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Biodiversidade, uma fábrica sofisticada de moléculas
Meio Ambiente

por | 19 maio 2016

 

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Carnegiea gigantea, uma cactácea da Caatinga

(A beleza invisível da biodiversidade I

A imensa riqueza química proveniente das plantas é pouco conhecida. O Ciência na rua quer mostrar um pouco desse fascinante universo molecular e publicará uma série de textos sobre composição química das plantas do Brasil, elaborados pela respeitada cientista Vanderlan Bolzani. “Trata-se de uma viagem pela beleza invisível da biodiversidade – as moléculas, podemos dizer, têm os mesmos encantos de uma flor, já que respondem pelas cores, formas e perfume das plantas”, ela diz. Abaixo, o primeiro texto:)

 

 

 

 

O termo biodiversidade, popularizado pelo famoso professor Edward Osborne Wilson, entomologista e biólogo conhecido por seu trabalho com ecologia, evolução e sociobiologia (Harvard University), refere-se à variedade da vida no planeta terra, desde a genética das populações até as espécies da flora, da fauna e de microrganismos. Abrangente, o vocábulo inclui ainda a variedade de funções ecológicas desempenhadas pelos organismos nos ecossistemas, comunidades e habitats (Wilson, 1999; Noss, 1990).

Para o pesquisador Noss, o termo deve também levar em conta a frequência relativa ou abundância das espécies ou entidades dentro do contexto ecológico do qual fazem parte. A diversidade biológica terrestre, diretamente associada a milhares de substâncias químicas de estruturas peculiares, é uma das mais sofisticadas fábricas de moléculas. E é, assim, inspiração para a síntese orgânica e a prospecção de produtos naturais essenciais  ao homem moderno, como fármacos e medicamentos, suplementos alimentares, produtos de higiene, cosméticos, fragrâncias, agroquímicos e outros.

 

Em matéria de biodiversidade, o Brasil é um país altamente privilegiado pela riqueza de sua flora, fauna, microrganismos e insetos. Apresenta vários biomas completamente distintos.  E “bioma” é palavra originária do grego (bio – vida, oma – sufixo utilizado para definir grupo, conjunto) que, de acordo com a definição adotada pelo IBGE (2004), refere-se à “unidade biótica de maior extensão geográfica, ou seja, compreendendo vários ecossistemas em diferentes estágios de evolução, porém designada de acordo com o tipo de vegetação dominante”.

O termo pode ser conceituado de forma mais abrangente como uma área geográfica detentora de um ambiente uniforme, identificado e classificado em função de vários fatores, como macroclima, fitofisionomia (formação), solo e altitude, ou seja, os principais elementos que caracterizam os diversos ambientes continentais (Coutinho, 2006). É importante ressaltar que o termo bioma foi proposto para acrescentar o conceito de fauna, juntamente com fitofisionomia e clima, a uma unidade biológica distinta e uniforme.

Reconhecidamente detentor de uma das maiores biodiversidades do planeta, o Brasil assumiu um compromisso com esse título ao se tornar o primeiro país do mundo a assinar a Convenção sobre Diversidade Biológica em 1992.

Pinheiro-do-Paraná

Com uma área de 8.511.996 quilômetros quadrados (km²) e uma costa marítima de 7.491 km², o território brasileiro possui seis biomas terrestres – a Amazônia, a Caatinga, o Cerrado, a Mata Atlântica, o Pantanal e os Pampas — além de três ecossistemas marinhos e 12 regiões hidrográficas principais (MMA, 2011). Dois desses biomas, a Floresta Atlântica e o Cerrado, são considerados hotspots ou fragmentos de biodiversidade, devido à perda acelerada da diversidade biológica em decorrência da urbanização, agricultura e pecuária.

Nessas áreas, várias espécies estão ameaçadas de extinção em futuro próximo. Hoje elas  retêm apenas 0,5% das cerca de 300.000 espécies de plantas catalogadas e conhecidas no mundo como endêmicas desses ambientes (MMA, 2011; Myers et al, 2000). Mesmo assim, o Brasil ainda se destaca por abrigar uma mega biodiversidade, contabilizando cerca de 20% das angiospermas (plantas floríferas), 20% das briófitas (pequenas plantas que geralmente vivem em locais úmidos e sombreados, como os musgos) e 10% das pteridófitas conhecidas (plantas vasculares que não possuem sementes, como as samambaias), compreendendo 43.020 espécies catalogadas (MMA, 1998; 2011).

A variedade florística dos biomas confere uma riqueza inigualável de organismos, especialmente adaptados às regiões fitoecológicas nas quais evoluíram ao longo de milhões de anos.

Na tabela 1 é apresentado o número de espécies estimadas por reinos e a contribuição do Brasil no ranking mundial (Lewinsohn & Prado, 2002):

 

Tabela 1 – Número estimado de espécies descritas no Brasil e no mundo.

Reino/Filo Espécies brasileiras Espécies mundiais
Virus 250-400 3.600
Monera 1.100-1.350 4.760
Fungi 12.500-13.500 70.500-72.000
Protista 7.000-9.900 75.300
Plantae 45.300-49.500 264.000-279.400
Animalia 113.000-151.000 1.287.000-1.330.000
Total estimado 178.000-2.260.000 1.705-240-1.766.000

 

(traduzido de Lewinsonhn e Prado, 2002).

 

A riqueza biológica da flora e da fauna dos biomas brasileiros traduz-se numa diversidade química espetacular. Por meio de um conjunto complexo de reações químicas altamente sofisticadas, milhares de substâncias, de classes e de tipos estruturais distintos, são formadas nas espécies que compõem a biodiversidade. São os conhecidos produtos naturais. Plantas, fungos, insetos, organismos marinhos e bactérias são fontes de produtos naturais de classes distintas: alcaloides, flavonoides, terpenos (mono-, di-, -tri, tetraterpenos), lignoides, taninos, peptídeos, dentre outros, biologicamente ativos. Esse arsenal químico fantástico constitui uma biblioteca valiosa para identificação de modelos de fármacos (Barreiro; Bolzani, 2009) e de outros bioprodutos de alto valor agregado.

Até o presente, cerca de 250.000 substâncias naturais são conhecidas e aproximadamente 4.000 novas são descobertas a cada ano (Verpoort, 2010). Entre os 877 protótipos novos de baixo peso molecular introduzidos no mercado mundial como fármacos, de 1981 a 2014, nada menos que 61% são substâncias naturais ou derivadas de produtos naturais ou, ainda, planejadas a partir deles (Newman; Cragg, 2016).

Alguns tipos de moléculas desempenham funções essenciais para as plantas, para sua regulação, equilíbrio, adaptação aos habitats (fatores físicos e climáticos) e proteção contra agentes patógenos e predadores. Elas são conhecidas como metabólitos secundários ou especiais por exercerem esse papel auxiliar e sua identidade bioquímica é objeto de grande interesse para a pesquisa, pois oferecem respostas “prontas” para determinadas necessidades. Isto é, elas permitem ao homem se valer de um longo trabalho já realizado pela natureza no processo de evolução.

Considerando a extensão territorial do Brasil e os diferentes habitats em que as plantas tiveram que se adaptar durante sua evolução, é notório que a flora brasileira guarda uma diversidade química extraordinária e ainda pouco explorada para o desenvolvimento de bioprodutos, incluindo fármacos, cosméticos, suplementos alimentares, defensivos agrícolas, entre outros.

O atual quadro de devastação da biodiversidade de plantas no Brasil poderá vir a causar não somente a perda da rica diversidade química, essencial para a prospecção de hits e leads (moléculas bioativas ligantes e compostos líderes) de fármacos eficazes, mas também a perda de genes que codificam enzimas envolvidas na complexa engrenagem metabólica das plantas. Esse conhecimento é fundamental para o melhoramento de plantas úteis e nos processos biotecnológicos para a produção de novos produtos (Silva et al., 2010).

Muitas plantas selecionadas pelos nossos antepassados, durante o processo de co-evolução homem/natureza, são usadas na medicina tradicional, constituindo-se também num legado cultural de grande importância para todos nós.

 

Vanderlan da S. Bolzani, é professora titular do IQAr-UNESP, Diretora da AUIN-UNESP

Membro da Coordenação Biota; Vice-Presidente da SBPC

 

 

 

 

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