Ana Augusta Odorissi Xavier e Mateus Bravin Lopes
Arte: Lucas Oliveira
As armas que temos para combater uma ameaça invisível; o inimigo da vez é o Sars-CoV-2
No filme ‘Vingadores: Ultimato’, o mundo sofre com a destruição causada pelo vilão Thanos. Para conter o mal, os heróis precisam literalmente voltar no tempo e evitar a morte de trilhões de seres vivos. Na vida real, essa viagem no espaço-tempo não é possível segundo as leis da física. Mas, por sorte, o nosso vilão não é tão poderoso assim. Apesar de ainda não conhecermos muito bem o novo coronavírus, já sabemos que algumas armas são eficazes contra ele. Resta agora correr contra o tempo e derrotá-lo. Mas como se combate um vírus?
Uma das opções é evitar que o vírus infecte as pessoas, ou seja, prevenção. Quem nunca ouviu que prevenir é melhor que remediar? Até hoje, a melhor maneira conhecida de prevenir a infecção por vírus é a vacinação. Ao tomarmos uma vacina, estamos expondo nosso organismo a uma versão mais “tranquila” do vírus – sua forma inativada ou atenuada, ou alguma toxina ou proteína produzida por ele. Essa versão não é capaz de causar a doença mas vai provocar uma resposta do sistema imunológico.
Em outras palavras, estamos mostrando ao nosso sistema de defesa um “retrato falado” do vírus para que ele aprenda quem deve enfrentar, e assim, quando o vírus de verdade atacar, nossas células serão capazes de reconhecê-lo e eliminá-lo sem piedade. Quanto mais pessoas se tornam imunes a um vírus, menos ele circula, e fica cada vez mais difícil encontrar pessoas suscetíveis que possam ser infectadas, até que a doença desaparece. Isso é o que os epidemiologistas – cientistas que estudam a distribuição das doenças na população – chamam de imunidade de grupo ou de rebanho.
Várias doenças causadas por vírus já foram derrotadas desta maneira. Um bom exemplo é a varíola, doença para a qual a primeira vacina do mundo foi inventada em 1796. Ela foi erradicada nos anos 1970, ou seja, sumiu do mapa. Infelizmente, o sarampo, que também havia sido erradicado, teve novos casos recentes por causa de gente que não toma a vacina, como o pessoal do movimento antivacina. Contrariando o que a ciência diz, eles acreditam em teorias mirabolantes de que as vacinas não são eficazes e seguras. Não tomar vacina parece uma decisão individual, mas na verdade é uma questão de saúde pública e afeta a todos. Quando uma parte da população deixa de ser vacinada, grupos de pessoas passam a ser suscetíveis ao vírus e ele volta a circular.
Já o ebola, também causado por vírus, é mais fatal que a varíola, mas seu contágio é menor porque quem se infecta fica doente rapidamente. Como o infectado circula pouco, acaba contaminando poucas pessoas. Uma vacina para o ebola foi desenvolvida e aprovada no final do ano passado, mas durante muito tempo surtos da doença ocorreram sem que houvesse vacina nem remédio para combatê-la. Naquele momento, a estratégia adotada para lutar contra o vírus dependeu do trabalho de profissionais como sanitaristas e infectologistas.
Os infectologistas são médicos que estudam doenças infecciosas causadas por vírus, bactérias e outros micro-organismos. Eles fazem o diagnóstico e tratamento de pacientes, promovem medidas preventivas e atuam na elaboração de vacinas. Já o foco dos sanitaristas é trabalhar com saúde pública, considerando questões sociais, de política da saúde e fazendo uso dos chamados indicadores epidemiológicos para controlar doenças transmissíveis. Eles avaliam taxas de mortalidade, quem tem mais chance de ficar doente ou de ser internado, e então planejam ações de prevenção, podendo inclusive isolar pessoas infectadas para que não contaminem os outros. São responsáveis também pela promoção e educação popular em saúde.
Estes profissionais, além de muitos outros, como epidemiologistas, farmacêuticos, bioquímicos e biólogos, estão entre os responsáveis por avanços na ciência que tornaram doenças como a AIDS muito menos perigosas e letais. O vírus HIV, causador da AIDS, apavorou a humanidade nos anos 1980 e hoje se mostra controlado, graças às medicações e tratamentos.
Embora seja a nossa melhor arma, uma nova vacina demora em torno de 2 anos para ficar pronta. Sua produção é um processo longo que tem como primeiro passo entender o jeito que o vírus funciona. O segundo é a produção da vacina em si, depois vêm os testes em animais e, por último, testes em humanos. O código genético do Sars-CoV-2 – nome oficial do novo coronavírus – foi decifrado rapidamente, logo no início da pandemia. Agora, utilizando técnicas que já deram certo outras vezes, mais de 90 possíveis vacinas para este vírus estão sendo desenvolvidas por cientistas do mundo inteiro e 6 delas já estão na fase dos testes em humanos.
Se você chegou até aqui no texto, provavelmente deve estar se perguntando: não dá pra acabar com um vírus tomando remédio? Afinal, essa geralmente é a primeira coisa que pensamos quando ficamos doentes, né? Acontece que desenvolver medicamentos que ataquem os vírus, chamados de antivirais, não é uma tarefa tão simples. Como os vírus precisam de outras células – como as nossas, por exemplo – para se replicarem, o remédio precisa saber diferenciar o vírus da célula que ele invadiu. Se ele erra o alvo e ataca a célula, acaba sendo tóxico para o nosso organismo. Os antivirais atuam em alguma destas três etapas no ciclo do vírus: durante seu “acoplamento” ou entrada nas células, na sua replicação dentro da célula para produzir mais vírus, ou ainda evitando a liberação dessas novas partículas virais.
Além disso, a produção de medicamentos também leva tempo, porque sua segurança e eficácia deve ser comprovada pelo caminho dos testes em células, animais e humanos. Por causa da gravidade da pandemia da covid-19, muitos cientistas estão pegando um atalho e testando contra o Sars-CoV-2 remédios que já são aprovados para outras doenças. Isso não significa que eles também serão seguros e eficazes para a covid-19 e por isso precisam ser testados nos pacientes, mas o fato de já serem permitidos em outros tratamento acelera o processo. Essa estratégia é chamada de redirecionamento ou reposicionamento de fármacos.
Mas, para aqueles que já sonharam em salvar o mundo, aqui vai uma boa notícia: todos podemos ser heróis evitando a propagação do vírus. É só ficar em casa e adotar algumas medidas simples de higiene: lavar frequentemente as mãos (por pelo menos 20 segundos, esfregando as laterais dos dedos e os vãos entre as unhas e os dedos), evitar tocar o rosto, cobrir a boca com o cotovelo se precisar tossir ou espirrar (famosa pose do Usain Bolt), manter a distância mínima de 1,5 metro entre as pessoas e, o mais importante de tudo, sair de casa só quando for extremamente necessário – e de máscara.
Ana Augusta Odorissi Xavier é Profissional de Pesquisa na FEA/UNICAMP e Doutora em Ciência de Alimentos pela mesma instituição. É aluna do curso de especialização em jornalismo científico do Labjor/Unicamp.
Mateus Bravin Lopes é formado e trabalha com Audiovisual e está próximo de se graduar em Letras: Português e Alemão pela FFLCH/USP. É aluno do curso de especialização em jornalismo científico no Labjor/Unicamp.
Este é o terceiro artigo da série Explicando a covid-19 para adolescentes, produzida pelo Lab-19, projeto de divulgação científica de um grupo de alunos do curso de especialização em jornalismo científico do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Universidade Estadual de Campinas (Labjor-Unicamp), engajados, como tantos, em contribuir para a disseminação de informações corretas e confiáveis sobre a epidemia de covid-19 para públicos diversos.