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Reflexões contemporâneas: é tempo de mutações, mais que de crise

(Matéria originalmente preparada para o Edgardigital, um dos veículos da Universidade Federal da Bahia-UFBA)

Ciclo de conferências busca pistas para pensar um futuro quase insondável num mundo comandado por fatos científicos apartados das ideias.

Às 18:30 horas da segunda feira, 3 de outubro, no salão nobre da Reitoria da UFBA, terá início um ciclo de palestras altamente recomendável para quem sente necessidade de aprofundar a reflexão sobre o escassamente compreendido e profundamente inquietante tempo em que vivemos.

O novo Ciclo Mutações, “Entre dois mundos: 30 anos de experiências do pensamento”, começou em São Paulo com a conferência “A amizade”, proferida por Francis Wolff, em 30 de agosto passado, e a partir daí se difundiu para Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília e Salvador, em diferentes datas e formatação.

Na versão baiana, o ciclo tem o copatrocínio da Universidade Federal da Bahia, que garantiu inscrições gratuitas aos interessados (formulário on line). E começa pela conferência “Poetas que pensaram o mundo”, de José Miguel Wisnik, mediada por Adauto Novaes, o corajoso criador e curador do ciclo ao longo desses 30 anos – do qual resultaram livros preciosos. Nesta mesa de abertura estará presente também o reitor João Carlos Salles, anfitrião do evento em Salvador, e ele mesmo um dos 16 conferencistas previstos para o ciclo na cidade – cabe-lhe abordar “O olhar”, refletindo sobre “O olho e a história”.

Para onde o mundo está caminhando?

Adauto Novais, já foi jornalista e professor, estudante de filosofia na França, diretor por 20 anos do Centro de Estudos e Pesquisas da Fundação Nacional de Arte (Funarte) do Ministério da Cultura, mas certamente se poderia oferecer uma síntese de seu trajeto profissional recente observando que ele tem sido, incansavelmente, um dos mais relevantes ativistas culturais do país nas últimas três décadas.

Mineiro de Caetanópolis, antiga Credo, 78 anos, dele disse o professor Antonio Cândido, crítico literário e um dos mais respeitados intelectuais brasileiros, que “Adauto construiu com dedicação e competência uma obra de alto relevo, que ajuda a propor e esclarecer, em extensão e em profundidade, por meio de temas bem escolhidos, sempre tratados por gente qualificada, daqui e de fora, problemas cujo debate é essencial”. O depoimento está no livreto de apresentação do Ciclo.

Na visão do próprio Adauto, que para 2016 decidiu propor uma reflexão sobre o já pensado, ou uma retomada do pensamento, programando uma conferência por cada tema geral dos ciclos anteriores, até aqui a história dos ciclos se divide em dois tempos. “Nos 20 primeiros buscávamos discutir os grandes universais, como liberdade, justiça, direitos humanos, democracia”.

Entretanto, quando tudo começou, o país estava saindo da ditadura de 1964-1985, os debates que se espalhavam por todos os cantos centravam-se em questões muito duras de política, economia, organização partidária, os terríveis legados da ditadura, etc, e Adauto entendia e pregava que sem as paixões não dá para entender o mundo. O amor, o desejo, o ressentimento, o ódio, a vingança, em síntese, as paixões alegres e as paixões tristes precisavam entrar na agenda. Daí os primeiros ciclos que tanto surpreenderam intelectuais e acadêmicos e mobilizaram multidões para as conferências mirarem “Os sentidos da paixão”, “O olhar”, “O desejo”, e evoluírem para a abordagem de “Tempo e história”, “Civilização e barbárie” e por aí vai.

A partir do 20º ciclo ocorreu uma mudança de rota “porque o conceito de crise não dava conta de explicar o que estávamos vivendo”, diz Adauto. A modernidade sempre viveu da crise, era, digamos, algo corriqueiro, “mas agora se tratava de uma outra coisa, era uma grande revolução, uma mutação, e era preciso explorar esse tema novo no pensamento”. E ele iria balizar os próximos ciclos organizados por Adauto Novaes.

Mutações é o fenômeno das grandes revoluções no curso da história. Por exemplo, o que se passa no Renascimento ou no Iluminismo. Acontece que as mutações do mundo foram sempre precedidas por revoluções culturais, filosóficas, num movimento de o pensamento preceder a mudança, observa Adauto. Conceitos como liberdade, direitos humanos, foram sendo gestados e foram moldando o porvir.  “Agora não, o pensamento humanista vem a reboque da tecnociência, da biotecnologia e da revolução digital”.

 

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A perplexidade num mundo em mutação comandado por fatos científicos apartados das ideias: da esquerda para a direita, manifestação em Londres depois do atentado em Nice, em 14 de julho, ilustração do domínio da tecnologia digital e imagem de biotecnologia

 

“Estamos à deriva, comandados por fatos científicos, não pelas ideias”, Adauto propõe. Ou ainda mais assustador, “a mutação se dá no vazio do pensamento”.

Aliás, com modéstia, ele diz que a empreitada dos ciclos de debate se tornou possível graças aos pensadores e intelectuais que a ela aderiram desde o começo. Marilena Chauí, José Miguel Wisnik, Franklin Leopoldo e Silva, Maria Rita Kehl, para citar só alguns, funcionaram como grandes andaimes nessa construção. Mas reconhece que foi ele mesmo quem conseguiu ver, a partir do 20º  ciclo que entrara em cena um tempo de mutações e que era imprescindível trazê-lo ao debate.

“Agora, neste 30º ciclo, a reflexão se dá a partir do já pensado. De alguma maneira temos buscado responder a questões que estão postas, numa corrida do pensamento atrás das invenções”, ele diz.

E que riscos tem um mundo que caminha determinado por fatos científicos que não foi precedido e não se fez  acompanhar por ideias humanistas? “Não sabemos, sequer sabemos para onde o mundo está caminhando pelos próximos 10, 20, 30 anos, e todo o esforço do pensamento se faz  por desvendar esses caminhos”, observa.

Há uma versão americana muito atraente desse futuro próximo, segundo Adauto, pós-humano, em que a inteligência artificial, com o poder de criar linguagens, se torna superior à inteligência humana. São teses em que está particularmente empenhada, por exemplo, a Universidade Singularity, sustentada por grandes empresas como Google e Paypal.

É claro que os fenômenos da globalização, da crise do estado-nação com a perda de seu poder político, a transformação do Capital, em suma, foram sinais dessa mutação presente sobre a qual o Ciclo Mutações, com 24 conferências em São Paulo e Rio, 16 em Salvador, 13 em Belo Horizonte e seis em Brasília, busca pensar profundamente e difundir essa reflexão.

Um aviso: o comparecimento a 75% da programação garante certificados aos inscritos.

 

Programação do ciclo em Salvador

(confira a programação das outras cidades em www.mutacoes.com.br)

 

03/10 – José Miguel Wisnik – Poetas que pensaram o mundo

05/10 – João Carlos Salles – O olhar

06/10 – Vladimir Safatle – Vida vício virtude

07/10 –  Maria Rita Kehl – O desejo

10/10 – Pedro Duarte A condição humana

11/10 – Oswaldo Giacóia Jr. – A crise da razão

13/10 – Luiz Alberto Oliveira Novas configurações do mundo

14/10 – Renato Lessa – A invenção das crenças

17/10 – Eugênio Bucci – Muito além do espetáculo

19/10 – Francisco Bosco – O homem máquina

21/10 –  Jorge Coli – Fontes passionais da violência

26/10 – Marcelo Coelho – O silêncio dos intelectuais

31/10 – Marcelo Jasmin – Tempo e história

24/11 – Antonio Cícero – Artepensamento

25/11 – Guilherme Wisnik – O futuro não é mais o que era

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