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De eletricidade e estrelas
TC12

Talvez você nem existia nos primeiros anos da década de 1980. Mas mobilizando sua imaginação você poderá acompanhar a história que vou contar e da qual não esqueço.

Trancoso, no sul da Bahia, era então um paraíso para pessoas dispostas a pôr mochila nas costas, dormir em barracas ou no chão de terra, comer peixe frito com ovo frito. Abrir mão de banheiros e da luz elétrica.

A falta de banheiro não tinha consolo. Mas a falta de luz entregava, depois que o sol se punha, um céu coalhado de estrelas. Grandes, pequenas, Dalva. Para nós, urbanos de São Paulo, anoiteceres e amanheceres no arraial tinham mapas de sonho e devaneio.

Mas um dia o progresso da técnica se anunciou! O destino me presenteou a cena de ver a pequena comunidade em festa pela chegada, finalmente, da energia elétrica em Trancoso. Contrastando com os moradores eu estava triste.

Afinal, eu saía da minha cidade, enfrentando quase 30 horas de viagem, para curtir o remanso feito de mar, lua, estrelas. Em outras palavras, viajava para encontrar a magia, minha terra além das luminárias. Agora com Trancoso na tomada, o que eu faria?

Daí, no meio do povo na única praça, com os moradores aguardando ávidos o fiat luz, perguntei para uma menina de uns oito anos: Mas o que vocês acham tão bom na luz elétrica? Ela respondeu bate-pronto: Porque teremos televisão, liquidificador, geladeira.

Era tudo o que eu tinha na minha casa desde sempre. Tv para me entreter, geladeira para fazer alimentos durarem mais, liquidificador para fazer das frutas, sucos. Mas na hora acreditei que a menina e toda a comunidade estavam perdendo o bem maior da beleza.

Demorei muitos anos para perceber que eu estava errada. As pessoas querem progressos, querem facilidades. Mesmo que para isso alguma beleza seja sacrificada. Por exemplo, o museu de estrelas no céu.

Também percebi que não fui justa com a garotinha de 8 anos. Com a chegada da luz elétrica, ela comemorava ter o que eu já tinha. Trancoso era o paraíso das minhas férias. Um parêntesis nos meus confortos e recursos. Quando eu cansava do mar, das estrelas, do escurinho voltava para minha Tv, geladeira, abajures.

Para os moradores do paraíso Trancoso, a luz elétrica significava o que sempre significou para a humanidade toda: a abertura para quase infinitas possibilidades. O que a ciência inventa de extraordinário é para todos.

 

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Fernanda Pompeu é webcronista louca por ciência.

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