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Crises econômica e política afastam o Brasil da liderança mundial em conservação ambiental
Meio ambiente

por | 31 jul 2018

Menos unidades de conservação ambiental criadas, explosão dos indicadores de destruição da vegetação natural, manutenção de uma política irresponsável de manejo de dejetos da mineração, aumento dos assassinatos de ambientalistas e militantes pelo acesso à terra. A coincidência de todos esses dados a partir de 2014 não é mera casualidade, e sim consequência da triste associação de dois fatores: a crise econômica e a perda do foco em proteção ambiental e bem-estar humano, que vêm se refletindo em cortes dos orçamentos para pesquisa científica e ações de preservação ambiental nos últimos anos. A resultante de tudo isso é que o Brasil já não pode mais se gabar de ocupar uma posição de liderança global no quesito conservação ambiental.

É essa a interpretação de um grupo de pesquisadores brasileiros encabeçado pelo professor do Instituto de Biologia da UFBA Ricardo Dobrovolski, que publicou neste mês o artigo “Science and democracy must orientate Brail’s path to sustainability” (Ciência e Democracia devem orientar o caminho brasileiro para a sustentabilidade) na revista Perspectives in Ecology and Conservetion (Perspectivas em Ecologia e Conservação), publicação de alcance internacional da Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação, tida como a principal revista brasileira da área.

No estudo, a ênfase nos indicadores socioeconômicos e de conservação ambiental a partir de 2014 toma como marco a interrupção do ciclo democrático iniciado em 1995, em que cinco mandatos presidenciais foram inteiramente cumpridos pelos presidentes eleitos pelo voto popular – Fernando Henrique Cardoso (2 mandatos), Luiz Inácio Lula da Silva (2 mandatos) e Dilma Rousseff (1 mandato). Nesses 19 anos, segundo o artigo, “o país combateu alguns de seus problemas históricos de pobreza, destruição ambiental e déficits de ciência e educação”, e obteve resultados globais positivos, seja no âmbito fiscal, seja no aumento da criação de áreas de conservação e do combate ao desmatamento, além de ter elevado o investimento em ciência e tecnologia e na formação de nível superior.

A partir de 2014, contudo, o estudo aponta forte tendência de inversão desses indicadores: junto com sucessivos déficits nas contas públicas, vieram aumentos nos índices de desemprego, o retorno de cerca de 3 milhões de brasileiros a condições de vida abaixo da linha da pobreza, a deposição da presidenta eleita e a ascensão de um congresso com forte agenda reacionária e de um governo com os mais baixos índices de popularidade da história, na casa dos 3% de aprovação. Na interpretação dos biólogos, esse cenário serviu para justificar indevidamente cortes do percentual de investimento em ciência e tecnologia (que chegou a 0,39% e 0,41% do PIB em 2015 e 2017, respectivamente, os menores desde 2012) e o recuo de uma série de políticas ambientais.

Ao analisar os indicadores especificamente relacionados ao meio ambiente, o estudo aponta o aumento da área anual desmatada, que atingiu em 2016 picos que não se viam desde 2008, tanto na Amazônia (7.893 km² devastados, maior patamar numa escalada a partir de 2012, quando se registrou o menor desmatamento da floresta, 4.571 km²), quanto na mata atlântica (290,75 km² devastados, mais que o dobro dos 140,9 km² registrados em 2011, ano do menor desmatamento desse bioma). Ademais, a área total das unidades de conservação ambiental no país, que havia mais que dobrado entre 1995 e 2012, praticamente estagnou desde então. Segundo os autores, esse cenário claramente regressivo teve como precedente com a aprovação do chamado “novo código florestal”, aprovado ainda em 2012, que flexibilizou uma série de regras para a conservação ambiental no país.

Dobrovolski aponta ainda a existência no país de mais de 120 barragens de rejeitos de mineração que apresentam risco de provocar tragédias semelhantes às que ocorreram em Mariana (MG), em 2015, e em Bacarena (PA), neste ano. Outro dado assustador é o total de assassinatos de ambientalistas e militantes pelo direito à terra, que em 2015 chegou a 50 mortos – o mais alto somatório desde 2003, quando foram contabilizadas 73 mortes. Em 2017, 66 assassinatos foram computados, o segundo maior índice desde 2002.

O professor Dobrovolski salienta que, com esse vergonhoso conjunto de indicadores, o Brasil vai se afastando a passos largos do cumprimento de metas internacionais de conservação ambiental e de desenvolvimento humano, fixadas em acordos dos quais o país é signatário, como a Convenção sobre Diversidade Biológica, o acordo de Paris sobre emissões de gases de efeito estufa e os “objetivos do milênio” das Nações Unidas, voltados ao desenvolvimento sustentável.

“O Brasil necessita criar, com a contribuição da ciência, um caminho que associe desenvolvimento humano e conservação ambiental. Ainda que não tenham sido ideais, os investimentos que ocorreram durante esse ‘período democrático’ entre 1995 e 2014 trouxeram importantes avanços nesse sentido. No entanto, frente à crise econômica, o governo brasileiro, de maneira antidemocrática, virou as costas para nossas maiores riquezas, o povo a e natureza”, sintetiza o professor Dobrovolski, que mesmo assim mantém-se otimista quanto ao potencial do Brasil de resolver esses problemas e continuar a obter avanços sociais e ambientais.

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