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O garoto tímido da zona norte de São Paulo virou um cientista influente no mundo
Personalidade

por | 22 jan 2016

paulo-foto-antiga

Crédito: álbum de família

Quem conheceu Paulo Artaxo na infância jamais poderia imaginar que aquele garotinho excessivamente tímido e franzino se tornaria um dos mais importantes cientistas brasileiros no cenário mundial.

Tá certo que ele desmontava radinhos de pilha “para ver como funcionavam por dentro” e não sossegava enquanto não colocasse as peças de volta no lugar. Mas, até aí, nada de incomum, afinal, toda criança é sempre muito curiosa. O que, talvez, tenha sido o diferencial na sua vida foi o seu desejo de compreender o mundo.

“O sistema solar me fascinava. Na verdade, eu tentava entender o universo como um todo, desde o aspecto físico à complexidade da vida no nosso planeta”, relembra. Mas faz questão de salientar: “estudioso sim, nerd jamais”.

Ele garante ter sido uma criança como outra qualquer do seu círculo social, jogava pelada na rua e brincava de carrinho de rolimã. “Tive uma infância muito comum, até pela nossa pobre condição financeira, que não permitia acesso a brinquedos caros”.

Nascido no Jardim Tremembé, zona Norte de São Paulo, onde cursou o antigo primário, Paulo é o segundo de quatro irmãos e o único que seguiu carreira científica. De origem muito humilde – o pai era escrevente de cartório e a mãe dona de casa –, sempre estudou em escolas públicas. Era recordista de medalhas “Honra ao Mérito” por seu desempenho escolar, fruto de muita disciplina e, principalmente, da necessidade de desafiar e ao mesmo dar orgulho a sua mãe Maria.

“Era para ela que eu buscava aquelas medalhas. Nós vivíamos uma queda de braços, porque ela era muito dominadora e eu não aceitava me submeter às suas imposições. Então, eu tinha que me virar para fazer o melhor possível, e eu sentia um misto de contentamento e vingança, aquela vingancinha meio pueril, quando ela era chamada na escola por causa das minhas medalhas. No fundo eu sabia que eram motivo de orgulho para ela”, diverte-se.

 

Recordação escolar do Grupo Francisco Morato de Oliveira, em 1962.

Crédito: álbum de família.

 

Para um menino que, todavia, nunca se considerou prodígio, dedicar-se aos estudos era, também, uma das saídas para vencer a timidez – “era uma forma de superação”. “O outro escape” – salienta – “era tocar sanfona”. Paulo treinava em casa, sozinho, e se apresentava em festas juninas do bairro, em desfiles de carroças.

Versátil e com espírito independente, fez de tudo um pouco: aprendeu a pregar botão e fazer barra de calça, e a cozinhar, apenas observando dona Maria; cursou teatro e dança de salão. Foi office-boy do cartório onde seu pai trabalhava e mais tarde observador meteorológico do Mirante de Sant’anna. Namoradas, “nem pensar”, diz. “Morria de vergonha de me aproximar de alguma menina, tive vários amores platônicos por isso”, brinca.

Paulo tocando sanfona perto de 1962.

Paulo tocando sanfona perto de 1962. Crédito: álbum de família.

O interesse pela física, como carreira a ser seguida, se revelou na juventude. Segundo Paulo, uma paixão dividida com a psicologia. Não por acaso, “O homem e seus símbolos”, de Carl Jung, junto com “O homem que calculava”, de Malba Tahan, ambos lidos ainda na adolescência, são as obras que marcaram sua vida.

“O simbolismo desse ótimo livro é muito interessante para quem, como eu, tem um olhar positivo da vida, apesar dos problemas e dificuldades, que devem ser enfrentados com sabedoria e paciência”, diz ele a propósito de Malba Tahan, pseudônimo do matemático brasileiro Júlio Cesar de Mello e Souza (1895-1974) em suas fascinantes obras de ficção.

“O personagem central, Beremiz Samir, tinha soluções fantásticas para problemas aparentemente insolúveis. Há o valor pedagógico da obra, que é o de abordar o ensino da matemática por meio da ficção. Mas o ponto forte para, para mim, é o simbólico: problemas estão aí para serem resolvidos. Acho esse livro muito bom principalmente para os jovens, que tendem a ser imediatistas e impulsivos diante das dificuldades da vida. É o lado lúdico do desafio aos limites do ser humano”, Paulo completa.

Sobre O homem e seus símbolos, ele observa: “Sempre tive interesse pelo funcionamento do cérebro humano, em seu aspecto psicológico. E essa obra do Jung me permitiu a compreensão do papel que o conhecimento e o inconsciente jogam para a realização do ser humano”.

Quem não o conhece, considera Paulo sisudo. Mas ele tem uma personalidade espirituosa e divertida, e – acreditem! – adora “trollar” todo mundo. Na sua simplicidade, é totalmente avesso a formalidades. Dá para imaginar que, em 62 anos, usou traje de gala apenas uma vez? Pois é, foi na cerimônia em que recebeu o título de Doutor em Filosofia Honoris Causa pela Universidade de Estocolmo, em 2009. Fora isso, camisa básica e sandálias do tipo papete. No máximo, um blazer para ocasiões que exigem uma apresentação mais “séria”.

 

CEDOM Boletim notas Caderneta Paulo Artaxo 1970-1971 (1)

Crédito: álbum de família.

Sério, mesmo, ele fica ao falar de sua carreira e do imaginário equivocado que as pessoas têm em relação ao cientista. “Basta dar uma busca por ‘cientista’ no Google e aparecerão várias ilustrações de uma figura excêntrica, de jaleco em meio a tubos de ensaios. Tudo muito estereotipado. Mas não é bem assim, não precisa ser assim. Eu, por exemplo, procuro ter uma vida social bem intensa, gosto de viajar, de ir ao cinema, escutar música e sair com amigos. Ou seja, fazer ciência é uma atividade como qualquer outra, com vantagens e desvantagens. Nesse aspecto, eu levo uma vida, aí entre aspas, absolutamente normal”.

Saber identificar as próprias habilidades e investir nelas com perseverança, humildade, espírito crítico e capacidade de trabalhar em equipe são garantia de sucesso em qualquer profissão, na opinião do cientista. “Nada vem de graça. É preciso suor, dedicação e superação, ainda mais no mundo competitivo como o nosso”.

Curiosidades

  • Paulo Artaxo fez doutorado “sanduíche” na Universidade Estadual da Florida, em Tallahassee. Quando foi para os EUA, não dominava o inglês, aprendeu “na marra”. Nessa época, trabalhou em um experimento na Amazonia com Paul Crutzen, ganhador do prêmio Nobel de Química em 1995.
  • Estudou o “primário” no Grupo Escolar do Núcleo Residencial “Francisco Morato de Oliveira”, o “ginásio” na Escola Estadual Caetano de Campos, na Praça da República, e o “segundo grau” no Colégio Estadual Doutor Octávio Mendes (Cedom).
  • Depois de muito criticar, se “dobrou” ao Facebook, e hoje posta com frequência, geralmente sobre questões políticas ou científicas.
  • Na família, todos brincam que o jornal era a sua “toalha de mesa”, pois desde muito cedo tomava café da manhã diariamente lendo o noticiário.


Ana Paula Freire é jornalista. É mulher de Paulo Artaxo

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