jornalismo, ciência, juventude e humor
O desafio do ensino da matemática demanda heróis e heroínas
Mulheres na matemática

por | 8 ago 2018

Por alguns dias entre julho e agosto de 2018, o Brasil prestou atenção à matemática. Infelizmente, o furto da medalha Fields, mais célebre premiação da área, do iraniano Caucher Birkar, durante o Congresso Internacional de Matemáticos, realizado no Riocentro, no Rio de Janeiro, foi o fato que recebeu maior destaque (ele recebeu outra depois), mas não o suficiente para ofuscar o evento e a entrega das medalhas, realizada pela primeira vez em território nacional, em um momento em que a disciplina no país convive com a excelência nas pesquisas mais avançadas e resultados abaixo da crítica na formação básica – passou do grupo 4 para o grupo 5 (o melhor) na classificação da União Internacional de Matemática, enquanto amarga uma das últimas colocações no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, na sigla em inglês).

No dia 31 de julho, um evento satélite do congresso, também no Riocentro, discutiu questões de gênero no campo da matemática. Trata-se do (WM)² (Encontro Mundial de Mulheres na Matemática, na criativa sigla em inglês). O Ciência na Rua entrevistou, por telefone, uma das organizadoras do evento, a pesquisadora Carolina Araújo, do IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), que falou sobre a situação das mulheres na matemática e da situação da disciplina no Brasil. Carolina é formada em matemática pela PUC-RJ, doutora pela Universidade Princeton, nos EUA, e fez pós-doutorado em Berkeley, no mesmo país. Sua especialidade é a geometria algébrica.

Qual é a sua pesquisa atual?

Minha área de pesquisa é a geometria algébrica. Na geometria algébrica a gente estuda objetos geométricos que são definidos por equações algébricas, é uma mistura de geometria com álgebra. Talvez o exemplo mais simples seja um círculo. Um círculo é dado por uma equação, por exemplo X2 + Y2 = 1, então tem um lado que é algébrico, a gente pode, por exemplo, manipular essa fórmula, e tem o lado geométrico, que é o círculo em si, como objeto geométrico, que tem uma curvatura, enfim, que tem várias propriedades geométricas. Esse é um exemplo muito simples, mas na verdade eu trabalho não com uma curva num plano, mas com objetos multidimensionais, então em geral trabalho com objetos de 6, 8, 10 dimensões, não importa, mas a idéia é a mesma. Tenho algumas equações e, estudando essas equações, quero tirar informações sobre a geometria do meu objeto, por exemplo, eu quero saber como é a curvatura, em que direções ele se curva mais, em que direções ele se curva menos, esse tipo de informação, como é que são as curvas que vivem nesse espaço. De forma geral, é do que trata a geometria algébrica.

A que você atribui a dificuldade de inserção das mulheres particularmente no campo da matemática? Que sugestões os encontros entre pesquisadoras da área encontram ou procuram para vencer essa distância?

Na verdade, são muitos fatores, essa daí com certeza não é uma equação simples. A gente percebe que tem questões desde a infância, desde o ensino básico, de vieses de gêneros, por exemplo, um mito que às vezes é reproduzido pelas famílias e pelas escolas, de que matemática é coisa de menino, enquanto não existe nenhuma indicação científica de que isso é verdade, isso é uma construção social, é um preconceito mesmo, é uma visão incorreta que as pessoas têm e que muitas vezes passam para as meninas ainda desde criança e que vai minando a auto-confiança delas em relação à matemática. Tem vários estudos que mostram isso, mostram que às vezes os próprios professores têm esse preconceito e passam isso para as meninas. Desde aí a gente começa a ter algo que já vai influenciar na escolha da carreira das meninas, no próprio desempenho também. Tem pesquisas que mostram que você achar que você não é boa numa disciplina já te causa uma ansiedade, faz com que você não vá bem naquela prova, é o que se chama de ansiedade matemática, isso acomete principalmente as meninas por essas questões culturais. Isso é um fator. E isso, é claro, vai se amplificando ao longo da carreira e aí, mais para a frente, começam a ter também outros obstáculos.

A questão da maternidade e do cuidado com a família certamente é uma questão muito importante, que precisa ser debatida. Culturalmente, no nosso país, na verdade na maioria dos países, o cuidado com os filhos, com a família, acaba recaindo sobre a mulher, principalmente sobre a mulher, a maternidade e a família impactam muito mais a carreira da mulher do que do homem, então a gente tem discutido a importância de se criar políticas para facilitar essa combinação, para que a mulher consiga mais facilmente balancear a carreira científica e a maternidade, o cuidado com as crianças, A gente tem conversado sobre ter creche nas universidades e nos institutos de pesquisa para que as mulheres possam também viajar mais para congressos, As mulheres quando tem filhos passam a viajar menos para congressos. Se viajam menos para congressos, significa que vão estar se afastando do desenvolvimento de ponta, da fronteira do conhecimento da ciência, porque elas não vão estar ouvindo aquelas palestras, elas não vão poder divulgar o seu trabalho, aí são outros fatores, mas sem dúvida as questões culturais, os preconceitos culturais e vieses muitas vezes inconscientes acabam tendo um papel bem importante nessa discrepância de gênero que a gente vê nas ciências matemáticas.

Por que a matemática parece ser um nó fundamental na formação das crianças no Brasil? Como você avalia isso?

Esa é uma questão muito importante. Não tenho dúvidas de que o professor de matemática é o herói dessa aventura, desse desafio que é melhorar o ensino de matemática no Brasil. O ensino de matemática no Brasil não é bom, a gente vê que o resultado dos brasileiros na prova de Pisa, que é uma prova internacional que mede o conhecimento matemático de crianças e principalmente jovens no mundo inteiro, nosso desempenho, o desempenho do Brasil, é muito ruim. E aí, para fazer um diagnóstico disso, a gente vê professores que são mal pagos, que não têm seu trabalho valorizado. Não tem jeito, a solução é a longo prazo, é um trabalho de formiguinha, mas inevitavelmente tem que passar pela valorização do professor do ensino básico e médio. Muitas vezes esses professores precisam de uma reciclagem, então poder dar essa formação para eles, dar um reconhecimento do trabalho deles, tanto um reconhecimento financeiro como o reconhecimento social mesmo da importância do trabalho que eles fazem com crianças e jovens.

O que dá para fazer para lutar contra a imagem da matemática como difícil, como um campo de conhecimento quase ininteligível ou de difícil inteligibilidade?

É preciso modificar mesmo a matemática que é ensinada, então ela pode ser – e ela deve ser – mais lúdica, deve ser trazida mais para a concretude do nosso dia a dia, porque muitas vezes a pessoa não consegue entender o que está por trás daquilo, mas na verdade uma fórmula ou um tipo de problema pode ser a solução para uma questão do dia a dia que a pessoa precisa resolver, e muitas vezes essa ponte não é feita entre problemas da vida real e as estruturas matemáticas, isso é algo que precisa também ser melhor trabalhado.

E fora também o lado lúdico, porque acaba também que a matemática é sempre passada como algo chato, difícil, e ela tem toda uma beleza que muitas vezes não é passada para as crianças. Isso a gente tem tentado fazer, palestras públicas. Nós às vezes vamos até escolas públicas ou trazemos escolas públicas para o IMPA, por exemplo, para ouvir certas palestras que a gente prepara especificamente para eles [os estudantes]. E acho que as olimpíadas, a OBMEP (Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas), também é uma ferramenta muito importante, porque ela traz um outro olhar para a matemática e ela tem o potencial de envolver muitas crianças.

Que contribuição a realização do Congresso Internacional de Matemática no Brasil pode trazer para o ensino e para a pesquisa da matemática aqui?

A gente na verdade está aproveitando o congresso justamente para trazer todas essas questões para o público, para a sociedade, então acho que já teve um efeito de trazer uma visibilidade para a matemática perante a sociedade. É um orgulho o lugar em que a gente se encontra dentro do cenário internacional da matemática, o Brasil está na categoria mais alta em desenvolvimento de pesquisa em matemática. O que é importante é justamente construir essa ponte entre a sociedade e esse clube de pesquisa matemática, que acaba que é um clube bem exclusivo, e a gente tem tentado construir esse diálogo também com os professores de matemática, com a própria OBMEP, um dos ganhadores da medalha Fields foi entregar as medalhas dos medalhistas da olimpíada, então é construir mesmo uma ponte e um diálogo.

Compartilhe:

Acompanhe nas redes

ASSINE NOSSO BOLETIM

publicidade