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A primeira imagem de um buraco negro, uma virada espetacular
Astronomia

por | 11 abr 2019

 

Em entrevista coletiva na sede da Fundação Nacional de Ciência (NSF, na sigla em inglês), em Washington, nos Estados Unidos, na manhã da quarta-feira, 10, na qual estavam presentes de veteranos jornalistas a estudantes de ensino médio, quatro representantes da equipe do projeto Event Horizon Telescope (EHT) apresentaram a primeira imagem já registrada de um buraco negro, no centro da galáxia Messier 87, ou M87. Até então, o que existia eram simulações teóricas. Um dos fatos muito celebrados pela equipe, inclusive, foi o registro ter ido ao encontro das previsões da teoria da relatividade geral, ou seja: lá em 1915, Einstein estava certo (mas isso é assunto para outro texto, a ser publicado em breve).

O nome em inglês do telescópio, Event Horizon, significa literalmente horizonte de eventos, que é a fronteira do buraco negro, a partir da qual a força da gravidade é tão grande que nada consegue escapar, nem mesmo a luz. Mais popularmente, é conhecido como “ponto de não-retorno”. Observações preliminares do EHT, ainda incompleto, tinham gerado imagens de uma bolha, portanto não havia evidências concretas da existência do horizonte de eventos. Agora, tudo mudou.

Registrar a imagem de um buraco negro do tamanho aproximado do nosso sistema solar numa galáxia a 55 milhões de anos-luz foi uma tarefa hercúlea, como definiu France Córdova, diretora da NSF. Para começar, explicou ela, “nenhum telescópio na Terra tem a precisão para criar uma imagem sem borrões do evento de horizontes de um buraco negro, então a equipe fez o que todo bom pesquisador faz: inovar”. A inovação foi levar a uma escala global a técnica, criada há cerca de 50 anos, chamada interferometria de base muito longa, ou seja, estabelecer uma ligação computacional entre radiotelescópios que estão em diferentes lugares, de forma obter uma espécie de telescópio gigante, para conseguir uma única imagem do mesmo objeto. “É exatamente do mesmo modo que um espelho usado num telescópio óptico reflete a luz com precisão e sincronia para criar um único foco”, explicou Sheperd Doeleman, diretor do projeto e astrofísico da Universidade Harvard e do Centro Smithsoniano.

Doeleman entrou em mais detalhes, contou que, para ter sucesso, a equipe precisou contar com coincidências cósmicas muito interessantes e explicou por que era necessário um telescópio desse tamanho. “Pegue por exemplo o redemoinho [na foto] à sua frente, o gás quente rodopiando em volta do buraco negro. O fóton tem que partir de perto do horizonte de eventos, viajar pelo gás que está entrando no buraco negro e raios de luz com comprimento de onda de um milímetro, ondas de rádio, conseguem completar essa jornada – nem todas conseguem. Então essa onda de rádio tem que se propagar por 60 mil anos através da galáxia M87 e outros 55 milhões de anos através do espaço intergalático. E vem parar na atmosfera terrestre, onde seu maior inimigo, o maior risco, é ser absorvida por vapor d’água. Então o EHT usa telescópios em lugares altos e secos, onde possamos ver os fótons que viajaram de tão longe até a gente. Até aí tudo bem, temos os fótons. Mas o [buraco negro] M87 é muito pequeno comparado com a galáxia que o circunda, então para vê-la precisávamos construir um telescópio que fosse tão grande quanto a própria Terra, devido ao comprimento de onda que estávamos tentando observar.”

Isso tudo, porém, ainda não bastava. “A chave é que a Terra gira”, explicou Doeleman, “durante uma noite de observação conseguimos varrer uma área maior dessa cobertura de espelhos”. Como se pode observar na sequência  ao lado, cada par de telescópios gera um ponto no “mapa” que fica no meio de cada imagem. À direita, a imagem do buraco negro vai evoluindo. “Quanto mais dados conseguimos, mais enchemos esse espelho virtual e mais acurada se torna nossa visão do buraco negro”.

Análise de dados

Entre a observação e a composição da imagem final, é claro, houve um trabalho enorme de compilação e análise de dados. Como construir a rede de telescópios seria muito caro e trabalhoso, a saída foi utilizar telescópios já existentes. A equipe de análise de dados, liderada por Dan Marrone, astrônomo da Universidade do Arizona, teve antes de mais nada que instalar em cada telescópio o hardware especializado e o gravador de dados ultrarrápido de que necessitava. A maioria dos telescópios precisou também de relógios atômicos. O telescópio ALMA (Grande Rede Milimétrica/Submilimétrica do Atacama, na sigla em inglês), no Chile, precisou de um hardware que pudesse somar toda a luz antes que fosse enviada para os gravadores. O SPT (Telescópio do Pólo Sul, em inglês), na Antártida, precisou ganhar sensores novos, já que foi projetado para fazer medições completamente diferentes, relativas à radiação cósmica de fundo. Essas adaptações levaram anos para serem feitas, os estudos para o ALMA, por exemplo, começaram em 2012.

Depois de muitos testes, o último em janeiro de 2017, o aparato estava pronto para funcionar em março. Ainda era necessário, contudo esperar que as condições meteorológicas ajudassem, afinal a equipe precisava de tempo bom simultaneamente no Havaí, na Espanha, na Antártida etc. Em abril de 2017, deram sorte. E dos 10 dias previstos para a observação, precisaram apenas de sete, ao fim dos quais, tinham cinco petabytes de dados gravados – “o equivalente a 5 mil anos de arquivos mp3 ou, de acordo com um estudo que li, toda a coleção de selfies da vida inteira de 40 mil pessoas”, comparou Marrone.

Toda essa informação, armazenada em meia tonelada de discos rígidos foi levada – de avião, a forma mais rápida – para duas centrais, uma em Westford, Massachussets, nos EUA, outra em Bonn, na Alemanha. Nessas centrais, os dados foram corrigidos e condensados até que virassem terabytes. Só então começou o processo de imageamento propriamente. Havia, depois de anos de desenvolvimento, muitos algoritmos diferentes entre os quais escolher, todos com pontos fortes e fracos. Quatro equipes foram enviadas para lugares distintos para selecionar os melhores algoritmos, sem que se comunicassem entre si, e fazer imagens a partir dos dados. Em 2018, se reuniram para apresentar os resultados. “O que vimos foram quatro imagens muito similares, parecendo quase exatamente com a que vocês viram hoje”, contou Marrone, “um anel emissor circulando a sombra de um buraco negro”.

Quem olha desavisado, acostumado por espetaculares fotografias de estrelas, nebulosas e planetas, pode até não ver nada demais. Mas não se engane: é um feito extraordinário, fruto do trabalho direto de mais 200 homens e mulheres por anos a fio, de todo o estudo acumulado desde que Einstein propôs a teoria da relatividade geral e de enormes e contínuos investimentos em pesquisa básica. Além, claro, da oportunidade cósmica, como explicou Shepherd Doeleman: “a luz partiu de perto do horizonte de eventos, viajou todo o caminho pelo espaço intergalático, atinge nossos telescópios, a Terra por acaso é do tamanho certo para termos poder de resolução para conseguirmos ver o buraco negro na galáxia M87, cujas massa e distância permitem que a observemos – e então a Terra gira para encher nosso espelho, para que possamos fazer essa imagem. É verdadeiramente notável, de certa forma, nos torna humildes.”

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