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Estimulação elétrica cerebral pode aumentar o desempenho físico
Neurociência

por | 27 abr 2016

Pesquisadores da UFRN revelam que estimulação elétrica cerebral diminui a sensação de fadiga e melhora o rendimento de atletas

(Da Agência Nossa Ciência)  Como o cérebro reage ao exercício físico? Será que só os músculos são determinantes para o desempenho de um atleta? Para responder a essas e outras perguntas, pesquisadores do Grupo de Estudo Pesquisa em Biologia Integrativa do Exercício (Gepebiex) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em colaboração com pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Estadual de Londrina (UEL), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Universidade da Cidade do Cabo (UCT – África do Sul) iniciaram em 2010 estudos utilizando a estimulação transcraniana por corrente contínua. Eles concluíram, por exemplo, que a sensação de fadiga pode ser modificada através de estímulos elétricos no cérebro. Os resultados da pesquisa do grupo potiguar foram citados em reportagem na revista Nature. Leia a matéria completa aqui .

Credito: Divulgação Gepebiex

 

De acordo com os professores Alexandre Hideki Okano e Eduardo Bodnariuc Fontes, ambos doutores em Educação Física pela UNICAMP, líderes do Gepebiex/UFRN, a fadiga foi o ponto de partida, o pano de fundo para o estudo. “Já temos na literatura alguns estudos sobre o papel do cérebro na sensação de fadiga, daí pensamos nessa hipótese: mostrar que o músculo não tem papel determinante ou limitante, vamos tentar estimular o cérebro para verificar se modifica alguma coisa, se melhora o desempenho, se muda a percepção do sujeito sobre a fadiga dele”, explica Okano.

A técnica de estimulação transcraniana por corrente contínua não é invasiva, eletrodos são posicionados sobre o escalpo (couro cabeludo), no córtex do indivíduo. O Gepebiex aplicou a pesquisa em 10 ciclistas que realizaram duas visitas no laboratório, sendo uma estimulação cerebral real e outra placebo (falsa). “Trabalhamos com correntes elétricas muito baixas, são 2 mili ampéres, algo que você não percebe. Devido a impedância, no início você sente como se fosse um formigamento bem leve, dura 30 segundos a um minuto, depois, em geral, a pessoa não sabe se está sendo estimulada ou não. O aparelho tem um botão que funciona como placebo, então a pessoa não sabe se está sendo estimulada ou não”, detalha Okano, que em 2015 concluiu pós-doutorado em Neurociência pela Caltech – California Institute of Technology.

Os pesquisadores explicam que há um grande debate sobre funções e especializações dos hemisférios cerebrais, no entanto, em relação a uma região chamada de córtex insular, há uma corrente que assume que o hemisfério esquerdo é o “happy side” (lado feliz) e o lado direito é ativado em condições adversas. “Por exemplo, você olha uma foto de uma criança numa guerra, ou quando você fica bravo, estressado, geralmente ativa o lado direito do cérebro. Mas se você vê uma foto do seu filho, sente alegria, ou então ouve músicas agradáveis que você gosta, estimula mais o lado esquerdo”, afirma Okano. Ainda segundo ele, a técnica utilizada no estudo tem correntes anóticas (ânios) e catóticas (cátions), uma estimula e outra inibe, respectivamente. Os eletrodos são posicionados de forma a estimular o lado esquerdo, partindo desse princípio.

Mas como o estímulo elétrico no couro cabeludo chega até o córtex insular? Os líderes do Gepebiex contam que o córtex insular fica abaixo do córtex temporal (parte lateral do cérebro), e “conversam”, ou seja, há uma conectividade entre essas áreas cerebrais. “Então, se estimularmos o córtex temporal, que fica na parte superficial, a corrente elétrica pode atingir a região do córtex insular, essa foi a ideia. Os eletrodos de silicone são colocados sobre o cérebro, estimulam a região superficial do cérebro e o estímulo atinge outras regiões. Mas considerando que as áreas cerebrais vão ‘conversando’ (conectividade), você consegue modular regiões um pouco mais profundas”, revela Okano.

Parceria

O professor Okano conta que o estudo esbarrou em um problema: o estímulo elétrico não é tão focal. “Não conseguíamos ter uma precisão de qual região estava sendo modulada. Diante disso, fizemos uma parceria com pesquisadores do The City College of New York que trabalham com modulagem computacional. De acordo com a intensidade, a posição do eletrodo e a duração da estimulação, é possível simular qual região é atingida. Então, utilizamos desse princípio para demonstrar que estávamos atingindo o córtex insular, que era o nosso interesse”, afirma. Nesse primeiro estudo com ciclistas, os pesquisadores observaram que eles melhoraram o desempenho físico, conseguindo pedalar mais tempo (4%) e reportaram menos cansaço durante o teste. O teste é padrão, a mesma intensidade é realizada duas vezes, só que numa das visitas ao laboratório é aplicada a estimulação “real” e em outra o placebo. “Observamos que quando o ciclista recebeu a estimulação, ele reportou estar menos cansado e conseguiu pedalar mais tempo. O aumento na performance de 4% parece pouco mas um maratonista para correr a prova em menos de duas horas precisa melhorar somente 4%! Esse foi um achado importante, e o estudo foi referenciado na reportagem publicada pela revista Nature”, comemoram os pesquisadores.

Outras aplicações

Os pesquisadores revelam que o grupo conseguiu observar outros fatores durante o estudo, como o funcionamento do coração. “O coração tem uma espécie de acelerador e freio, que chamamos de sistema nervoso parassimpático (o freio) e simpático (acelerador). Durante os testes conseguimos modular nesse sistema o que a gente chama de balanço simpato-vagal, e o atleta ficou com um melhor controle cardíaco. Não só eles reportavam estarem menos cansados, como as medições das frequências cardíacas deles eram mais baixas o que demonstrava que eles estavam mais eficientes, menos cansados e com o coração sob controle (com uma frequência não tão alta quanto se estivessem sem a estimulação)”, observa Okano.

Segundo o professor, com o estímulo no lado esquerdo do cérebro, o “happy side”, também estávamos estimulando o freio do coração. “Em pessoas estressadas ou ansiosas, por exemplo, o lado direito é mais ativo, por isso que a frequência cardíaca delas é mais acelerada, com pressão arterial elevada. Obesos e hipertensos, geralmente tem o que chamamos de desbalanço hemisferial, não é simplesmente físico ou estrutural, o cérebro já funciona diferente”, orienta.

Diante dessas observações, o professor Okano enxerga outras aplicações para a estimulação transcrania, não só para o desempenho físico. Uma possibilidade seria atuar na obesidade. “Algumas pessoas são compulsivas em se alimentar, parecido com o vício (adicção). O cérebro de uma pessoa adicta em cocaína tem o mesmo funcionamento que o de uma pessoa que tem compulsividade para comer doces, por exemplo. Nesses casos, quando olharmos para o cérebro percebemos que há um desbalanço no seu funcionamento, ou seja, tem regiões que não deveriam estar muito ativas, que “trabalham” muito e outras que “trabalham” pouco. “Funcionaria assim: a região que está ativando muito inibimos colocando a corrente de catódica e onde está inibida, estimulamos (anódica)”, explica. Isso já foi realizado em 2011, com nove pessoas obesas, em parceria com pesquisadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Na ocasião, eles conseguiram modular o apetite dos participantes diminuindo a fome e aumentando a saciedades. É um dado muito interessante.

Okano alerta, entretanto, que no caso da obesidade devem ser considerados dois lados da balança: a vontade de comer (a ingestão calórica) e o gasto energético, por isso o ideal para controle de peso é fechar a boca e fazer exercício. “Conseguimos modular o lado da ingestão alimentar diminuindo o apetite nos obesos, depois vimos também se eles gastavam mais energia após a estimulação transcraniana. Fizemos um estudo que estimulamos o cérebro dos obesos previamente a uma sessão de exercício físico. Os obesos realizarão duas visitas ao laboratório sendo que numa aplicamos a estimulação “real” e em outra “placebo”. Quando comparamos o gasto energético das duas sessões de exercícios, observamos que foi maior quando ele teve a estimulação transcraniana “real” previamente ao exercício. Concluímos que, além de “fechar a boca”, também gastaram mais energia. Esses são achados iniciais, fomos os primeiros a mostrar isso e já há estudos sendo reproduzidos, é um caminho bem interessante”, comemora o pesquisador.

Próximo passo

Mesmo com resultados tão animadores, o professor Okano não pode determinar se há algum tipo de ponto negativo. “A limitação é que não sabemos, a longo prazo, se há alguma contra indicação, mas a priori não tem nenhum indicativo de que seja prejudicial. É uma forma de modular a atividade neuronal. Estamos utilizando uma estratégia com correntes elétricas que tem o papel semelhante a outras formas neuromoduladoras como os exercícios físicos e a meditação”, explica. De acordo com ele, na literatura são poucos os estudos que fazem intervenções crônicas, ou seja, quando a pessoa fica longos períodos sendo estimulada.

Em colaboração com grupos de pesquisa em Brasília, estudos estão sendo realizados com corredores. “Estamos encontrando aumento no desempenho na corrida de 3000 metros. É algo que dá para estender a aplicação a outras modalidades esportivas”, aponta. O efeito da estimulação dura em média 60 a 90 minutos, portanto, é uma estratégia que poderá ser utilizada para os treinamentos diários na rotina dos atletas” e mesmo antes das competições, dizem os pesquisadores.

Para saber um pouco mais

A eletroestimulação não é uma técnica nova. Estudos nessa área vêm sendo realizados desde a época de Cláudio Galeno  – médico e farmacêutico grego que influenciou a ciência médica ocidental. Nessa época, eles faziam testes com enguias e peixes elétricos para tratar de enxaquecas, dor de cabeça, até gota, que é um tipo de artrite. A técnica ficou adormecida até 1998, quando foi retomado o estudo por um grupo italiano e em 2000 por um grupo alemão. A partir disso, exponencialmente vem crescendo o número de estudos na temática.

Por: Edna Ferreira

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