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Nos fósseis de Curitiba, a memória do planeta
Descoberta em Curitiba

por | 21 maio 2018

Há algumas semanas, a imprensa do Paraná vem noticiando um feito, no mínimo, importante para a ciência e para a memória do planeta. Um grupo de cientistas coordenados pelos paleontólogos Fernando A. Sedor do Museu de Ciências Naturais (SCB-UFPR) e Eliseu Vieira Dias da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) encontrou fósseis de invertebrados, peixes, anfíbios, répteis e mamíferos extintos nos arredores de Curitiba, no Paraná. A formação geológica que abriga essa riqueza se chama Guabirotuba e fica bem na divisa entre Curitiba e Araucária.

Pesquisador coletando o fóssil de um ungulado

 

De imediato, a pesquisa traz duas grandes novidades. A primeira é que embora a área já fosse conhecida pelos pesquisadores e fosse até palco para as aulas de geologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), só recentemente foi tombada e declarada de interesse paleontológico e geológico. “Normalmente, as áreas são tombadas quando são de interesse para a biologia, a e a conservação ambiental. No nosso caso, são os registros geológicos que contaram e isso é novo”, explica o geólogo Luiz Fernandes, membro da equipe, professor de Geologia da UFPR e coordenador do grupo de pesquisa em Geoconservação e Patrimônio Geológico.

A segunda novidade é apresentar como era Curitiba há 40 milhões de anos. Ou melhor, alguns dos habitantes da região entre 39 e 42 milhões de anos atrás. Tudo isso está bem relatado no artigo assinado pelo grupo que saiu na edição deste ano do Journal of Mammalian Evolution.

Dente crocodiliano terrestre Sebecidae

“Tudo começou com um dente”, revela Fernandes. “Embora a área já fosse nossa velha conhecida, só em 2010 apareceu a primeira evidência de que havia algo ali”, completa. Era o tal dente. “O dono era um crocodiliano, um réptil ancestral dos crocodilos que vemos hoje”, explica o geólogo. Geólogos estão sempre cavando, procurando. Por isso, os trabalhos seguiram e logo os pesquisadores descobriram uma coleção de fósseis.

Nesse ponto, pediram um financiamento ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e uma ajuda a especialistas em marsupiais e xenartros Edison Vicente de Oliveira, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em ungulados, David Dias da Silva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS) e Ana Maria Ribeiro, da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul (FZBRS). Foi aí que nosso entrevistado, Luiz Fernandes, entrou na história também.

1. Sparassodonta (marsupial); 2. Tartaruga (Pleurodira); 3. Proeocoleophorus carlinii (xenartra); 4. Oldfieldtomasidae (ungulado); 5. Utaetus (xenartra); 6. Interaterídeo (ungulado); 7. Forusracide (aves do terror); 8. Astrapotério (ungulado); 9. Sebecide (crocodilomorfo); 10. Polidolopideo (marsupial) 11. Paucituberculado (marsupial) 12. Anfíbio (anuro)

“Encontramos répteis e aves e também mamíferos, os primeiros, certamente”, comemora. Tudo isso é importante, porque a América Latina ficou separada da América do Norte por cerca de 70 milhões de anos e, acreditam os pesquisadores, os mamíferos apareceram primeiro por aqui e depois migraram para o norte. “Ainda temos pouco material sobre esses mamíferos pioneiros, então a pesquisa dessa fauna pode trazer informações importantes”, defende Fernandes, antes de salientar que as escavações só aconteceram na superfície até agora. A região estudada era uma bacia sedimentar e há 40 milhões de anos tinha umidade suficiente para contemplar um bom número de espécies. “A gente quer continuar cavando e a expectativa é de que venham outros fósseis de lá”.

Já há indicação de espécies novas, como aqueles mamíferos raros, e certamente aparecerão outras ainda. Os fósseis de mamíferos encontrados parecem com outros achados na patagônia argentina, que viveram na mesma época. É o caso de um tatu primitivo chamado Utaetus e de alguns marsupiais sparassodontes. Outros animais escavados em Guabirotuba eram desconhecidos, como uma nova espécie extinta de tatu primitivo, o Proeocoleophorus carlinii, descrita no artigo. E a coleção vai além: tem aves, peixes, marsupiais, e até tartarugas aquáticas.

Perguntamos ao professor da UFPR se a equipe pretende apresentar a descoberta ao público. E Fernandes explicou que a providência número um é preservar os fósseis já encontrados e a área. “Descobertas arqueológicas e paleontológicas têm enorme apelo comercial, muita gente quer conhecer e revender as peças encontradas, então precisamos cuidar bem”, sugere. Mas isso não significa esconder os achados. Ao contrário. A memória do planeta depende desses fósseis e de outras descobertas como essas e isso pertence aos cidadãos, segundo Fernandes. Por isso, o segundo passo é fazer um pequeno museu, lá mesmo na área das escavações e o local já está até reservado, para receber alunos das escolas do Paraná e pesquisadores do Brasil todo.

As imagens que ilustram essa reportagem são da aluna de geologia da UFPR Renata Cunha, que também é ilustradora.

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