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Sombras no show de pirotecnia
Política científica

por | 18 jul 2019

colaborou: Tiago Marconi
imagem da home: reprodução/Facebook/MEC

“Future-se”, o objeto do show pirotécnico aberto pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, na manhã da quarta-feira, 17, e protagonizado, em boa parte do tempo gasto por seu secretário do ensino superior, Arnaldo Lima Júnior, dificilmente será esquecido nas próximas semanas. Tempo, aliás, previsto para consulta pública antes que se torne um projeto a ser enviado ao congresso.

Reitores, especialistas em educação, em economia e finanças, professores e estudantes, parlamentares, entre outros, precisarão mesmo examinar, debater e iluminar tecnicalidades e reais propósitos da peça sobre financiamento privado à universidade, vendida como um projeto para revolucionar as universidades federais, enquanto seu orçamento está violentamente contingenciado em percentuais que já impedem seu funcionamento regular. Até porque a luz azulada do espetáculo montado no auditório do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep) não foi suficiente para esfumar a forte impressão de que ali, na verdade, apresentava-se de um plano de mercantilização e, no limite, de destruição da universidade pública.

Em paralelo às sombras no cenário de financiamento futuro descortinado – que caem sobre as possibilidades reais de formação de um fundo soberano de R$100 bilhões, para o qual a União contribuirá de saída com um patrimônio de R$ 50 bilhões – ou às estocadas contra a gestão atual das universidades, a ser resolvida, segundo a proposta do MEC, retirando-se dos reitores grande parte de seu trabalho e entregando-a a futuras e eficientíssimas organizações sociais (OSs), chamaram muita atenção no show algumas estranhas afirmações de Weintraub e Arnaldo Lima.

Uma delas: “Se o médico publicou na Nature, a gente lhe dá o recurso financeiro”. Como assim? “O economista tem um bom trabalho, vamos pagar o artigo na Eurometrics com recursos do fundo privado”. Outra: “O professor pode ficar rico, aqueles que quiserem explorar patentes vão ter o melhor emprego do Brasil”. A proposta,“incremental, adaptativa e disruptiva”, vai ajudar a “colocar as universidades brasileiras nos melhores rankings, os da THE e da Web of Science”. Mais: “Vamos trazer prêmios Nobel para o país, vamos transmitir sua fala para milhares de estudantes”. Alguém precisa contar aos senhores do MEC quantas vezes detentores de prêmios Nobel já vieram ao Brasil nos últimos anos, por exemplo, nas “escolas avançadas” financiadas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). “Queremos contar com uma geração de geniais, e o critério para saber se são geniais é onde começou e onde entregou o bastão”.

A forte impressão que Weintraub e Lima deixaram durante o show foi a de um parco entendimento sobre o que de fato é uma universidade ou, pior ainda, sobre as práticas e a dinâmica da produção de conhecimento científico, articulada ao ensino, nas universidades públicas.

Reação instantânea

A reação dos que estão mais afeitos a lidar com os temas do ensino superior e da pesquisa não se fez esperar, mesmo que os reitores e vários especialistas saibam que será preciso examinar com rigor ponto por ponto do “Future-se” para uma disputa que se dará no front parlamentar.

Assim, na entrevista convocada logo para o começo da tarde de quarta-feira pela direção da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, seu presidente, o reitor Reinaldo Centoducatte, da Universidade Federal do Espirito Santo (UFES), assegurou que a proposta do ministério “foi formulada sem qualquer tipo de participação e escuta dos reitores”. “Não tem precedente um projeto desse vulto sem ter havido uma discussão prévia”, disse.

O vice-presidente da instituição, o reitor João Carlos Salles, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), por sua vez observou que os reitores foram chamados “a discutir um projeto de financiamento futuro num momento em que as universidades não têm sequer garantias de seu funcionamento regular nos próximos meses”. Segundo ele, é delicada a situação que a universidade pública enfrenta, “na medida em temos cerca de 30% do nosso orçamento de custeio, do funcionamento, bloqueado. Discutir o futuro é importante, mas temos um presente, hoje, que ameaça o funcionamento regular e isso não podemos deixar de salientar”.

Salles destacou também que “a universidade é um lugar de competência, de reflexão, e qualquer proposta para pensar a universidade não pode deixar de contar com a expertise, com a competência instalada e com os exemplos que podem vir da própria universidade”.

Há, em sua visão, vários pontos obscuros na proposta. “Por exemplo, qual será o papel das organizações sociais? O que significará, por exemplo, transferir a responsabilidade de gestão de limpeza, vigilância, contratos terceirizados, para uma organização social? Em que isso afeta a autonomia da universidade? Que implicação terá na efetiva manutenção do status da universidade?”, interrogou.

Autonomia, argumentou, “não é, para nós, o direito de fazer qualquer coisa, ao contrário. A universidade é o tempo todo submetida transparentemente à avaliação pública, aos órgãos de controle. Autonomia não é soberania, não criamos leis, mas estamos ao abrigo da lei para realizar nossas funções precípuas, nesse sentido. E a autonomia tem esse componente da autonomia de gestão dos contratos diversos, que tem efeitos na autonomia política do espaço da universidade e de como ela se relaciona com a sociedade”.

Entre outros que reagiram prontamente ao show do MEC, o professor Dawisson Belém Lopes, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) observou que “o ‘Future-se’, ao contrário do indicado pelo marqueteiro do ministério, não é exatamente visionário ou futurista. Apropria-se de um rol de “boas práticas” nos eixos de P&D, da governança e da internacionalização, mas não há coesão interna ao programa. Há até propostas exóticas. Começo pelos estrangeirismos: endowment e naming rights. Com base na empiria, parece equivocado construir um plano baseado na expectativa de que as elites empresariais do BR destinarão fundos para P&D. Naming rights, como o futebol demonstra, não colam”, disse em seu blog

 

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