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Perguntas relevantes e prementes podem orientar caminhos da pesquisa sobre Zika
Epidemia

por | 19 fev 2016

Em meio à enxurrada desnorteante de notícias às vezes desencontradas sobre microcefalia, zika e Aedes aegypti, um pouco de ordem na casa pode ser muito útil. Assim, é tempo de saber o que realmente é prioritário e relevante dentro do que as pesquisas científicas vêm revelando dia após dia do problema, e o que é factível nos desenvolvimentos tecnológicos perseguidos, entre vacinas, soros e eliminação da excessiva população de Aedes.

De certa forma, uma orientação nesse sentido foi oferecida na terça feira16, por um grupo de 50 pesquisadores que integram a Rede de Pesquisa sobre Zika Vírus em São Paulo, ao listarem as perguntas científicas mais relevantes e prementes a serem respondidas pelos projetos do grupo. Entre elas, estão:

  • Como desenvolver um exame sorológico capaz de identificar em poucas horas a presença deanticorpos contra o Zika em amostras de sangue?
  • Como desenvolver antígenos recombinantes do Zika eficazes para exames sorológicos?
  • Como desenvolver uma vacina baseada nos antígenos recombinantes?
  • Como definir com rigor o tamanho da epidemia?
  • Por quanto tempo o organismo excreta o vírus?
  • Há transmissão para o bebê através do leite materno?

Reunidos na sede da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), os pesquisadores trataram de desenvolver um plano científico e operacional para a rede com base nas perguntas formuladas, informou nesta sexta, 19, Karina Toledo, da Agência de Notícias Fapesp. E propuseram também a divisão da rede em subgrupos temáticos para facilitar a comunicação e o intercâmbio de resultados.

Pergunta hoje de extrema relevância é como desenvolver um exame sorológico capaz de identificar, em poucas horas, a presença de anticorpos contra o vírus Zika em amostras de sangue. É esse tipo de teste que pode mostrar se uma pessoa já foi infectada pelo vírus, mesmo após passada a fase aguda da doença. Portanto, para mulheres grávidas, em particular, ou com projeto de engravidar ele é de enorme importância para se ter desde o começo prognósticos mais claros. Os testes sorológicos hoje disponíveis podem dar um resultado falso-positivo caso a pessoa já tenha sido infectada pelo vírus da dengue, pertencente à mesma família dos flavivírus.

Mas essa ferramenta não é importante apenas para cada gestante saber se há riscos de seu bebê ter malformações cerebrais. Ela é essencial, segundo os cientistas, “para responder a outras questões estratégicas para qualquer plano de ação: qual é exatamente o tamanho da epidemia (discriminando casos de dengue e Zika com mais precisão, tanto dos surtos atuais como passados)? Qual é a porcentagem de gestantes no grupo de infectados? E, entre as gestantes, quantas terão bebês com problemas neurológicos decorrentes da infecção congênita?”

Clarisse Machado, do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo (IMT-USP), está entre os participantes da Rede Zika que trabalham no desenvolvimento de métodos diagnósticos e relata avanços de seu grupo numa reação sorológica conhecida como Western-blot. “Identificamos um padrão específico do vírus Zika, sem cruzar com o vírus da dengue. Estamos num bom caminho, mas ainda trabalhamos com o antígeno bruto do vírus. O resultado deverá ficar melhor quando tivermos acesso a antígenos recombinantes, que são mais puros e mimetizam melhor as condições existentes no organismo”, comentou.

Esses antígenos recombinantes são sintetizados artificialmente a partir de genes clonados do vírus Zika e eles poderão ser úteis tanto para os testes diagnósticos quanto para as vacinas. E o caminho para chegar às vacinas constitui outra pergunta relevante e premente para orientar os planos de ação dos cientistas. Tais antígenos têm sido, por exemplo, um dos focos do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, sob coordenação de Luís Carlos de Souza Ferreira.

Outros grupos já conseguiram fazer a identificação de anticorpos específicos contra o vírus Zika por um método conhecido como imunofluorescência, que, entretanto, não serve como método diagnóstico para a saúde pública porque exige cultivo de células e o resultado demora cerca de sete dias para ficar pronto.

“Testes moleculares do tipo PCR em tempo real, capazes de diagnosticar em poucas horas o DNA do vírus em secreções corporais na fase aguda da doença, já foram desenvolvidos por diversas equipes da rede, entre elas a da professora Clarice Arns, da Unicamp, de José Eduardo Levi, da Fundação Pró-Sangue/Hemocentro de São Paulo, e também a de Machado, no IMT-USP”, relata Karina Toledo. O problema desses testes é que não identificam se alguém teve há algum tempo a doença.

“Os testes de PCR já estão funcionando muito bem. Com essa metodologia conseguimos, por exemplo, identificar o primeiro caso de transmissão por transfusão sanguínea ocorrido em Campinas.”, contou Clarice.

Mas há uma questão central levantada por um dos mais experimentados epidemiologistas do país, Eduardo Massad, professorda Faculdade de Medicina da USP. “Nós temos apenas fragmentos de informação e precisamos montar o todo. Qual é o tamanho dessa epidemia? Enquanto não respondermos esta pergunta, todo o resto vai ser um trabalho deducionista”, disse ele, que vem trabalhando com modelos matemáticos para tentar estimar os impactos da epidemia no Estado de São Paulo e no país.

Aspectos clínicos, imunológicos e genéticos

Karina relata que Luiz Tadeu Moraes Figueiredo, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP), e Magda Carneiro Sampaio, do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da USP, observam ser necessário estudos clínicos, com um componente assistencial. Trata-se de uma infecção congênita ainda desconhecida, e esses estudos são fundamentais para melhor caracterização dos sinais e sintomas e para entender, por exemplo, por quanto tempo o organismo excreta o vírus e se há transmissão via leite materno, disseram.

“Também precisamos estudar as características imunológicas das gestantes, pois influenciam na excreção do vírus e no potencial de infecção no feto”, explicou Magda.

Antonio Condino Neto, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB-USP), acredita que entender a relação entre o perfil genético dos bebês e a resposta imune desencadeada pelo vírus pode alavancar estratégias para o desenho de tratamentos e de uma vacina.

Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Pesquisas sobre o Genoma Humano e Células-tronco (CEGH-CEL), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) apoiados pela FAPESP, ressaltou a necessidade de descobrir se há fatores genéticos que podem tornar os bebês mais suscetíveis a sofrer danos neurológicos após a infecção pelo vírus Zika, assim como identificar marcadores que indiquem os indivíduos com propensão a desenvolver quadros mais graves da doença.

“Estamos acompanhando casos de gêmeos de mães infectadas pelo Zika em que apenas um dos irmãos nasceu com microcefalia. É preciso estudar os casos já confirmados para descartar se não são resultados de outras alterações genéticas não relacionadas ao vírus”, avaliou Zatz.

Modelos animais, estudos epidemiológicos e análise do vetor

O uso de modelos animais para entender como o vírus afeta o tecido nervoso tem sido o foco da equipe do ICB-USP coordenada por Jean Pierre Peron. Além de investigar se a infecção em roedores prenhes é capaz de causar na prole um quadro semelhante à microcefalia, o grupo tenta averiguar em quais órgãos o vírus fica albergado, analisando os tecidos com exames do tipo PCR.

Maurício Lacerda Nogueira, professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), afirmou que boa parte das perguntas apontadas pelos demais pesquisadores poderá ser respondidas por meio de estudos epidemiológicos de campo (coorte), no qual uma determinada população é acompanhada por períodos longos para se observar o desfecho.

“Já confirmamos casos de Zika em São José do Rio Preto e também em Ribeirão Preto. Este é o momento de iniciarmos esse tipo de estudo com populações de gestantes no Estado de São Paulo. É preciso tomar a decisão agora. Se esperarmos dois meses, será tarde e perderemos a oportunidade, como aconteceu na Região Nordeste”, avaliou.

Nogueira já vinha coordenando desde meados de 2015 um Projeto Temático cujo objetivo é fazer o estudo epidemiológico da dengue. Para isso, vem sendo acompanhada uma coorte de 2 mil pessoas em um bairro de São José do Rio Preto.

“É um trabalho bem complexo e vai responder uma série de perguntas que originalmente tínhamos feito sobre a dengue e agora também incluímos aspectos de Zika e chikungunya. Estamos estudando o vetor na região para ver quantos mosquitos estão infectados, a dispersão espacial e temporal do mosquito e a sua relação com o número de casos, identificando a quantidade de casos sintomáticos e assintomáticos, o número de casos graves, estudando a genética dos vírus e da população em busca de marcadores de suscetibilidade ou resistência, entre outros fatores”, contou.

No hospital da Faculdade de Medicina de Jundiaí, o professor Saulo Passos inicia nos próximos dias o acompanhamento de uma coorte de 300 gestantes consideradas de alto risco para observar se ocorrerá infecção pelo vírus Zika e qual será o desfecho. “Estamos recrutando e treinando cerca de 30 voluntários para fazer o acompanhamento dessas mulheres até o fim da gestação e, depois, o seguimento por mais dois anos”, contou.

No grupo de cientistas dedicados a estudar o mosquito vetor, ao qual pertencem Jayme Souza Neto (Unesp de Botucatu), Lincoln Suesdek (Instituto Butantan) e Margareth Capurro (ICB-USP), entre outros, foi destacada a necessidade de estudos sobre a interação entre o Aedes aegypti e o vírus Zika, para entender se a dinâmica de transmissão se assemelha à do vírus da dengue. Ressaltaram ainda a importância de estudar a competência da espécie Aedes albopictus para disseminar o vírus.

Além dos pesquisadores que integram a Rede Zika desde seu início, em dezembro de 2015, novos possíveis colaboradores participaram da reunião. A professora do Instituto de Psicologia da USP Dora Fix Ventura ressaltou que seu laboratório tem condições de avaliar bebês nascidos de mães acometidas pelo vírus Zika, a fim de identificar precocemente alterações visuais e neurocognitivas e entender as repercussões funcionais da infecção congênita.

Daniel Martins de Souza, da Unicamp, afirmou que estudos de proteômica – a tônica em seu laboratório – podem ajudar a identificar as vias bioquímicas e as proteínas alteradas no tecido nervoso de bebês vítimas da infecção congênita, apontando possíveis alvos terapêuticos.

Gestão da pesquisa

A necessidade de formalizar uma estrutura institucional para a Rede Zika, com a criação de um comitê científico, um comitê executivo e a escolha de um coordenador e subcoordenadores, foi ressaltada durante o encontro pelos pró-reitores de pesquisa das universidades estaduais.

“Há uma grande preocupação dos gestores e financiadores de pesquisa em relação a como aproveitar essa oportunidade. Sabemos que existe no Estado de São Paulo um estoque de conhecimento, uma boa massa crítica, e o que queremos saber agora é como melhor articular essa massa. É fundamental para isso que tenhamos um plano científico, saibamos qual é o problema e como vai ser tratado”, afirmou Krieger, da USP.

Krieger destacou ainda a necessidade de ter uma pessoa responsável por fazer a interlocução entre academia e setor de saúde pública – tanto em nível estadual como federal –, bem como a interlocução com a sociedade.

“É um momento único que estamos vivendo. Não é comum no Brasil haver uma integração de esforços científicos em torno de um objetivo tão claro como esse. Mas é preciso uma integração sem vaidades. Colocar nosso conhecimento a serviço dessa causa”, afirmou Pastore, da Unicamp.

Giannini, da Unesp, também classificou o momento atual como “histórico” e avaliou ser uma oportunidade de mostrar que as universidades e institutos de pesquisa fazem a diferença no Estado de São Paulo. “Foram anos de pesquisa nas universidades e anos de investimento de instituições como a Fapesp para que possamos estar hoje com a competência necessária para formar esta rede”.

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