Originário da América Tropical e da Índia Ocidental, jenipapeiro é o nome popular da espécie vegetal Genipa americana L., pertencente a família das rubiáceas. Ele ocorre em vários países e no Brasil é encontrado desde o Norte até o Sudeste. É uma árvore frondosa de tronco longilíneo, chegando a atingir até 15 metros de altura (figura 1A).
As flores brancas, ao se abrirem, tornam-se levemente amareladas e chamam a atenção pela delicadeza e pelo perfume levemente exótico que exalam (1B). O fruto da árvore, o jenipapo, com cerca de 12 centímetros de diâmetro (1C), tem coloração marrom, casca rugosa e chega a pesar até 550 gramas. Quando maduro, contém muitas sementes, é ácido, suculento e de aroma forte (2 A).
Bastante apreciado no Norte e Nordeste brasileiros, é utilizado na fabricação de licor, refresco, vinho, refrigerante, doces, mousses etc. (2 B). A casca, rica em sais minerais, especialmente ferro e vitaminas, também é empregada como “remédio” diurético, antiúlcera e antianêmico. O nome jenipapo tem origem no Tupi-guarani, nhandipab ou jandipap, que significa fruto para pintar ou tatuar o corpo.
Foi justamente por causa do jenipapo que a Genipa americana ganhou notoriedade no Brasil colônia. A planta foi mencionada na primeira carta escrita por Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, Dom Manuel, em 1500, no trecho em que ele destaca a cor da pele dos habitantes da terra recém-descoberta e da pintura avermelhada e preta que sobressaía de seus corpos (Figura 6). Isso se somava aos detalhes sobre o comportamento dos índios, a limpeza dos corpos livres e nus, os cabelos muito negros e longos das mulheres.
A madeira do tronco da G. americana é utilizada na construção civil, marcenaria e na confecção de móveis. A casca é aproveitada nos curtumes para o tratamento de couros, devido à quantidade de taninos presente nesta planta. Seus frutos, quando ainda verdes, são matéria prima para a produção de corante de cor azulada, utilizado para diversos fins. Os índios de fato já usavam o jenipapo para tingimento de tecidos, enfeites e cerâmicas, além das referidas pinturas no corpo nas cerimônias religiosas e nas guerras.
Mas o que, afinal, contém o jenipapo usado pelos indígenas do litoral brasileiro no corpo e que tanto despertou a curiosidade do homem europeu? Qual o componente deste fruto responsável pela tatuagem de cor preta, de tanto interesse comercial, fato comprovado pelas patentes descritas na literatura sobre as substâncias acumuladas neste fruto?
Ai está a beleza molecular da natureza, que estamos tentando mostrar aos nossos jovens e à sociedade. Há beleza visual da biodiversidade, aparente, e a beleza do que ela pode prover à espécie humana, com as incríveis moléculas que as plantas, por exemplo, produzem ou biossintetizam.
O jenipapo contém uma série de substâncias pertencente a classe dos iridoides, um tipo de monoterpeno (substâncias naturais com 10 átomos de carbono, obtidas a partir de 2 unidades isoprênicas), altamente oxigenado e de estrutura química muito peculiar e de ocorrência restrita a algumas famílias vegetais (figura 7).
Entre os inúmeros iridoides acumulados nos frutos do genipapo, o geniposideo (1) e a sua aglicona (iridoides sem a unidade de glicose na estrutura) genipina (1) são as substâncias que os indígenas descobriram para colorir e tatuar os seus corpos de preto (figura 8).
A genipina (1) já era descrita por Hans Staden em 1557, por Gabriel Soares de Sousa e Fernão Cardim em 1585, e por Wilen Piso em1648. Todos descreveram com as mesmas palavras a utilização do fruto de jenipapo para a tintura da pele pelos indígenas. Foram talvez os primeiros a relatarem que iridoide jenipina (1) não tinha coloração preta e que, no entanto, depois da aplicação na pele, adquiria uma cor preta bem similar à que os índios mostravam nas tatuagens pelo corpo. A estrutura da genipina foi completamente elucidada por Djerassi e colegas, em 1961, depois de quase 5 séculos das primeiras descrições feitas pelos naturalistas (Guarnaccia e col. 1972). Os iridóides 1 e 2 são biossintetizados por várias outras espécies de Rubiaceae e outras famílias afins.
O iridoide genipina (1) é incolor no início da frutificação e após o amadurecimento ele perde o efeito corante (Corrêa, 1969; Lorenzi, 2000; Mors e col., 2000; Delprete e col., 2005). Existem várias patentes registradas no Brasil e no exterior sobre o uso dos extratos obtidos do jenipapo para tintura de tatuagens corporais não-permanentes, demonstrando que os produtos naturais são uma fonte constante de bioprodutos de interesse humano.
Referências blibliográficas
Almog, J., Cohen, Y., Azoury, M., Hahn T. R. Genipin, A Novel Fingerprint Reagent with Colorimetric and Fluorogenic Activity. J Forensic Sci, 49, 1-3, 2004.
Alves, L. F., Ming, Lin C. Chemistry and pharmacology of some plants mentioned in the letter of Pero Vaz de Caminha. Ethnobiology and Conservation, 4-3, 2015 (doi:10.15451/ec2015-1-4.3-1-15).
Caminha, P. A. [1500]. Letter from Pero Vaz de Caminha. Available at www.emsbrazil.com/engl/…/LetterCaminha.html. 2013.
Cardim F. [1585] Tratado da Terra e da Gente do Brasil. Editora Itatiaia, Belo Horizonte, MG, Braz. 1997.
Djerassi C, Nakano T, James NA, Zalkow LH, Eisenbruam EJ, Shoolery JN) Terpenoids XLVII. The structure of genipin. Journal of Organic Chemistry 26, 1961, 1192-1206.
Página web, Ensinar História, Joelza E. Domingues:
(https://www.ensinarhistoriajoelza.com.br/indios-apiaka-de-hercules-florence-um-olhar-sobre-a-cultura-indigena/)
Patent No.: US 8,945,640 B2, Genipin-rich material and its use, Shaowen Wu, Cincinnati, OH (US); Gregory Horn, Wyoming, OH (US), February, 2015.
Pinto, A.C. O Brasil dos Viajantes e dos Exploradores e a Químic a de Produtos Naturais Brasileira., Química Nova 18, 1995, 608-615.
Piso, G [1648] História Natural e Médica das Índias Ocidentais. Companhia Editora Nacional, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 1954.
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Vanderlan da S. Bolzani, é professora titular do Instituto de Química (Araraquara) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), diretora da Agência Universitária de Inovação da mesma universidade AUIN-Unesp), membro da Coordenação do Programa Biota-Fapesp e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)