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Especialista mostra como se traveste um golpe em ato legal

Mais um dia de debates do ciclo Crise e Democracia ocorreu em Salvador, na noite desta quinta-feira (7). Na reitoria da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o quarto e penúltimo dia do encontro reuniu estudantes, professores e técnico-administrativos. Na mesa – mediada pela pró-reitora de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil da universidade, Cássia Virgínia Maciel-, quatro pessoas da comunidade acadêmica ou ligadas à militância política expuseram os pontos de vista sobre a atual situação política brasileira.

Antes da abertura da mesa-redonda, o reitor da instituição, João Carlos Salles, fez uma crítica à recomendação do Ministério Público Federal (MPF) à Universidade Federal de Goiás (UFG) por ter promovido um debate político sobre a atual situação do Brasil, de natureza semelhante ao ciclo de debates promovido pela UFBA.

“Em nome da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, posso dizer que a entidade repudia completamente esta manifestação do Ministério Público. Vamos nos posicionar, de forma mais concreta, na próxima reunião da associação, com uma nota combatendo esse absurdo que cerceia a autonomia e a capacidade que a universidade tem de estar em diálogo com a sociedade”, disse o reitor.

Economia brasileira

O primeiro convidado do evento a falar foi o economista e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Nildo Ouriques. O acadêmico disse que a crise pela qual passa o país não pode ser diagnosticada de forma superficial e que, para além das questões econômicas, “em crise está o sistema político brasileiro”.

Ouriques, ao fazer uma breve contextualização sobre a economia brasileira e o Plano Real, disse caracterizar o sistema político do Brasil como “PTucano”, fusão de termos para se referir à semelhança, segundo ele, no modelo do PT e do PSDB governarem.

“Em um país como esse, o sistema político tem que representar, em termos liberais, as grandes classes sociais e a grande característica de um país periférico como o nosso é que 10% da população concentra a maior parte da riqueza, do prestígio social e do poder político. As grandes maiorias estão destituídas de poder político efetivo e se limitam a serem convocadas, a cada quatro anos, para votar cada vez mais em um ritual destituído de sentido para as maiorias”, disse.

Conquista do poder

Em seguida, foi a vez da especialista em geopolítica e relações internacionais, Iole Ilíada Lopes. Para a especialista há um problema que as forças de esquerda, populares e progressistas enfrentam. “[As forças] vão chegar a esses governos pela via eleitoral, democraticamente, e vão ser chamadas a administrar estados capitalistas, sociedades profundamente desiguais, com um poder político historicamente concentrado, com a riqueza e a propriedade extremamente concentradas. Em nenhum desses países [onde as forças políticas passaram a governar] houve, efetivamente, uma mudança estrutural”, disse.

Para Iole, o andamento do processo de impeachment é um golpe. “Em todos esses países [onde ocorreram destituições de presidentes], esse golpe se traveste de uma face democrática, de legitimidade. Ele tenta se apresentar como aquilo que está ocorrendo sob o âmbito do estado democrático de direito. É esse discurso [da legitimidade] que as classes dominantes vão utilizar para aplicar o seu golpe. Os meios de comunicação são um escândalo e apresentam a opinião como se fosse algo objetivo e não subjetivo”, disse.

Manifestações

O próximo a falar sobre a conjuntura política brasileira foi Julio Turra, diretor executivo nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Turra também disse que nenhum governo na América Latina, por mais que fosse de esquerda e progressista, rompeu com “os laços do liberalismo americano”. Sobre a situação atual do PT, Turra disse que a legenda “paga por todos os erros que cometeu em 13 anos”. Ele também falou sobre as manifestações.

“A classe média reacionária, que odeia negros, mulheres e homossexuais, querem a queda de Dilma. Garanto a vocês que mais da metade dos jovens que foram às ruas no dia 18 e 31 de março, não o fizeram por apoio a Dilma, mas porque viram, do lado de lá [apoiadores do impeachment], tudo o que não querem para o Brasil”, disse.

Outro ponto levantado pelo sindicalista foi em relação às pessoas que não se posicionam politicamente e àquelas que se mostram indiferentes. “É criminosa a atitude política do ‘tanto faz’, ‘nem um nem outro’. Na hora do ‘vamos ver’, dizem não a todos [os políticos]. Sociedade é luta de classe, independente da direção das entidades. Estamos em um momento crucial que vai ter impacto mundial. Não importa se você votou na Dilma ou se você acha ela uma maravilha. O que importa é se alinhar no terreno da classe trabalhadora contra a pressão do imperialismo”, disse.

Decisão do MPF

O último convidado foi o também economista e professor da UFBA, Luís Filgueiras. O acadêmico criticou, assim como o reitor, a recomendação do MPF de que universidades públicas “não promovam reuniões públicas no interior da universidade”
“Nós chegamos ao fim da picada, porque esse tipo de insinuação só foi feito na ditadura. O Ministério Público não tem nenhuma autoridade para tentar impor qualquer tipo de comportamento dentro da universidade. Esse ato mostra que o golpe em andamento vai além da deposição da Dilma”, disse o professor.

Outro assunto que o economista trouxe ao debate foi sobre as melhorias sociais feitas pelo governo do PT nos últimos anos. “Não são melhorias estruturais. Todas as pequenas melhorias são parcialmente reversíveis, porque não houve mudanças estruturais e elas não são apoiadas por nenhuma burguesia. Portanto, está cada vez mais claro que não é possível fazer nenhuma reversão estrutural, se não se rompe com as classes dominantes”.

Após o debate, professores, estudantes e servidores técnico-administrativos fizeram considerações e questionamentos aos integrantes da mesa, que, após responderem, finalizaram a noite de debates na Reitoria da UFBA.

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