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Tratamento com injeções de vírus zika destrói tumor cerebral em roedores sem causar lesão neurológica

Luciana Constantino, Agência Fapesp
Imagem da home: representação 3D do vírus zika (Manuel Almagro Rivas – CC BY-SA 4.0)

À esquerda, a borda de um tumor-controle (não tratado) e, à direita, a borda de um tumor que recebeu zika. Em verde a marcação de morte celular e, em vermelho, a marcação do vírus. Além do aumento de morte na região, vemos que a borda do tumor tratado com o zika está desorganizada, enquanto a do controle (à esquerda) está organizada e bem delimitada (imagem: acervo dos pesquisadores)

Pesquisa realizada no Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco (CEGH-CEL) da Universidade de São Paulo (USP) mostrou que a aplicação sistêmica de três injeções com vírus zika em camundongos com tumores no cérebro é capaz de destruir o câncer sem provocar lesões neurológicas ou em outros órgãos, aumentando a sobrevida dos animais.

Os cientistas também injetaram o zika em um órgão semelhante ao cérebro humano criado in vitro com células-tronco, chamado organoide cerebral, e detectaram que o vírus impediu a progressão do tumor, chegando a reduzi-lo.

Nos dois modelos – em animais e in vitro –, após o tratamento, as citocinas (proteínas que regulam a resposta imunológica) suprimiram a progressão do tumor e houve aumento da migração de células de defesa para o cérebro afetado pelo câncer, acordando o sistema imunológico para a existência do tumor.

Esses resultados, publicados em edição especial da revista científica Viruses, confirmaram a eficácia e a segurança do tratamento com zika nos modelos, abrindo perspectivas para o uso da viroterapia em tumores do sistema nervoso central. No Brasil, foram registrados no ano passado cerca de 11 mil novos casos da doença, sendo aproximadamente 5.200 em mulheres, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca).

“Um dos pontos importantes, e que confirma pesquisas anteriores, foi o recrutamento do sistema imune, dando uma boa resposta à terapia. As duas vias de ação do vírus são muito importantes, pois podem permitir que ele atue em um número maior de tumores do que achávamos inicialmente”, afirma Mayana Zatz, professora do Instituto de Biociências (IB) da USP e coordenadora do CEGH-CEL – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Zatz foi orientadora do artigo, juntamente com a pesquisadora Carolini Kaid, bolsista da Fapesp, e do professor Oswaldo Keith Okamoto, do IB-USP.

Cientistas do centro já haviam demonstrado a capacidade do zika de infectar e destruir células de tumores do sistema nervoso central em estudo feito com camundongos, divulgado em 2018, e com cachorros, publicado em 2020 (leia mais aqui agencia.fapesp.br/27676/ e em agencia.fapesp.br/32727/).

O grupo também foi o primeiro a descobrir que o zika brasileiro pode ser um agente eficiente para tratar formas agressivas de tumores embrionários do sistema nervoso central, incluindo meduloblastoma. As terapias disponíveis atualmente para esses tumores pediátricos são de baixa eficiência e causam efeitos adversos graves, afetando a qualidade de vida dos pacientes.

Agora, os pesquisadores apontaram a segurança e a eficácia da técnica. “Para qualquer tentativa de tratamento, é preciso saber a dosagem e a via de administração. Mostramos nesse trabalho que três doses de injeções sistêmicas intraperitoneais do zika, com intervalo de sete dias, apresentaram resultados promissores nos modelos”, disse Raiane Ferreira, bolsista de doutorado da Fapesp e primeira autora do artigo.

A Fapesp ainda apoiou o trabalho por meio da bolsa do pesquisador Rodolfo Sanches Ferreira.

Entre o final de 2015 e 2016, o Brasil passou por uma epidemia de zika, ficando, à época, entre os países com o maior número de casos da doença. Em parte, a explicação está ligada à presença do vetor de transmissão do vírus, o mosquito Aedes aegypti, que também transmite a dengue.

Apesar de a infecção por zika geralmente ser assintomática, pesquisas mostraram a ligação entre a doença e o desenvolvimento de síndromes neurológicas em adultos, como a de Guillain-Barré, e malformações congênitas em recém-nascidos, como a microcefalia.

O país registrou um número significativo de mulheres infectadas por zika que tiveram bebês com síndrome congênita, principalmente em Estados do Nordeste. Entre 2015 e 2020, nasceram 3.423 crianças com síndrome congênita associada ao vírus, segundo dados do Ministério da Saúde.

Zatz conta que esteve na região Nordeste, onde colheu material genético logo no início dos trabalhos do grupo. “Na formação do cérebro há células neuroprogenitoras. Coletamos amostras de gêmeos discordantes, em que um teve microcefalia e o outro não. No laboratório, fizemos linhagens dessas células neuroprogenitoras e infectamos com zika para entender como o vírus atuava. Daí surgiu a ideia de testar em tumores cerebrais, ricos nesse tipo de células.”

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