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“Marielle: Presente!” – a prova de vestibular que virou exposição
Marielle, presente!

por | 23 abr 2018

*Publicado originalmente no Edgardigital, veículo da Universidade Federal da Bahia

*Texto: Ricardo Sangiovanni

 

Marielle com uma bandeira branca, enfrentando escudos militares, o corpo cravejado de balas, de onde escorrem pássaros de sangue.

Marielle à frente de uma multidão multicolorida de mulheres empunhando cartazes, os braços erguidos, todas tendo no rosto bocas apenas – bocas abertas em brado.

Marielle abraçando o mundo, silenciada à força por uma mão branca, e mais outras mãos brancas repuxando-lhe os cabelos, agarrando-lhe a pele.

Marielle sorrindo, com a camisa da paz, lançando a pergunta: “Quantos mais?”

Vinte maneiras de dizer “Marielle: presente!” é o que os visitantes irão encontrar na inusitada e corajosa exposição de desenhos livres feitos por alguns dos candidatos aprovados para cursos de graduação na Escola de Belas Artes (EBA), em cartaz na Galeria do Aluno, no saguão da escola.

Inusitada porque é a primeira vez que trabalhos realizados no processo seletivo de ingresso à graduação são selecionados e exibidos ao público. Escolhido pela comissão avaliadora minutos antes da prova começar, o tema “Marielle: presente!” foi anunciado aos candidatos, a maioria na faixa dos 17 aos 20 anos, que a partir daí tiveram apenas quatro horas para produzir uma imagem sobre o assunto.

Corajosa porque significa uma tomada de posição coletiva – dos jovens autores, mas sobretudo da mais que centenária Escola da Universidade Federal da Bahia – acerca de um caso que chocou todo o país: o brutal assassinato da vereadora carioca Marielle Franco, combativa defensora dos direitos humanos, famosa por denunciar excessos na atuação policial, morta a tiros no mês de março.

A EBA oferece cursos de graduação em artes plásticas, desenho e plástica, design industrial e decoração. Além do Enem, para entrar nos cursos da Escola, é preciso realizar um teste especial de aptidão, que tem duas etapas de quatro horas cada. Na primeira, os candidatos têm que desenhar um objeto padrão. Na segunda, têm que fazer um desenho a partir de um tema aleatório, geralmente relacionado a algum assunto candente na atualidade. São avaliados aspectos como a capacidade do aluno de representar proporções, ocupar o espaço do papel, escolher cores, e ater-se ao tema sugerido.

“O candidato tem que estar atento ao que está acontecendo em seu entorno”, resume o professor Evandro Sybine, que presidiu a banca avaliadora e revelou ter se surpreendido ao corrigir as provas: “Os candidatos conseguiram representar bem Marielle, com detalhes da fisionomia, remetendo ao engajamento político dela”, observou. Muitas vezes, completou, arriscaram-se, em termos de abordagem e de técnica, como, por exemplo, na escolha de alguns pela aquarela, mais difícil de trabalhar com tempo escasso do que lápis de cor e giz de cera, que eram as outras possibilidades.

Também membro da banca, o professor Zé de Rocha, que atualmente é um dos coordenadores da Galeria do Aluno – que aceita propostas de exposições de professores e alunos de toda a Universidade – destacou qualidades artísticas nos trabalhos, cujos autores, segundo ele, “não estão para brincadeira”, brincou. A diretora da EBA, Nanci Santos Novais, afirmou que, a partir da prova, “já sabemos que tipos de alunos esperar: conscientes e politizados”.

Arte não tem bula, evidentemente, mas uma das autoras com trabalho em exibição, Niama Alencar, tentou explicar ao Edgardigital o que lhe ocorreu durante a prova. Ao ouvir o tema, pensou em representar “uma mulher jovem, que perdeu a vida brutalmente, uma pessoa que defende pessoas que não têm voz”.

Em seu desenho, Marielle aparece no centro, de olhos fechados, silenciada por uma arma, e é a única imagem totalmente colorida na cena – indicando que “ela continua colorida, viva”. Por detrás e ao redor dela, vultos e olhos um tanto fantasmagóricos, em preto e branco, e, em vermelho, uma porção de bocas bradando, “representando as emoções das pessoas diante do que aconteceu”. Acima, a balança da justiça, desequilibrada. Na base, um cálice de sangue, em alusão à canção “Cálice” de Chico Buarque.

Quando viu que o desenho, feito “sem muita pretensão”, sem o devido tempo para buscar inspiração em outras referências, Niama conta que, inicialmente, ficou um tanto “envergonhada”. “Mas depois reparei os trabalhos dos colegas, que também tinham sido feitos nessa mesma condição, e fiquei mais tranquila. E gostei da oportunidade de expor.” Parece que o professor Zé de Rocha está mesmo certo: ela tem talento, e não está para brincadeira.

Veja os desenhos expostos:

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