do ar durante as próximas três décadas (2020-2050), assim como uma redução de até 20% na quantidade de chuva, segundo o artigo. Observações recentes também apontam para um aumento sistemático nos extremos climáticos no semiárido brasileiro. Além disso, há evidências de uma intensificação da aridez e da expansão das terras semiáridas no Nordeste brasileiro, que podem diretamente influenciar na dinâmica da caatinga.