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Zika pode ter entrado no Brasil em junho de 2013, na Copa das Confederações

por | 26 mar 2016

O virus zika anda tão sumido da mídia que aos desavisados poderia parecer que ele já não é uma grande ameaça à saúde pública no país. Nada disso, o zika e as síndromes a ele associadas seguem sendo um problemaço a exigir mesmo os investimentos de R$1,2 bilhão em pesquisa, desenvolvimento tecnológico e ações de educação anunciados pela presidente Dilma Rousseff em 23 de março. Assim, menos mal que um estudo cheio de novidades publicado pela respeitada revista Science no dia 24 o tenha colocado de novo em evidência no jornalismo nacional.

O artigo resultante do estudo é assinado por 57 pesquisadores do Brasil, Estados Unidos, Canadá e Reino Unido, seu primeiro autor é Nuno Rodrigues Farias e o último (posição do coordenador geral da pesquisa) é Pedro Vasconcelos, ambos do Instituto Evandro Chagas, do Pará. Entre os brasileiros estão também pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz — Fiocruz-Bahia e Fiocruz-Rio –, da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e do Instituto Adolfo Lutz/Universidade de São Paulo (USP). Indo ao principal, o paper mostra que:

  • O vírus deve ter entrado no Brasil durante a Copa das Confederações, entre 15 e 30 de junho de 2013, quase um ano e meio antes da detecção dos primeiros casos de infecção. Até então a aposta do Ministério da Saúde era de que ele havia aportado aqui entre 2014 e 2015;

 

  • Aqui chegando, o zika encontrou condições favoráveis para se espalhar rapidamente. O Ministério da Saúde estima que entre 4430 mil e 1,3 milhão de brasileiros podem já ter tido zika. Os casos confirmados de microcefalia e outras alterações do sistema nervoso, sugestivos de infecção congênita, chegam a 641, incluindo nesse levantamento os 139 óbitos registrados. Entretanto, só 82 foram até agora confirmados por testes laboratoriais como efetivamente relacionados ao vírus;

 

  • O genoma do vírus tem cerca de 10,7 mil nucloeotídeos e forma uma fita simples de ácido ribonucleico (RNA) com genes capazes de expressar 10 proteínas distintas;

 

  • A variedade do vírus que circula no Brasil (ponto de partida para sua entrada na América do Sul e Caribe) é a mesma encontrada na Polinésia Francesa, que teve um surto de infecção pelo zika de novembro de 2013 a meados de 2014;

 

  • Os dados reforçam a noção de que o vírus deixou as florestas de Uganda, África, por volta de 1945, circulou pelo planeta nas décadas seguintes, passou pela África, entrou na Polinésia Francesa em 2013 e daí chegou ao Brasil.

 

 

Como o grupo de pesquisadores chegou a essas informações que, entretanto, ainda os levam a reiterar a necessidade de novos estudos principalmente para entender mais a relação entre o vírus, a microcefalia e outras malformações congênitas?

Foram várias as rotas seguidas por eles para apresentar suas conclusões. Vale listar entre elas:

  1. Isolamento e sequenciamento genético do vírus a partir das amostras obtidas pelo Instituto Evandro Chagas de sangue e soro de 4 pacientes infectados por zika, de sangue de um doador assintomático, e de amostras de vísceras de duas pessoas que haviam morrido provavelmente em decorrência complicações associadas ao vírus. Os pacientes eram de diferentes regiões do país. A isso foram combinados dados epidemiológicos de pacientes infectados por zika;
  2. Estudos filogenéticos com todos os genomas disponíveis de vírus zika em circulação nas Américas. Com uma técnica chamada relógio molecular, conseguiu-se estabelecer as relações entre os genomas e calcular o momento em que dois vírus próximos divergiram entre si. Isso ajudou a calcular quando o zika entrou no Brasil;
  3. Exame dos voos originários de países nos quais houve infecção por zika entre 2012 e 2014. Desde o final de 2012, a média de passageiros nesses voos começou a subir e foi de 3.775 passageiros no começo de 2013 para 5.754 passageiros em 2014. Já que a maior parte das infecções por zika não apresenta sintomas, é possível que que o vírus tenha se espalhado silenciosamente pelo país desde meados de 2013.

Aguardam-se para breve resultados de novos estudos, e seria muito interessante entender por que a placenta de muitos embriões barra o vírus e a de outros não o faz.

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