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Surgem evidências de que o Zika continua a danificar o cérebro dos bebês por semanas após o nascimento
Epidemia

por | 26 ago 2016

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Nas duas imagems da tomografia na parte superior da figura, as setas brancas indicam as lesões no cérebro de bebê que permaneceu com o Zika ativo no organismo por 67 dias; abaixo, ressonância magnética mostra redução de volume das regiões frontal e parietal do cérebro

Em meio à relativa calmaria que o inverno impôs à epidemia de Zika, uma notícia grave surge para deixar todos em alerta: o vírus pode continuar danificando o cérebro dos bebês por semanas após o nascimento. Ainda não se sabe durante quanto tempo o Zika permanece ativo no organismo das crianças, mas, em 24 de agosto, foi apresentada uma das primeiras evidências de que isso pode ocorrer por tempo suficiente para agravar as lesões formadas durante a gestação.

Um grupo de 20 pesquisadores de São Paulo publicou na sessão de correspondências do New England Journal of Medicine, uma das mais prestigiadas revistas médicas do mundo, a descrição do caso de um bebê do sexo masculino que foi infectado pelo vírus ainda durante a gestação e que manteve o Zika ativo no organismo por ao menos 67 dias após o parto. “Ainda não se havia descrito uma infecção tão prolongada após o nascimento”, afirma o virologista Edison Durigon, da Universidade de São Paulo (USP), um dos autores do estudo.

O menino nasceu no dia 2 de janeiro deste ano em um hospital da capital paulista, ao final de uma gravidez de 40 semanas. Pesava 3.095 gramas e media 48 centímetros (cm) de comprimento. O tamanho de seu crânio, porém, era limítrofe para microcefalia: tinha um perímetro de 32,5 cm – até março o Ministério da Saúde considerava suspeitos os casos de crianças com igual ou inferior a 32 cm. Mas o que chamou a atenção dos médicos foi a testa, mais estreita que o normal, algo comum entre os bebês com microcefalia. Exames de imagem identificaram pequenas lesões (calcificações) no tecido cerebral características de infecções adquiridas durante a gestação.

O bebê foi encaminhado para a Santa Casa de São Paulo, onde passou a ser acompanhado pela equipe do pediatra Eitan Berezin. No final de fevereiro, por iniciativa de Berezin, amostras de sangue do garotinho foram enviadas para o grupo de Durigon na USP. Exames anteriores haviam dado resultado negativo para citomegalovírus, toxoplasmose e rubéola, infecções congênitas que também podem causar lesões cerebrais. Mas faltavam os testes para Zika, que são mais complexos e demorados e ainda não estão disponíveis no sistema público de saúde.

Um teste molecular confirmou que o menino tinha o vírus ativo no organismo e exames sorológicos indicaram que a infecção havia ocorrido ainda durante a gestação. Por volta da 26ª semana de gravidez, a mãe apresentou febre, dores de cabeça e manchas vermelhas pelo corpo, menos de um mês depois de seu marido ter retornado de uma viagem ao Nordeste, durante a qual desenvolveu sintomas semelhantes. “Existe a ideia de que as infecções congênitas são mais graves quando ocorrem no início da gestação”, diz Berezin. “Mas, nesse caso, a infecção por Zika aparentemente ocorreu mais tarde e também causou danos.”

Como a primeira análise mostrou quantidades elevadas de vírus no sangue, Durigon decidiu procurar por sua presença na saliva e na urina. “Naquela época, por volta do 54º dia após o nascimento, o vírus continuava se reproduzindo e sendo eliminado na urina”, conta o virologista, que integra a Rede de Pesquisa sobre Zika Vírus em São Paulo (Rede Zika), apoiada pela FAPESP. Testes repetidos ao longo das semanas seguintes detectaram a presença de Zika até o 67º dia de vida da criança. O aumento na concentração de alguns anticorpos, porém, indicava que, à medida que amadurecia, o sistema imunológico se tornava capaz de combater o vírus.

Os pesquisadores não sabem dizer por quanto tempo o Zika continuou ativo. Por volta de meados de março, os pais da criança tiveram dificuldade de seguir com as consultas no hospital e o acompanhamento passou a ser a distância. Mas um exame de ressonância magnética realizado no final de fevereiro indicava que as lesões no cérebro ainda continuavam ativas. “O vírus continuou a se reproduzir e a lesar o tecido cerebral mesmo após o nascimento”, afirma Durigon.

Em agosto, a pedido dos editores do New England, a equipe médica voltou a avaliar o garoto. Ele já estava livre do vírus, mas o exame clínico mostrou que apresentava algumas restrições de movimento: tinha algum grau de paralisia em um dos lados do corpo e dificuldade para segurar objetos. “Esses efeitos só são percebidos à medida que a criança se desenvolve porque é quando deveria começar a adquirir certas habilidades”, explica Berezin. “Para esse garoto, em particular, acho que a fisioterapia pode ajudar a melhorar os movimentos para que ele venha a ter um bom padrão de independência.”

Edison Durigon vê no caso um sinal de alerta. “Não sabemos nada sobre o que ocorre com as crianças que adquirem o vírus após o nascimento”, explica. E conclui: “Estamos em uma espécie de entressafra da epidemia, com o risco de enfrentar em breve uma segunda onda de Zika. Deveríamos estar preparados para iniciar o acompanhamento dessas crianças.”

O artigo científico de Oliveira, D. B. L. e outros, Prolonged shedding of Zika virus associated with congenital infection, publicado noNew England Journal of Medicine em 24 agosto de 2016, pode ser lido em https://www.nejm.org/doi/pdf/10.1056/NEJMc1607583.

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