Menos unidades de conservação ambiental criadas, explosão dos indicadores de destruição da vegetação natural, manutenção de uma política irresponsável de manejo de dejetos da mineração, aumento dos assassinatos de ambientalistas e militantes pelo acesso à terra. A coincidência de todos esses dados a partir de 2014 não é mera casualidade, e sim consequência da triste associação de dois fatores: a crise econômica e a perda do foco em proteção ambiental e bem-estar humano, que vêm se refletindo em cortes dos orçamentos para pesquisa científica e ações de preservação ambiental nos últimos anos. A resultante de tudo isso é que o Brasil já não pode mais se gabar de ocupar uma posição de liderança global no quesito conservação ambiental.
É essa a interpretação de um grupo de pesquisadores brasileiros encabeçado pelo professor do Instituto de Biologia da UFBA Ricardo Dobrovolski, que publicou neste mês o artigo “Science and democracy must orientate Brail’s path to sustainability” (Ciência e Democracia devem orientar o caminho brasileiro para a sustentabilidade) na revista Perspectives in Ecology and Conservetion (Perspectivas em Ecologia e Conservação), publicação de alcance internacional da Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação, tida como a principal revista brasileira da área.
No estudo, a ênfase nos indicadores socioeconômicos e de conservação ambiental a partir de 2014 toma como marco a interrupção do ciclo democrático iniciado em 1995, em que cinco mandatos presidenciais foram inteiramente cumpridos pelos presidentes eleitos pelo voto popular – Fernando Henrique Cardoso (2 mandatos), Luiz Inácio Lula da Silva (2 mandatos) e Dilma Rousseff (1 mandato). Nesses 19 anos, segundo o artigo, “o país combateu alguns de seus problemas históricos de pobreza, destruição ambiental e déficits de ciência e educação”, e obteve resultados globais positivos, seja no âmbito fiscal, seja no aumento da criação de áreas de conservação e do combate ao desmatamento, além de ter elevado o investimento em ciência e tecnologia e na formação de nível superior.
A partir de 2014, contudo, o estudo aponta forte tendência de inversão desses indicadores: junto com sucessivos déficits nas contas públicas, vieram aumentos nos índices de desemprego, o retorno de cerca de 3 milhões de brasileiros a condições de vida abaixo da linha da pobreza, a deposição da presidenta eleita e a ascensão de um congresso com forte agenda reacionária e de um governo com os mais baixos índices de popularidade da história, na casa dos 3% de aprovação. Na interpretação dos biólogos, esse cenário serviu para justificar indevidamente cortes do percentual de investimento em ciência e tecnologia (que chegou a 0,39% e 0,41% do PIB em 2015 e 2017, respectivamente, os menores desde 2012) e o recuo de uma série de políticas ambientais.
Ao analisar os indicadores especificamente relacionados ao meio ambiente, o estudo aponta o aumento da área anual desmatada, que atingiu em 2016 picos que não se viam desde 2008, tanto na Amazônia (7.893 km² devastados, maior patamar numa escalada a partir de 2012, quando se registrou o menor desmatamento da floresta, 4.571 km²), quanto na mata atlântica (290,75 km² devastados, mais que o dobro dos 140,9 km² registrados em 2011, ano do menor desmatamento desse bioma). Ademais, a área total das unidades de conservação ambiental no país, que havia mais que dobrado entre 1995 e 2012, praticamente estagnou desde então. Segundo os autores, esse cenário claramente regressivo teve como precedente com a aprovação do chamado “novo código florestal”, aprovado ainda em 2012, que flexibilizou uma série de regras para a conservação ambiental no país.
Dobrovolski aponta ainda a existência no país de mais de 120 barragens de rejeitos de mineração que apresentam risco de provocar tragédias semelhantes às que ocorreram em Mariana (MG), em 2015, e em Bacarena (PA), neste ano. Outro dado assustador é o total de assassinatos de ambientalistas e militantes pelo direito à terra, que em 2015 chegou a 50 mortos – o mais alto somatório desde 2003, quando foram contabilizadas 73 mortes. Em 2017, 66 assassinatos foram computados, o segundo maior índice desde 2002.
O professor Dobrovolski salienta que, com esse vergonhoso conjunto de indicadores, o Brasil vai se afastando a passos largos do cumprimento de metas internacionais de conservação ambiental e de desenvolvimento humano, fixadas em acordos dos quais o país é signatário, como a Convenção sobre Diversidade Biológica, o acordo de Paris sobre emissões de gases de efeito estufa e os “objetivos do milênio” das Nações Unidas, voltados ao desenvolvimento sustentável.
“O Brasil necessita criar, com a contribuição da ciência, um caminho que associe desenvolvimento humano e conservação ambiental. Ainda que não tenham sido ideais, os investimentos que ocorreram durante esse ‘período democrático’ entre 1995 e 2014 trouxeram importantes avanços nesse sentido. No entanto, frente à crise econômica, o governo brasileiro, de maneira antidemocrática, virou as costas para nossas maiores riquezas, o povo a e natureza”, sintetiza o professor Dobrovolski, que mesmo assim mantém-se otimista quanto ao potencial do Brasil de resolver esses problemas e continuar a obter avanços sociais e ambientais.