A Agência FAPESP noticiou hoje cedo. A reportagem é de José Tadeu Arantes:
Um chip brasileiro deverá renovar o sistema de detecção do Alice (A Large Ion Collider Experiment), um dos quatro grandes experimentos do LHC (Large Hadron Collider), o maior colisor de partículas do mundo, situado na fronteira franco-suíça. Trata-se do chip Sampa, projetado na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EPUSP).
Testado em vários países e submetido ao escrutínio de um conjunto internacional de especialistas, o Sampa foi muito bem avaliado e recebeu sinal verde para fabricação em larga escala. Serão produzidas 88 mil unidades, necessárias ao upgrade do Alice, pela empresa TSMC, em Taiwan.
O desenvolvimento do Sampa foi coordenado por Wilhelmus Adrianus Maria Van Noije, professor titular sênior da EPUSP, Marcelo Gameiro Munhoz, professor livre-docente do Instituto de Física da USP, e Marco Bregant, professor doutor também do Instituto de Física da USP. E recebeu apoio da FAPESP por meio do Projeto Temático “Física nuclear de altas energias no RHIC e LHC”, do “Projeto de um ASIC de aquisição e processamento digital de sinais para o Time Projection Chamber do experimento Alice” e do projeto “Desenvolvimento de instrumentação científica para o experimento Alice do LHC-CERN”.
“Os novos chips vão instrumentalizar dois detectores do Alice: o TPC [Time Projection Chamber] e o MCH [Muon Chamber]. O TPC detecta as trajetórias das partículas carregadas produzidas e o MCH mede, especificamente, a produção de múons”, disse Marcelo Gameiro Munhoz à Agência FAPESP.
Vale lembrar aqui que o múon é uma partícula pertencente à classe dos léptons. Apresenta a mesma carga elétrica (-1) e o mesmo spin (1/2) do elétron, porém possui massa mais de 200 vezes maior.
Munhoz explicou como funciona o TPC e qual será a função do Sampa nele. A Time Projection Chamber, que constitui o principal sistema de detecção do Alice, é, basicamente, composta por dois cilindros concêntricos, o maior com 5 metros de comprimento e 5 metros de diâmetro, sendo a região entre o cilindro menor e o maior fechada nas extremidades. Por dentro do cilindro menor, passa a canalização por onde transitam os feixes de partículas que devem colidir, cujo interior é um ambiente dominado pelo vácuo. A região entre os dois cilindros é preenchida por um gás.
Quando ocorrem as colisões, são produzidos milhares de partículas, que atravessam a parede do cilindro interior, ionizam as moléculas do gás e passam também pela parede do cilindro exterior, antes de serem absorvidas.
Entre as extremidades fechadas é aplicada uma grande diferença de potencial elétrico. Devido à tensão elétrica, os elétrons arrancados das moléculas do gás são projetados de encontro a essas extremidades. Em função das posições onde incidem as cargas, é possível determinar as trajetórias e, por decorrência, as naturezas das partículas produzidas nas colisões.
Para determinar as posições dos pontos de incidência e os valores das cargas incidentes, as extremidades são quadriculadas, em mais de 500 mil quadradinhos. Cada conjunto de 32 quadradinhos será instrumentalizado por um chip Sampa. O MCH funciona de maneira um pouco diferente, mas o princípio é o mesmo.
“A função de cada chip é ler as cargas incidentes, transformar a leitura em um sinal de tensão, converter o sinal de analógico em digital, realizar um processamento digital interno e enviar a informação para os processadores externos. A operação de conjunto de todos os chips permitirá obter aquelas famosas imagens das colisões, com o jorro de milhares de partículas, cada qual seguindo uma trajetória específica”, disse Munhoz.
O Sampa vai substituir a atual geração de chips do Alice. Na configuração atual, para cada conjunto de 16 quadrados são necessários dois chips: um apenas lê as cargas e gera o correspondente sinal de tensão; o outro converte o sinal analógico em bits e faz o pré-processamento digital dos mesmos. Com uma eletrônica muito mais compacta, o Sampa realizará as duas operações e, além disso, deverá operar em 32 canais em vez de 16.
Depois de produzidos em Taiwan, os chips serão testados, um a um, na Suécia. Serão instalados no Alice no biênio 2019-2020, quando todo o LHC vai passar por um upgrade, com vistas a aumentar a taxa de colisões entre núcleos de chumbo por um fator de 100.
“Até por isso o Sampa foi necessário, porque o equipamento atual não daria conta desse aumento na taxa de colisões. Atualmente, o Alice opera com 500 colisões por segundo. A expectativa é que, em 2021, consiga operar com 50 mil colisões por segundo. Com isso, os cientistas esperam aumentar a probabilidade de ocorrência de eventos raros, como a produção de quarks mais pesados, ou a formação de antinúcleos de elementos leves”, disse Munhoz.
O principal foco do Alice é o estudo do plasma de quarks e glúons, que se forma quando, devido ao altíssimo patamar de energia, essas partículas deixam de ficar confinadas nos hádrons (prótons, nêutrons, mésons) e passam a se movimentar livremente.
“Há duas décadas, não se sabia nem mesmo se esse plasma realmente existia. Em meados da década de 2000, com os primeiros experimentos realizados no colisor do Brookhaven National Laboratory, nos Estados Unidos, a comunidade científica se convenceu de que era possível produzir o plasma de quarks e glúons em laboratório. Agora, estamos entrando em uma fase de maior precisão, na qual buscamos medidas mais precisas para entender com maior profundidade as propriedades desse plasma. O aumento da frequência das colisões no LHC vem atender essa expectativa”, disse Munhoz.
Wilhelmus Noije comentou que o apoio da FAPESP foi fundamental para viabilizar o projeto. E acredita que o desenvolvimento do Sampa, realizado no Brasil, poderá contribuir efetivamente para as futuras medidas do Alice, permitindo que a comunidade científica internacional obtenha muitos mais dados e entendimentos sobre a natureza fundamental da matéria, e, por extensão, sobre a natureza do universo como um todo.