Na semana passada, no carnaval do Rio de Janeiro, a escola de samba Acadêmicos do Salgueiro homenageou os Yanomami. O enredo contava a história de luta, resistência e resiliência desse povo brasileiro sem deixar de fora as duras opressões e violências que os Yanomami enfrentaram e continuam enfrentando. Toda a história foi construída em conjunto com comunidades locais, inclusive, com o Xamã Davi Kopenawa, que desfilou no último carro com outras referências dos povos originários brasileiros, como Ailton Krenak.
O desfile da escola na Sapucaí me emocionou muito e, mais do que isso, me fez refletir sobre algo que já venho pensando há algum tempo: quando será que vamos conseguir, de fato, estabelecer outra relação com a natureza? Com essa coisa que nós chamamos de natureza e que entendemos que, na real, não tem nada a ver com a gente e que deve ser explorado, extraído e, no limite, destruído para criar uma coisa que nós chamamos de “desenvolvimento”.
Acho que já passou da hora de entrarmos em contato real com outras possibilidades de realidades. De sonhar outros mundos. De entender que fazemos parte dessa coisa chamada “natureza” e que, ao destruí-la, nós estamos nos destruindo também, Não somos seres separados. Fazemos parte do mesmo sistema, da mesma comunidade, do mesmo mundo e do mesmo planeta. Ora, vejam por exemplo a epidemia de dengue que o Brasil atravessa. Desde 2021 estudos já apontavam que o avanço da crise climática poderia aumentar os casos da doença no Brasil (https://umsoplaneta.globo.com/clima/noticia/2021/07/10/crise-climatica-pode-aumentar-o-risco-de-malaria-e-dengue-para-8-milhoes-de-pessoas.ghtml). Será mesmo que nós podemos nos colocar nesse lugar de “superiores” em relação ao natural?
É exatamente por isso que os povos indígenas são fundamentais. E é exatamente por isso que o desfile do Salgueiro me emocionou tanto. Porque para os Yanomami, assim como para os Krenak, os Wapichana, os Guajajara e tantas outras comunidades indígenas brasileiras, a natureza não é uma coisa. Não é um “outro”. A natureza faz parte de quem eles são e eles também são a natureza. É uma coisa só. Pachamama. E essa visão de mundo estava ali exposta na Marquês de Sapucaí, pra todo mundo ver.
Bom, eu não sei se todo mundo vai pensar nisso ou ter essas reflexões ao assistir o desfile da escola de samba. Talvez não. Mas eu prefiro acreditar sim. Prefiro acreditar que ainda dá tempo de ter outra visão em relação ao mundo, em relação a natureza e em relação a nós mesmos. Prefiro acreditar que ainda dá tempo de mudar esse sistema socioeconômico que destrói tudo pensando em lucro e em um desenvolvimento que foi inventado (e se a gente inventou, será que não dá pra desinventar? Ou pelo menos pra tentar de outro jeito?). Eu prefiro acreditar que ainda dá.
E acho também que chegou a hora de admitir, ou de ao menos cogitar, que a real é que nós somos zero desenvolvidos. Isso que a gente inventou, essa forma como nós escolhemos lidar com o mundo e com a natureza, isso falhou. Talvez os povos indígenas do Brasil sejam os desenvolvidos. Eu acho que a real é que eles já estão lá na nossa frente, porque conseguiram entender a natureza de outra forma. E deram outro jeito de conviver com ela. Já passou da hora da gente sentar e aprender com eles. São sonhos de uma ambientalista.
Ah, e não, você não caiu num clickbait, pra quem quiser pensar mais sobre o assunto, seguem aqui cinco recomendações de livro pra gente pensar em formas de adiar o fim do mundo, ou pelo menos, pra gente começar a se questionar sobre esse modelo brutal em que a gente vive:
1 – A vida não é útil (Ailton Krenak)
2 – Futuro ancestral (Ailton Krenak)
3 – A queda do céu (Davi Kopenawa)
4 – Banzeiro Òkotò (Eliane Brum)
5 – Arrabalde (João Moreira Salles)
foto: Desfile da escola de samba Salgueiro, do Grupo Especial do carnaval carioca, no Sambódromo da Marquês de Sapucaí – Tânia Rêgo/Agência Brasil